Dias atrás, andando pela quadra 9 da rua Primeiro de Agosto, justamente onde funciona hoje a unidade central do Bom Prato, me deparo na esquina desta rua com a Antonio Alves, canto esquerdo baixo da praça Rui Barbosa e lá mais um ponto comercial fechado. Por décadas funcionou ali a DOCE FEST e ouvindo uma moradora, que prefere não se identicar, relata a mim sua versão dos motivos dela hoje estar não só fechada, mas toda lacrada com tapumes, com letreiros retirados e no lugar uma placa de Aluga-se.
"A região vive um medo generalizado. Pode reparar aqui no entorno, tudo fechado ou em vias de fechar. Os comerciantes não estão mais seguros, diante da licenciosidade desta região.O caso dessa loja, frequentada por todos os moradores aqui da região e muito conhecida na cidade foi a violência urbana. Conviver com moradores em situação de rua é uma coisa, mas hoje existe junto a eles outro tipo de pessoas, muito mais violentas. Criaram problemas com o pessoal da loja e pela repetição da violência, ficou claro, não mais permitiriam o seu normal funcionamento. Preferiram fechar as portas e encerrar o ciclo. Foram vencidos", me conta.
Não satisfeito, na manhã deste domingo, me acerco de um antigo guardador de carros, atuando sempre na região e ele me conta outra história: "O problema maior foi o aluguel. A região, como se vê está muito degradada, porém, o aluguel se mantém muito alto. Pagavam por volta de R$ 20 mil reais e na atual situação, sem negociação, preferiram encerrar, assim como o Empório Barres o fez meses atrás". Ele se diz amigo do proprietário e quando lhe digo da violência urbana, ele me aponta outras tantas, fechadas bem antes, como a Academia do Ciborg e a Churrascaria Gaúcha. "A situação não está fácil pra ninguém. Na esquina da Araújo com a Primeiro de Agosto, o chinês que tinha lanchonete também se foi. Pouco a pouco o comércio está sendo inviabilizado por aqui. O senhor se lembra da aniga padaria que tinha aqui e funcionava 24 horas? Naquele tempo isso aqui era bem diferente".
Sim, eram outros tempos. A Padaria Cidinha fez sucesso pro ali, como no andar superior a rádio 710 AM, tempos também da Churrascaria Gaúcha e de um anúncio feito na época, quando em Curitiba começou a funcionar a famosa rua 24h e foi aventada a hipóteses de algo parecido vingar por aqui. Não vingou e com o passar dos anos, o centro todo se deteriorou, porém, essa região, este canto da praça parece ter sofrido mais que os demais.
Procuro um antigo conhecido, hoje vivendo como morador em situação de rua. Tempos atrás, das vezes que por ali passava, me abordou pelos menos umas três e pediu, se podia comprar uma caixa de passocas ou doces ali na Doce Fest. Fazia algum dinheiro vendendo os doces dali da loja. Hoje o encontro no meio da feira e o questiono do fechamento. "O melhor é a gente ficar quieto. Eu não entrava na loja. Pedia sim para que me comprassem algo e depois saia revendendo. Não tinha problemas com eles lá na loja, mas sei de gente que teve. Tem muita gente de paz nas ruas, mas tem outros tantos que não são. Quero viver em paz, só isso. O que posso te dizer é só isso", me diz.
No mesmo dia em que via a loja fechada, um amigo comigo no carro, disse passar pela região frequentemente durante o dia e sente uma diferença enorme de uns anos para cá: "O tipo de abordagem feita para quem aqui circula é muito diferente. O morador em situação de rua é de paz, quer ir tocando sua vida, sem problemas e quando nos abordam é pra pedir algo, sem nenhum tipo de violência. Percebo existir um outro tipo de pessoas junto destes, muito mais violentos. Circular por aqui depois que escurece é algo impraticável". O mesmo me diz uma moradora do prédio junto ao antigo Hotel Colonial: "Tudo o que tenho que fazer na rua faço na parte da manhã, mais tranquilo, pois à tarde já começa a mudar o ambiente e à noite só mesmo em caso de extrema urgência. Se vou em algum lugar à noite, quando me trazem, sempre de carro, peço até para descerem comigo e me esperar passar pela portaria. Moro aqui há dezenas de ano e a situação só tem piorado. A praça está em petição de miséria. Tudo mal feito, veja a questão do chafariz, lá na praça da Prefeitura funciona que é uma beleza, mas o daqui a Suéllen tirou e colocou grama no lugar. Ouço dizer que ela quer fazer uma limpa na praça para quando chegar o próximo período eleitoral. Me mostre algum estudo sério para resolver esse problema criado aqui com a chegada do Bom Prato?".
Tento argumentar da necessidade do Bom Prato existir e ter continuidade, não sendo ele o motivador da deterioração do centro. Ela insiste e junto o que me diz com tudo o mais, querendo entender e buscar uma solução para o que vejo ali. Circulo pela quadra 9 da Primeiro de Agosto na manhã deste domingo e dois locais estão com portas arrombadas, demonstrando por ali entrarem e sairem pessoas. Na verdade, a região mantém dois edifícios residenciais, ambos na rua Antonio Alves, outro menos na esquina da Araújo com a Antonio Alves e nenhum ponto comercial funcionando mais à noite. Na quadra de cima da praça, uma lanchonete tenta funcionar até mais tarde, mas não abre mais à noite. Ali defronte a agência do Banco do Brasil, bem defronte a praça, encontro mais um morador da região e este me conta: "Está cada vez mais difícil. Dialogo com muitos frequentadoires da praça, atravesso ela durante o dia, quando tem policiamento e as lojas da Batista estão abertas. Até vir ao banco aqui quando escurece é algo mais do que arriscado. Eu também não sei o que aconteceu com a loja fechada recentemente. Não é a primeira e pelo visto não será a última. Com certeza algum problema deve ter tido, pois eu já tive vários e corto volta de certas pessoas que vejo por aqui".
Tento localizar alguém da loja para pegar sua versão dos fatos, mas pela internet nada encontro. O máximo que encontro é que a loja fechou e só. Nenhum sinal dos motivos. Mais do que conhecidos todos os problemas da região, inclusive os sociais, cada vez mais agravados e para revitalizar algo por ali, nada ocorrerá sem o atendimento e um olhar com muita atenção para o crescimento desmedido de pessoas vivendo em situação degradante, não só no entorno da praça, mas junto aos vários instrumentos existentes em seu amparo. Longe de querer culpá-los de alguma coisa. Na verdade, algo já é feito para ampará-los, existe toda uma rede assistencialista funcionando na região, inclusive com alimentação sendo servida quando do não funcionamento do Bom Prato. O quarteirão estão com cada vez menos lojas funcionando e os resistentes, uma loja de motos, uma de perfumes, outra de ferramentas, virando a esquina um tradicional açougue, do outro lado da rua uma floricultura e cada vez mais imóveis fechados e seus proprietários sem saber o que fazer para os verem alugados novamente. O fato é que a DOCE FEST já se foi. Questionando um pouco mais, com certeza, chegarei aos motivos de seu fechamento, mas o que interessa mesmo é o todo, o que está em evidência, o processo por inteiro, este muito mais complexo e de difícil solução.
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