COMPANHIAS POSSÍVEIS*
* Meu 57º texto/artigo para o semanário DEBATE, de Santa crus do Rio Pardo, edição chegando às bancas no dia de hoje:
Viajo neste momento e aprendo muito nas andanças. Escutar o que as pessoas tem para dizer, sem antes descarregar o que cremos é algo difícil, ainda mais nos dias de hoje. Tudo faz parte de um aprendizado, adquirido com o passar dos anos ou no mínimo, com o devido respeito pelo próximo.
Escutar não é aceitar. Primeiro escuto e a partir daí, entabulo alguma conversação. Tento encaixar ideias. Se aceitas, continuo, acrescentando algo mais do que ouvi do interlocutor. Ótimo quando tudo bate de cara, daí tudo flui facilmente e se completa. Convergir é ótimo. Quando não, se ao menos existe entendimento na prosa, salutar, do contrário, a partir daí portas fechadas. Melhor dar o breque a partir daí, do que chover no molhado e insistir em algo sem futuro. Não estamos mais com tempo de, nessa altura do campeonato, querer suportar conversa pra boi dormir.
Só a partir dessas preliminares é possível estabelecer o prosseguimento ou não de algum entendimento. Onde me encontro hoje, estradando com a esposa, trombamos a todo instante, por iniciativa própria, com possibilidades de acasalamento conversativo. Abrimos a guarda até o limite, pois somos assumidos rueiros e não viajamos para permanecer somente dialogando entre nós. Buscamos e queremos mais. Hoje mesmo, sentados num bar, a senhora da mesa ao lado puxa conversa e após as preliminares é como se fossemos amigos de longa data. Por outro lado, no café da manhã um casal intragável, pedante e querendo impor aos demais somente sua linha de pensamento. Descartamos de cara. Insistimos nas possibilidades, mas para tudo tem um limite.
Passei da idade de perder tempo com aqueles que, diante de tudo o que este país vivenciou nos últimos três anos, insistem na defesa do bolsonarismo, ou mesmo o doentio antipetismo. Na certeza da continuidade do desvario, impossível travar algum diálogo dentro do bom senso e com gente torcendo pela continuidade da destruição do País. Muitos que votaram nele estão mais do que na dúvida e é com estes que estabeleço conversação.
Neste momento eu passeio e ao mesmo tempo converso. É o que mais faço. De todos, o povão, as classes mais sofridas e penalizadas sabem muito bem a causa dos seus males e dificuldades, todas triplicadas com Bolsonaro. Da classe média para cima é que o bicho pega. Estes, mesmo na merda, ainda possuem o rei na barriga. Como é difícil estabelecer um diálogo com estes. Enfim, como li num texto na Carta Capital: “Radical não é o PT ou a esquerda. Radical é a casa grande”.
Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e historiador (www.mafuadohpa.blogspot.com).
"O colunismo político despendeu energia nos últimos dias para relatar o jantar entre a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, secundada pelo “banqueiro” (ou ex) Gabriel Galípolo, e empresários reunidos no grupo Esfera, criado, segundo o site da entidade, para engajar líderes políticos, empresariais e sociais em prol do Brasil. De repente, nada mais importava. Licitação superfaturada de ônibus escolares? A disputa intestina pelo comando da Petrobras? As ameaças de morte dirigidas a Lula e a militantes progressistas por parlamentares bolsonaristas? A farra do orçamento secreto dos militares? Esqueça, importante é conhecer a vida de Galípolo.
Um documentário da National Geographic não conseguiria ser tão preciso. Descobrimos o que pensa, o que come, o que veste, qual o habitat e para que time torce o exótico novo integrante da alcateia petista. E tomem caracteres, análises, opiniões. Nem Galípolo é o que descreve o noticiário nem seu papel na discussão do programa de governo de Lula, que entretém nada menos do que 80 economistas, é tão central, a despeito de o “banqueiro” (ter presidido o Fator faz dele, no máximo, um executivo de banco) ser uma das mentes mais brilhantes da nova geração dedicada às ciências econômicas.
Charge bem grande, para não deixar dúvidas... |
Quanto ao jantar, os relatos, por mais chocantes, correspondem aos fatos. Apesar de 13 anos do PT no poder, período de conciliação e ganhos exorbitantes das elites, o empresariado continua a temer o “radicalismo” do partido.
Apesar do desemprego, da fome e da inflação descontrolada, Abílio Diniz saudou o bom momento da economia. Apesar das lutas trabalhistas que remontam a Revolução Industrial e da consolidação de leis no mundo inteiro ao menos desde o início do século XX, um empresário foi capaz de defender a tese de que o Estado não deve se meter nas relações entre empresas e “colaboradores”, o eufemismo moderno para designar empregados. Eficiente é a Lei da Selva.
Todos cobraram o mea-culpa do PT pelos “erros do passado”, embora quem deva pedir desculpas é o ex-juiz Sergio Moro, o ex-procurador Deltan Dallagnol e a força-tarefa de Curitiba pelo exímio trabalho de destruir a economia brasileira, atropelar os direitos fundamentais e impulsionar a chegada de Bolsonaro ao poder. Autointitulado think thank independente e apartidário, o Esfera escolheu um lado faz tempo e não esconde. Entre Lula e Bolsonaro, despejará milhões na campanha do negacionista que levou mais de 600 mil brasileiros à morte, do inepto que implantou o jeito miliciano de governar, do golpista inveterado à espera de uma oportunidade para queimar o último fiapo de democracia formal. Há quem acredite em uma “direita democrática” e sonha com a vitória da civilização sobre a barbárie. Mais fácil seria cavalgar um unicórnio ou surpreender a fada-do-dente. O ódio de classe é um traço constitutivo do caráter dos donos do poder no Brasil. Radical não é o PT. É a Casa-Grande".
Este país nada varonil está recheado de muitas fraudes, enrolações e embromação.ações, as mais diversas e variadas, vindas desde as fake news até as facadas e assassinatos ainda sem explicação. Inconcebível se ter provas da rachadura em gabinetes palacianos e nada ser esclarecido. Falta-nos coragem e senso de Justiça, ou mesmo, quem ascumpra honrando a função e cargo exercidos, pelo bem da coisa pública. O descalabro precisa se findar e punições rigorosas ocorrerem. Dizem que essas virão somente se o capiroto perder a eleição. Quer dizer, então que, ganhando a esbornia vai ter continuidade? E a Justiça, e seu nome a zelar, seu juramentado, como ficam?
CONVERSA PRAIEIRA - QUEM CONSTRÓI A VIDA SOCIAL É A LÍNGUA OU A LUTA TEM QUE TER CONTINUIDADE E ADAPTAÇÃOO cenário da boa prosa é um restaurante na orla marítima de Ponta negra , Natal RN, mais precisamente um restaurante tendo como proprietários italianos e por este motivo, atraindo para suas mesas um bocado da colônia italiana da cidade. Tudo no final do dia de hoje, quando a noite caiu sob a cidade, depois de horas de malemolência na praia. Na discussão, eu, Ana Bia e Jeferson, o Garoeiro. O restaurante fica bem ao lado da pousada onde estamos inseridos neste contexto por pouco menos de uma semana. Todos devidamente sentados, bebericando algo e observado o que se sucede à sua volta. A frase que dá título a este texto é de autoria de Villén Flusser e foi lembrada pelos dois me acompanhando, após vermos ali diante dos olhos algo bem simples: a energia que reúne as pessoas vem da língua. Flusser tentou provar isso academicamente nos seus tempos de USP, "língua e realidade". Garoeiro observa a movimentação de italianos em torno dos donos do lugar: "Uma sociedade de surdos e mudos não existe sem a língua. A essência do reino animal é a língua. O exercício da língua vem da sociedade. Porisso amo de paixão a língua portuguesa".
O cenário era realmente instigante. Um amontoado de italianos num país distante e procurando diminuir as distâncias se encontrando num bar e ali, todos já familariazados com o português, mas fazendo questão de conversar na língua pátria. É o elo para não se sentirem tão distantes do país de origem. Ou seja, o social através da língua. A mesa de bar propícia algo mais e o assunto se amplia e também sofre mutações, se diversifica. Garoeiro conta a história do armênio Colouste Gulberkian, engenheiro e armador, que vendo chegar o fim de sua vida, repassou parte de seus bens para uma fundação e com o lema: "Não para a minha posteridade, para perpetuar o que eu gosto, mas para aquilo que eu acredito".
Na fundação portuguesa, uma revista, a Colóquio Letras e lá algo grandioso, uma palestra proferida em português pelo linguista russo Roman Jakobson, onde segundo Garoeiro, a essência de toda a luta empreendida pelos povos: "O sentido da luta leninista é baseada em dois princípios: a continuidade e a adaptação". Ele explica mais detalhadamente: "Pra que continuar lutando? A luta tem que ter continuidade e a luta tem que ter adaptação. Essa a essência da lei leninista da luta operária". MUito bom divagar e tentar produzir pontes, ligações entre os temas que vão despontando, enquanto os italianos conversam entre si, com um rádio sintonizado numa emissora italiana.
Chegamos na conclusão de que, as línguas são esse acervo maravilhoso que a história vai acumulando aos longo dos tempos. Enfim, nada surgiu agora e do nada. Tudo vem de muito longe. E mais, não existe luta vitoriosa na humanização sem continuidade e adaptação. Garoeiro, estudioso marxista conclui: "Os capitalistas talvez não se atentem, criticam e renegam Marx, mas o que ele fez e de forma primorosa foi estudar o capitalismo. Não existe melhor explicação do capitalismo do que a dada pelo pelo comunista. Ele resumiu o capitalismo em duas tendências, a de poupar e a de gastar. Keynes nasceu alguns anos depois do falecimento de Marx e ao formular seus conceitos, desprezou Marx, mas peca, erra feio, pois sua teoria só se interessa pelos que possuem dinheiro e nada para os demais, portanto não existe fundamentação para seus escritos".
Viemos e estamos aqui para rever amigos e conhecer outros tantos. Garoeiro um deles. Estivemos com ele novamente hoje e amanhã. Ele nos acrescenta muito, daí sempre queremos mais. O aproveitamento dessas viagens se dá exatamente por causa destes reencontros.
Enfim, divagações de quem senta em bares e conversa. Faço isso, sempre bem acompanhado.
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