CURTAS HISTÓRIAS
1.) SEU PLÍNIO, 92 ANOS, COMENDO CHURRASQUINHO COMIGO NUMA BEIRADA DE CALÇADAQuem nunca ouviu falar aqui por Bauru de Plinio Scriptore não sabe das histórias que este senhor tem dentro de sua cachola. Hoje, completados 92 anos de existência, dias atrás o encontro aqui na portaria do prédio onde moramos, ele à procura de alguém para sassaricar um pouco. Não precisou nem me convidar, aliás, estava convidado. Ele queria comer um churrasquinho, desses feitos nas beiradas de calçadas e o local escolhido por ele foi o vendido ali quase defronte o portão principal do Bauru Shopping.
Sentar com ele por alguns instantes, desses inenarráveis, pois o papo flui e ele relembra coisas do arco da velha. Conheceu bem as entranhas desta cidade, quando foi o secretário de alguns dos mais importantes Superintendentes da Rede, ou seja, da Noroeste do Brasil. Trabalhou no prédio hoje abandonado ali na praça Machado de Mello. Era quem recepcionava as autoridades todas que vinham visitar Bauru, passavam durante o dia por um dos escritórios mais famosos do interior brasileiro e depois, encarregado de ciceronear com os importantões pela famosa Casa da Eny. Ele não se vangloria do feito, algo como uma ramificação, um puxadinho de suas atividades. O que ele se vangloria mesmo foi dos meses passados no Rio de Janeiro, indicado pelo escritor José Lins do Rego, que de passagem por Bauru, o conheceu molecão e o levou para treinar no Flamengo.
Hoje ele gosta muito de desfilar por onde ande com essa jaqueta do Boca Junior, comprada lá defronte o La Bombonera, nas vezes em que, levado por amigos, foram em grupo perambular e bater perna pelas ruas der Buenos Aires. Seu Plínio é testemunha ocular de parte significativa da História de Bauru, uma que ainda não foi devidamente contada. Eu bem que quero fazer isso, mas nos corres que faço, o máximo que tenho conseguido é sequestrá-lo do prédio e arrastá-lo para algumas perdidas andanças pela cidade. Em cada lugar que passo com ele, ele tem algo pra me contar. Uma delícia, não só o churrasquinho, mas ter um vizinho como ele, tão carente de falações e conversações, encontrando em mim alguém para desabafar e botar algumas delas pra fora. Ruamos juntos.
Num dos seus braços uma imensa tatuagem do presidente Lula. A conversa infelizmente não foi longa, pois estávamos atrasados para pegar estrada, mas deu pra seber ser ele empresário e muito satisfeito com o que Luis Inácio Lula da Silva já fez ao país, tanto que, diante de tudo, tempos atrás, o tatuou em um dos seus braços. Nos disse que, na qualidade de empresário, impossível de comparar o que seus governos fez pelo povo, com os tantos programas sociais e muito também pelo empresariado. "Veja só quem Lula levou para viajar com ele na viagem à China. A maioria foi de empresários, inclusive do agronegócio, que gostam de se contrapor ao papel do governo Lula, mas sabem que nunca fariam o mesmo com Bolsonaro, pois este não sabe o que isso de trato comercial internacional", nos disse.
A tatuagem não é louvação gratuita e sim, por reconhecimento, nos disse. E nos relatou tudo o que considera como benefício para o país, em detrimento do que tivemos de retrocesso com os quatro anos com o capiroto no poder. Ficamos de voltar a vê-lo por ali, nos próximos domingos e quando peço para tirar uma foto de seu braço, sem regatear, levantou a manga da camisa e disse: "Precisamos muito ajudá-lo a continuar transformando este país, eu sei o quanto padeceremos no futuro com um desGoverno virando as costas para o povo". Na correria, nem eu, nem Aurélio perguntamos seu nome, o que foi uma falha imperdoável.
O encontramos sem querer na rua, semana passada, eu e a mana Helena voltando da feira no Vitória Régia e ele e a esposa Luciana, chegando. Paramos para conversar e lhe pergunto de uma viagem que acabaram de fazer, para os confins peruanos, algo que muito me impressionou. Para subir na altura onde foi se faz necessário também preparo físico. Falcão é um sujeito que não consegue tirar a simplicidade de dentro dele. Fala de um jeito como nunca deveríamos deixar de fazê-lo. Quando a gente perder a caipirice que nos permeia, seremos outros, pioramos. Ser caipira é uma delícia, Falcão não é, mas não deixa de ser. Entenderam?
Gostoso mesmo é trombar e poder conversar, extrair algo da vivência de gente como eles dois, um casal que se transforma e não se altera. Vivem hoje lá pelas bandas de Piratininga, sabem muito bem onde pisam e o fazem com a devida sapiência. Gente esclarecida, lúcida, pronta para defender seu ponto de vista, sem altercações desnecessárias. E agora, além de bom contador e narrador de histórias, como essa de sua viagem ao Peru andino, tem este outro lado, o de incentivador para que saíamos dessa vida modorrenta, cheia de flacidez muscular e descubramos que tudo pode ser prolongado com saúde. Para tudo se faz necessário algum esforço, mas ao vê-lo todo pimpão, a certeza de que tudo vale a pena. Eles dois estão mais lindos que nunca.
Já escrevinhei dele por aqui em outras oportunidades e mesmo sendo repetitivo, volto à carga. O Silvio, ele e sua mãe, foram os maiores vendedores de discos de Bauru e região. A Discoteca de Bauru não era só um point, mas um acervo a céu aberto, além de ótimo indicador para incautos, que adentravam a loja ainda sem saber ao certo o que comprariam. Ele disse a mim e ao Carioca, na banca de livros e discos usados lá no Vitória Régia, que se desfez de seu acervo e hoje, passado um tempo, tendo reacomodado a sua situação de espaço físico para acomodar essas coisas todas, voltou a comprar e toda semana passa na banca e leva algo.
O Silvio é contido, cordial, porém de pouca conversa. Não se abre facilmente, só para os mais próximos. É desses que entra quieto e sai calado, porém, sabe muito bem onde pisa. Na feira, vasculha a caixa de discos e digo a ele que, provavelmente encontrará alguns ainda com o selo das Discoteca de Bauru ali colados. Digo também que, na minha coleção, a maioria dos que guardo, possuem este selo, ou seja, procedência das mais nobres e edificantes. Ver o Silvio pela aí é matar saudade de um tempo que, mesmo já ficando lá para trás, ainda me permeia e conduz. Eu vivo muito hoje pela música, ouvindo a cada dia tudo o que consegui amealhar ao longo de minha existência e ele sabe, tem culpa disso. Creio não ter comprado um único CD em sua loja, mas LPs tenho aos borbotões. Este sim deveria ganhar uma Moção de Aplauso lá na Câmara Municipal de Bauru.
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