quarta-feira, 28 de maio de 2025

DICAS (257)


FICÇÃO SATÍRICA

APROVEITOU VIAGEM DO PREFEITO E MUDOU TUDO
Foi um insólito acontecimento. Até então ninguém havia percebido que o vice-prefeito tinha posições tão diferentes do mandatário maior, eleito pelo voto popular. Ele, o vice, estava junto do prefeito desde seu primeiro mandato. Estavam no segundo e com pouco menos de um ano de trabalho nessa continuação de trabalho, o prefeito até então solteiro, mesmo tendo namorado muito, decidiu intempestivamente se casar e para surpresa geral, com uma então secretária de seu governo. Foi algo repentino. Mesmo namorador, com vários casos conhecidos, nunca explicitou algo com alguém de seu staff. Agora foi ao estilo vapt-vupt, de uma hora para outra, namorou e inesperadamente anunciou o casamento. Surpresa geral. Comentários de toda espécie surgiam por todos os lados. Num deles, o mais sórdido era que ele havia engravidado sua subordinada.

Disso ninguém tinha certeza. E assim, diante de muita expectativa o casamento aconteceu. Até então o vice-prefeito estava lá na sua função de fazer quase nada, dedicando-se com afinco às suas atividades profissionais extra função pública. Recebia de ambas, mas na pública, pouco envolvimento, quase nenhuma atividade, pois o prefeito era destes tido como "caxias" e não deixava brechas, quase nenhuma oportunidade de mostrar serviço. Conformado, quase resignado, não demonstrava descontentamento. Aceitava tudo pacificamente, sem esboçar reação negativa. Na verdade, ninguém sabia direito de seu comportamento, pois como pouco comparecia ao local de trabalho, era também tido como figura meio que decorativa. Não criava problemas. A situação lhe parecia até cômoda.

O casamento se deu e o vice convidado, compareceu, apareceu em muitas fotos, sempre com sorriso no rosto, esbanjando simpatia. Passado alguns dias, o prefeito capitulou e viu que se fazia necessário desfrutar de uma lua-de-mel. Tinha férias em haver. Optou por duas semanas longe da cidade. Iria para o exterior, onde os olhares de conhecidos é quase imperceptível. Evidentemente, sua secretária fez o mesmo. O fato não causou nernhum problema, do tipo empecilhos causados por oposicionistas. Neste momento, após um casamento, não havia mesmo motivo para se mostrar criador de problemas. 

E desta forma, o vice-prefeito, teve que por alguns dias se desvencilhar de suas atividades profissionais e assumir a Prefeitura naquele curto período de tempo. A viagem se consumou e o destino dos pombinhos não foi anunciado, enfim, não queriam ser importunados, muito menos bisbilhotados. Voaram para destino incerto e não sabido. O vice-prefeito, sempre com aquele jeitão desprentensioso, esperou a poeira baixar e após se certificar de que a viagem de fato foi consumada e o casal estava bem longe de solo pátrio, se aconchegou na poltrona e chegou na conclusão até então tão esperada: havia chegado o seu momento. 

Até então, o prefeito tinha tomado decisões um tanto estapafúrdias, na verdade descabidas na concepção de muitos. Como tinha maioria da Câmara de Vereadores, tudo que para lá enviava, mesmo proposituras sem pé nem cabeça, a  aprovação era imediata, feita de forma sem nenhuma discussão interna. Da última conseguiu aprovar um valor descomunal para um departamento, algo sem lastro, muito menos projeto o viabilizando. Nada disso se fazia necessário, mesmo evidenciando-se algo vergonhoso. A grita da pequena oposição era muito grande, demonstrando a irracionalidade do aprovado, mas nada disso era levado em questão. O que valia mesmo era o montante de grana adentrando os cofres e a disposição para gastá-lo o mais rápido possível. A pretensão era essa, porém não deu tempo da grana chegar aos cofres municipais. Os trâmites, nem sempre muito rápidos, só seriam possíveis bem depois do retorno da tal viagem. Sim, os planos eram estes, viajar e depois, arredondar o formato para recepcionar o dinheiro e gastá-lo, como os planos, ou seja, sem nenhuma planificação. 

Tudo transcorria da forma mais normal possível, com os informantes sempre atentos e informando o prefeito de todas as diárias ocorrências. Estes pedirão para ser comunicados só em caso muito grave. Assim sendo, nos primeiros quatro dias, desfrutaram da viagem sem sobressaltos. Neste quarto dia, algo surpreendente ocorre e dessas coisas que, ninguém esperava ser necessário ocorrer neste curto período. O então prefeito, marca e acontece um reunião secreta com os vereadores. Ninguém sabe o que foi discutido. Alguém vazou dela ter ocorrido e foi só. No dia seguinte algo começou a se descortinar. O então prefeito envia como sempre ocorria, mais um projeto destes montados em cima da hora, com redação pífia, poucas linhas, sem consistência, mas muito bem definido. Nele estava estabelecido que duas aprovações recentes, altos valores, uma para tratar o saneamento básico e outra a do empréstimo já aqui citado, estavam sendo desfeitas. Nenhum desdobramento ou utilização de outra forma, simplesmente canceladas.

Como já era praxe naquela Câmara, uma sessão extradordinária foi convocada e no sexto dia deste mandato extraordinário, os vereadores se reuniram e num tempo record, com menos de uma hora, aprovaram tudo e mais algo novo. Ficou também estabelecido que, a partir daquela data, ficariam a encargo deles o estabelecimento e implantação liberada de emendas propositivas no orçamento, sem necessidade de passar pelo crivo do mandatário eleito. Um acordão entre as partes. Até a oposição, que já não agia assim como uma efetiva oposição, pois representava uma minoria, aceitou tudo e a votação foi unânime e incontestável. O prefeito em viagem foi comunicado do golpe recebido e mesmo tentando falar com os vereadores, até então considerados subservientes, não atenderam nenhuma ligação. 

A viagem de volta foi antecipada, porém, só concretizada dois dias antes de vencer o prazo  acordado de substituição. Chegou o fato já consumado. De agora em diante, ele não mandava mais no quesito dinheiro público, tudo agora repassado para a mão dos vereadores e este, a partir de então, uma espécie de "Rei da Inglaterra". A mídia local, que até então fazia ouvidos mouco para o procedimento do prefeito, intitulou o ocorrido como "golpe dentro do golpe", Ou seja, depois do fato consumado, resolveram desdizer do que até então ocorria. Não se sabe o que ocorreu depois, como foi feito o acordo com os vereadores revertendo a dinheirama que entraria para os cofres da Prefeitura e agora então no deles. O fato é que, o prefeito que estava com pretensões de se firmar, ele e sua famiglia fincando raízes profundas e indissolúveis, agora tinha pela frente algo inusitado. E o que aconteceu com o vice-prefeito? Pelo que se sabe nem reencontrou com o prefeito em seu retorno. Voltou para suas atividades, muito mais lucrativas que as na função pública e pelo que se conta, ria à cântaros, dizendo para os mais chegados, sempre em off: "Menosprezou minha participação até não mais poder. O troco foi dado com luva de pelica".

OBS 1: Reafirmando para dirimir qualquer tipo de dúvida. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência". Dizem também, que mais dia menos dia, quem muito quer, na primeira oportunidade, vê a viola em cacos. Será?!? 

OBS 2: Nós já tivemos, isso fato real em Bauru, um prefeito que em dois seguidos mandatos, por conhecer muito bem seu vice, não tirou um só dia de férias, não possibilitando que ele assumisse a cadeira de prefeito nem por um segundo. Na ficção, uma provável possibilidade de quando um vice, dito e visto como tranquilão, inexpressivo, assume. Tudo pode acontecer nestes momentos.

OBS 3: Sei, muitos escreverão ser este HPA um desprezível ficcionista, história chinfrim. Concordo em genero, número e grau. Eu tento, tento, tento e o que sai é isso. Sofrível, né!

OBS 4: As ilustrações foram gileteadas do La Flaca, publicação satírica republicana catalã das mais importantes no período 1868-1874.

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