domingo, 8 de junho de 2025

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (206)


DIVAGAÇÕES LITERÁRIAS DE UM DOMINGO DE CHUVA EM BAURU
1.) DOS ACHADOS ENCONTRADOS NA CASA DE LUCAS MELARA
Tenho uma distração que as vezes me traz alguns aborrecimentos: gosto de vasculhar a estante alheia, quando na casa de diletos amigos. Rato de biblioteca e de papéis, corro primeiro os olhos, depois caio de boca, ops, digo, adentro o que vislumbro e em alguns casos, mesmo sem permissão, folheio. Ler é algo mesmo arrebatador. Em Sampa, vez ou outra, acabo por me hospedar com Ana Bia na cada do designer Lucas melara, que um dia estudou Design na Unesp Bauru e nos conheceu. Hoje, ele reside em Sampa e quando em Bauru, lhe oferecemos pouso e ele, vice e versa, quando estamso na capital paulistana.

E o danado tem algumas belas estantes com variações bem ao meu estilo de livros, revistas e afins. Bato os olhos e me apaixono. Ele dá um leve descuido e já estou folheando algo. Faço isso na casa e escritórios de tantos outros. Uma perdição da qual não consigo me apartar. Pois bem, da última vez que por lá estive, bem arrumadinha numa das estantes da sala, lugar nobre, duas edições da famosa e já não mais circulando, a REV.NACIONAL do fotógrafo J.R.Duran. "A Rev. Nacional desafia, com todo prazer, os padrões das revistas atuais. Adota o formato visual dos livros impressos e dispensa o uso de chamadas. (...) É composta em grande parte de depoimentos que permitem alcançar sem pretensões ou temas decisivos quem são os fotografados", encontro como definição num site da revista ainda funcionando.

Primorosos textos, com paginação diferenciada e fotos, muitas dele próprio e de outrois, sempre dentro de um candente tema. É dessas pra sentar, ler de cabo a rabo, olhar e ficar viajando na maionese. Fotografei até alguns dos textos que nã odeu tempo de ler da última estada. Agora encontrei um site, onde algumas das edições podem ser devassadas: https://ipsispub.com.br/produto/rev-nacional/... . O J.R.Duran eu acompanhei e conheço pouco. Foi um dos fotógrafos da extinta Playbou, sempre com ensaios em lgares bem originais mundo afora. Um excelente profissional e da revista, só elogios. Um luxo ter conseguido manter com tamanha qualidade, inclusive de impressão, por tanto tempo. Tornaram-se peças raras e cada vez mais caras. Não tenho nenhumas e as que leio, encontro pela aí, como essas duas na casa do Lucas. Escrevo dessas, mas assim como elas, tivemos publicações tão belas e com conteúdo até mais salutares que essa, hoje igualmente, objeto de difícil acesso. Quando me deparo com alguma, desisto de tudo o mais e, como já disse, caio de boca. Qualquer dia volto lá e termino a leitura começada.

2.) O DIA EM QUE QUASE COMPRAMOS O CATATAU DO SEBASTIÃO SALGADO POR 1/3 DO PREÇO VENDIDO HOJE
As coisas neste mundo são assim mesmo, um dia valem um preço dentro da realidade e noutro sobre estratosféricamente. Com os livros e quadros de artistas assim acontece. Estivemos em Sampa, eu e Ana Bia para assistir um dos shows da despedida de Gilberto Gil no Allianz Park. Chegamos cedo e nos aboletamos ali no shopping ao lafo, creio que de nome Borboun e como sempre, digo a ela, vamos procurar a livraria do pedaço. A encontramos num dos andares, adentramos, bela livraria. Não gastamos nada, enfim, não queria carregar peso durante o show.
Um deles, Ana queria por que queria, um catatau como nunca visto, capa dura, e folhas em tamanhos descomunais, o "Amazônia", do fotógrafo Sebastião Salgado. Pesava além do permitido para este já envergado cidadão carregar num dia normal, mas para aquele, com mais umas quatro horas, duas em pé esperando tudo começar e depois, o tempo do show, a espera para sair dali e carregando aquilo tudo, ia ficar em frangalhos. O preço também já era alto, enfim, o acabamento e apresentação é impecável. Perdemos a oportunidade.

E agora, dias após a morte do famoso fotógrafo, Ana me diz sobre os preços dos livros do Salgado. Subiram e batem recordes. Na isso, tudo é mais ou menos assim. Salgado já foi muito bem reconhecido em vida, mas agora suas obras, pelo menos neste momento, valem mais, no mínimo o dobro de antes. Consultei um pelo Mercado Livre e por lá também acontece a mesma coisa. Foi do peruano Vargas Lhosa e também estavam a ganhar com ele, se aproveitando do seu passamento. Nada como esperar a poeira baixar. No caso deste catatau do Salgado, creio a edição vai se espeirar, se é que já não se findou por completa. Este é daqueles que literalmente pesa de verdade na estante.
E só para complementar o texto, algo de um banheiro que fui nas imediações. Gosto dessas brincadeiras, onde no banheiro masculino, a foto do playboy francês e no feminimo, o da encantante atriz ninfeta. Todos são personagens deste mundo onde estamos de passagem. Salgado, Lhosa, Bardot e Gainsburg. Neste momento simplesmente me auxiliam a escrevinhar algo dentro de minha mente, desses tantos que mantenho dentro de mim por um certo tempo e depois exponho, expilo e ganham vida. Estes todos poderiam muito bem estar nas minhas estantes, paredes e armários. Os fotografo com essa maledicente intenção.

3.) O ZIRALDO FOI UM DOS MAIORES REVISTEIROS DESTE PAÍS
Tem uma pá de revistas e jornais criados pela verve criativa e esse bichinho da inquietude que Ziraldo tinha dentro dele. Ele instigava as pessoas a ir junto dele e assim nasceram várias revistas país afora. Para mim o seu maior feito continua sendo o hebdomadário - como ele mesmo designava o semanário - carioca O Pasquim. Este, podem escrever o que quiserem, mas era insubstituível no quesito "armação ilimitada" dentro do mercado editorial brasileiro. O time ali juntado foi de arromba e até hoje, quando revejo o que me resta - e não quero me separar -de exemplares, reverencio Ziraldo & Cia por ter me proporcionado isso lá atrás, me ajudando sobremaneira em minha formação.

Faço essa introdução, pois além de tudo o que frutificou de sua verve, Ziraldo no final dos anos 90, mas precisamente em 1999, criou uma revista mineira, a PALAVRA. Seu formato já era fora dois padrões, pouco maior do que as convencionais, mensal e com uma diagramação diferenciada, privilegiando a foto, com distribuição delas bem espaçosas, privilegiando o olhar. Escreviam de tudo, do país numtodo, mas a pegada mesmo era mineira. Na empreitada arrebanhou seu mano, outro craque do traço, Zélio e na capa as intenções já bem definidas: "Arte + Comportamento + Cultura + Idéias". Comprei algumas e perdi todas com as enchentes lá no Mafuá da beira do rio. Comprava, guardava e o rio levava. Guardei uma edição, que ficou toda emplastada, se transformando numa tábua, com o Frei Beto na capa. Virou um quadro no meu novo espaço mafuento, agora tudo dentro de uma segura quitinete.

Era o resquício guardado da PALAVRA. Semana passada recebo uamdoação de livros e revistas, dessas para doação e distribuição nos Caixotes pela cidade de Bauru. No meio de outras raridades, como edições antigas da Caras Amigos, eis outra edição da mineirinha. Paro tudo, esqueço das arrumações e vou reler aquilo que já tive e agora, recupero por outros meios e maneiras. Só mesmo uma inquieta pessoa como o Ziraldo para conseguir juntar aquele timaço de gente, encaixando todos dentro de um maravilhamento editorial. Quando diante de algo assim, nãotem jeito, esqueço da vida, das obrigações e compromissos. Viajo no tempo, espaço e no que mais me puserem na frente. Nem Monique Evans nos seus melhores dias me tiraria do enfronhamento provocado pelas publicações mais criativas já produzidas neste país.

Sim, eu já tive quase a coleção inteira da Palavra, assim como da Bundas e tantas outras. Hoje, reencontrando trago e acumulo - sou acumulador assumido de papéis e afins - no meu bunker, diria mesmo, oásis. Um luxo conseguir manter um espaço assim, com a minha cara, um tanto bagunçado e por lá, cadinho de tudo o que consegui arrebanhar, juntar, com quase nenhuma catalogação, mas me fazendo tocar a vida adiante mais um bocadinho de tempo. Enfim, conviver com isso tudo e poder continuar folheando, lendo novamente é de um prazer inenarrável. No momento, meu motivo de orgasmo total é com a PALAVRA, mas amanhã ao adentrar o MAfuá e redescobrir outra fonte de eterno prazer, renovo tudo e ali esqueço de tudo o mais, inclusive desses aviões que hoje, nessa festa aérea promovida por este insano senador bauruense, que nada faz, insistem em tirar rasantes do lugar onde escolhi viver. Eles promovem o barulho lá deles, com as piores intenções e eu, quieto, quero ficar aqui lendo neste cubículo fechado, trancafiado e longe destes perversos se aproximando cada vez mais, com a clara intenção de calar os que insistem em pregar contra eles. Ziraldo era bom de briga contra estes todos. Eu sou só um arremedo.

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