1.) VOCÊ EMPRESTA XÍCARA DE AÇUCAR DO SEU VIZINHO?Isto é a coisa mais normal do mundo ma periferia da cidade, mas na dita Zona Sul, arrebaldes mais luxentos, isso nem passa pela cabeça dos moradores. Quando já se viu pedir emprestado, mesmo em caso de urgência, uma mera caixinha de fósforo, uma xícara de açucar ou um abridor de latas? Apertos acontecem com todos, inclusive com os tais abastados. Nem como tda organização do mundo, impossível a pessoa não ter pelo menos algumas vezes em sua vida passar por algum perrengue, ou seja, no meio de algo em curso, notar que faltou algo e não tendo a quem recorrer, bate palmas na casa do vizinho e este lhe socorre. Para mim, não existe nada mais do que normal. Normal para mim, mas impossível de ocorrer, por exemplo em áreas nobres, onde o mero cumprimento de "bom dia" com seu vizinho é algo feito de forma premeditada, digo mesmo, desconfiada.
Vamos ao fatos, meus fatos, os que dizem respeito ao lugar onde morei quase uma vida inteira. Sou cria da Baixada do Silvino, melhor de suas imediações, onde por mais de 50 anos meus pais moraram e nos criaram. Beirada do rio Bauru e ali junto deles, inesquecíveis vizinhos. Só um deles era "encreiqueiro" e tivemos problemas, inclusive quando a bola jogada em nosso quintal caiu em seus domínios. Ele, turrão e cara fechada, acabava por devolver. Sua esposa sempre um doce e quantas vezes não fazia algo em sua cozinha e nos oferecia. Faltar algo e pedir a estes ou qualquer outro, algo trivial, normal e sem maiores delongas. Tenho lembranças mais do que alvissareiras de tanta coisa que, a gente sabendo que a vizinha estava cozinhando, não ficávamos na espreita, pois era certo desfrutarmos todos juntos. Enfim, vizinhos em harmonia e benfasejo.
Já morando com Ana, primeiro num prédio mais popular, mas a situação já era outra, pois pela correria não tivemos tempo, mesmo morando ali mais de cinco anos em conhecer os vizinhos. Daí, como desfrutar do que faziam ou emprestar algo deles em caso de qualquer aperto? A solução era sair no meio da noite quando o problema da urgência surgisse. Fizemos isto algumas vezes. Já neste novo lugar, apartamento maior, dois por andares, a coisa piorou, mas mesmo num prédio com 36 apartamentos, onde praticamente dá para se conhecer todos, pelo menos de vista, algo de muito ruim acontece, mas também de bom. O ruim é a frieza das relações entre vizinhos, quando na maioria das vezes o máximo que ocorre de aproximação é o tal do "bom dia" quando de um cruzamento do elevador.
Destes 36, tenho três onde sei posso contar quando no meio da realização de um bolo, me deparo que acabou o açucar. Já bati na porta de uma, pois precisava muito de um mero tomate, um só e não queria sair para comprá-lo com o relógio já passando das 22h. Ele generosamente me ofereceu todos os que tinha disponíveis, três no caso. Peguei um só e fiquei de devolver, algo que ainda não fiz, mas um dia farei. Ela é amiga, dessas de tomar cerveja juntos, algo também difícil morando em lugares assim como minha atual morada. Tenho outros dois, um de porta e dele precisei de um mero abridor de latas, quando numa festa, não achei os que tínhamos de jeito nenhum. Envergonhados pedimos, fomos prontamente atendidos e só. Já um outro, casal de idosos, sei que, pelo que conversamos pelos corredores, cederiam às minhas necessidades sem pestanejar. Do restante, sei lá, não coloco minha mão no fogo. Enfim, não consigo comparar os vizinhos de antanho com os atuais. No lado menos abastado do mundo, as relações me parecem mais tranquilas, sem neuras e preocupações. Vive-se melhor entre as partes. Será que é isso mesmo, quanto mais imponente e pomposo o lugar, menor a solidariedade e o congraçamento?
2.) PARA ONDE VÃO OS CRIADORES DE PROBLEMAS? A UTOPIA DE UM PAÍS VERTIGINOSOEu sou um eterno criador de problemas. Irriquieto, não consigo me conter com as injustiças deste mundo e por causa disso, padeço de alguns percalços, perseguições e tropeços. Enfim, sonhador, queria só ver o fim das injustiças deste mundo e também dos hipócritas, os que se fingem de bons, mas apunhalam os interesses dessa imensa maioria de injustiçados. Lutar e brigar por estes é penoso, pois trata-se de luta sem fim, incessante e onde ir se deparando com inimigos é algo mais do que trivial. Sonho constantemente com isso de "outro mundo é possível". Claro que é, mas sem luta ele nunca chegará, pois para se chegar lá, em primeiro lugar se faz necessário vergar o interesses dessa minoria exploradora, criminosa e lucrando em cima dos incautos e mais fracos. Sempre pensei em algo assim: não poderia existir um mundo onde essas desigualdades não mais existissem? Não acho ser plausível isso do paraíso terrestre como a igreja católica o idealiza, tudo certinho, todos vivendo num campo verdinho, harmonia absoluta de uma paraíso impensável e impraticável. Assim também deve ser chato demais da conta. Queria algo mais harmonico, ainda não totalmente existente no mundo atual.
Desse sonho pela existência de um lugar assim, outro dia estava num bar e reencontrei o escritor e músico LUIS PAULO DOMINGUES. Começamos a conversar e ele saca da algibeira seu livro, "O PAÍS VERTIGINOSO" (Editora Spessotto - Bauru SP, 2020, 120 páginas). Falou do que se tratava e pensei no meu sonho. Comprei no ato e continuamos a beber cerveja. Ele me contou o enredo: "Uma região completamente inóspita, isolada e inacessível no sul da Argentina (...), onde eram enviados aqueles que estavam criando problemas para a vida em sociedade nos seus países de origem. Não eram criminosos, mas apenas pessoas desajustadas e rejeitadas, chatas e incômodas, oriundas de todos os cantos do planeta". Conversaria horas com ele sobre isso da construção de "um outro mundo ser possível". Li o livro e vi que para o País Vertiginoso não eram levados os como eu, buscando igualdade para todos, mas com outros desajustes. Mas achei o mote dos mais interessantes. Viajei na maionese.
Desse sonho pela existência de um lugar assim, outro dia estava num bar e reencontrei o escritor e músico LUIS PAULO DOMINGUES. Começamos a conversar e ele saca da algibeira seu livro, "O PAÍS VERTIGINOSO" (Editora Spessotto - Bauru SP, 2020, 120 páginas). Falou do que se tratava e pensei no meu sonho. Comprei no ato e continuamos a beber cerveja. Ele me contou o enredo: "Uma região completamente inóspita, isolada e inacessível no sul da Argentina (...), onde eram enviados aqueles que estavam criando problemas para a vida em sociedade nos seus países de origem. Não eram criminosos, mas apenas pessoas desajustadas e rejeitadas, chatas e incômodas, oriundas de todos os cantos do planeta". Conversaria horas com ele sobre isso da construção de "um outro mundo ser possível". Li o livro e vi que para o País Vertiginoso não eram levados os como eu, buscando igualdade para todos, mas com outros desajustes. Mas achei o mote dos mais interessantes. Viajei na maionese.
O livro do Luis Paulo é para ser lido de uma só sentada. Foi o que fiz. Comecei e só parei no término. Com esse mundão véio totalmente de cabeça para baixo, tendo tantas diferenças entre os povos e cada qual pensando e agindo diferente, a vida humana padece por demais da conta, no entanto, poderia tudo ser bem diferente. Paras mim o tal do País Vertiginoso seria um lugar mais do que utópico, mas onde todos vivessem sem diferenças. Se isso se chama comunismo, socialismo ou qualquer outro nome ou ismo eu não sei, mas sei que este sim seria o paraíso terrestre. A mente humana é desvirtuada desse caminho de brigar coletivamente desde muito cedo e num mundo onde prevalescem uns tendo milhões e outros não tendo quase nada, só mesmo começando tudo de novo. Será possível começar tudo de novo? Isso também é mais do que utópico.
Luis teve uma sacada muito legal no final do seu livro, quando quem foi deslocado para viver nesse tal país, descobre a saída e muitos retornam para onde viviam anteriormente. A maioria volta e desvolta, pois descobrem que o vivido no tal país é melhor do que tudo o que viviam antes. Mas o mais questionador é quando se deparam que as saídas sempre existiram. "O que eu sei é que as estradas estão aí e sempre estiveram, para quem quisesse voltar. Estão meio escondidas pelo mato, é verdade... (...) O fato é que vocês estavam dando problema e pronto... bum!, apareciam aqui. O resto eu não sei. (...) Não havia governo e nem repressão. Não havia exploração e nem relações de poder. Na verdade, era ali o paraíso". Será isso o motivo dessa luta de uma vida inteira, a busca pelo tal paraíso, um lugar "vertiginoso", onde a gente consiga conviver sem percalços, explorados e exploradores? As saídas para ele existem, estão aí e brigar por eles é outra coisa. Eu hoje, quando esgrimo e me esfalfo pelo "Fora Bolsonaro" quero só uma melhoria coletiva, sem esses fundamentalistas, negacionistas, milicianos, corruptos sem sensibilidade para com o semelhante e só pensando em enricar a qualquer custo. Com os perversos hoje nos governando isso é impossível, daí cá estou em busca deste "país vertiginoso", ou algo neste caminho, com menos crueldade e assim, degrau por degrau a gente ir conquistando, galgando momentos mais justos. Tudo são etapas e essa vivida hoje pelo Brasil, nada vertiginoso, é o fundo do poço. Estamos começando de novo e a luta se reiniciando. Divago sobre isso tudo e o tema do Luis Paulo me colocou mais minhocas na cabeça.
OBS FINAL: O título "Diário de Cuba" veio da ilha ser hoje uma espécie de paraíso terrestre, algo no caminho desse treco de "outro mundo é possível".
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