JOSÉ SARAMAGO SE FOI, SOBRAM POUCOS, DENTRE ESSES, EDUARDO GALEANO
Escrever sobre Saramago é chover no molhado, ainda mais agora, dois dias após sua morte. Não o farei. Não tenho nada a acrescentar a tudo o que tenho lido, além de ser uma pessoa que nasceu e viveu dentro de uma linha de pensamento das mais louváveis. Se existe alguém a ser imitado, esse alguém é Saramago. Li muito e continuarei a lê-lo, principalmente nos momentos onde bate uma desesperança de dias melhores dentro da busca pela justiça social para este cruel mundo. Ele já se foi, ficando aqui na cancha alguns poucos, como este outro, Eduardo Galeano. Lembro neste momento, diante da morte de um, do texto do hoje falecido, sobre a luta de um outro, que continua na batalha. E como o primeiro, continuará na lida até o desfecho final. O que se foi é português, o que resiste é uruguaio. É de gente assim que reverencio por aqui, ambos de um tipo de laia cada vez mais em falta no mercado. O texto está aí embaixo e cai como uma luva para demontrar como alguns fazem muita falta e os que sobram, devem e precisam continuar na luta.
"Eduardo Galeano" Por José Saramago
Grande alvoroço nas redacções dos jornais, rádios e televisões de todo o mundo. Chávez aproxima-se de Obama com um livro na mão, é evidente que qualquer pessoa de bom senso achará que a ocasião para pedir um autógrafo ao presidente dos Estados Unidos é muito mal escolhida, ali, em plena reunião da cimeira, mas, afinal, não, trata-se antes de uma delicada oferta de chefe de Estado a chefe de Estado, nada menos que As veias abertas da América Latina de Eduardo Galeano. Claro que o gesto leva água no bico. Chávez terá pensado: “Este Obama não sabe nada de nós, quase que ainda não tinha nascido, Galeano lhe ensinará”. Esperemos que assim seja. O mais interessante, porém, além de se terem esgotado As veias na Amazon, as quais passaram num instante de um modestíssimo lugar na tabela de vendas à glória comercial do “best-seller”, de cinquenta e tal mil a segundo na classificação, foi o rápido e parecia que concertado aparecimento de comentários negativos, sobretudo na imprensa, tratando de desqualificar, embora num caso ou noutro com certos matizes benevolentes, o livro de Eduardo Galeano, insistindo em que a obra, além de se exceder em análises mal fundamentadas e em marcados preconceitos ideológicos, estava desactualizada em relação à realidade presente. Ora, As veias abertas da América Latina foi publicada em 1971, há quase quarenta anos, portanto, a não ser que o seu autor fosse uma espécie de Nostradamus, só com um hercúleo esforço imaginativo seria capaz de adiantar a realidade de 2009, tão diferente já dos anos imediatamente anteriores. A denúncia dos apressados comentadores, além de mal intencionada, é bastante ridícula, tanto como o seria a acusação de que a História verdadeira da conquista da Nova Espanha, por exemplo, escrita no século XVII por Bernal Díaz del Castillo, abunda, também ela, em análises mal fundamentadas e em marcadíssimos preconceitos ideológicos. A verdade é que quem pretender ser informado sobre o que se passou na América, naquela América, desde o século XV, só ganhará em ler o livro de Eduardo Galeano. O mal daqueles e outros comentadores que enxameiam por aí é saberem pouco de História. Agora só nos falta ver como aproveitará Barack Obama da leitura de As veias abertas. Bom aluno parece ser.
Esta entrada foi publicada em Abril 24, 2009 e está arquivada em O Caderno de Saramago.
Esta entrada foi publicada em Abril 24, 2009 e está arquivada em O Caderno de Saramago.
Notícias da Copa 4: Escrevo essa nota após o Brasil ganhar de 3x1 da Costa do Marfim. De tudo o que vi até agora, salutar que os países latinos estão despontando. Brilhante o desempenho, além do Brasil, da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile. Só EUA e Honduras estão destoando. Imagine uma final entre dois países latinos?
Um vídeo feito ontem à noite no show do GUILHERME ARANTES, quando relembrou vários sucessos, dentre eles, VIVENDO E APRENDENDO A JOGAR. Fui achando que encontraria show chato, brega e acabei gostando. Confiram...
7 comentários:
Manhã de sexta-feira, dia 18 de junho de 2010. Recebo a noticia do falecimento do Camarada mestre José Saramago.
O impacto foi imenso, quanta dor, um tapa eu senti com mais um que se vai e fará uma falta enorme. Falta sempre mais sentida por haver cada vez menos as vozes da resistência. Sua vida que se torna a obra imortal de grandes homens só pode sobreviver enquanto ousarmos não deixar a memória cair no esquecimento.
Saramago era um mestre inovador na literatura de seu tempo e sempre com declarações bombásticas, polêmicas e reais, saiu da escrita convencional para algo prático, romântico e revolucionário.
Comunista, grande defensor de Cuba e feroz inimigo das religiões, mestre Saramago rompeu os muros da sociedade hipócrita. E como é engraçada a vida, pois este era um cara que sonhava e olhar nos seus olhos, e há pouco mais de um ano, em Janeiro de 2009 numa exposição sobre sua obra em São Paulo no Instituto Tomie Ohtake na Faria Lima, pude ver os olhos do mestre com carinho acompanhado de sua sempre companheira Pilar, e agora aquele olhar torna-se para sempre as páginas de livros imortais.
Saramago fazia sempre de seus livros uma licença poética, se você nunca leu, provavelmente estranhará de inicio a pontuação usual do autor, as orações dentro de um mesmo período costumam ter seu inicio identificado pela letra maiúscula, mas não separadas por vírgula, o ponto final só vai no final do período. Falas de personagens não levam aspas, nem travessão, nem as perguntas tem ponto de interrogação, apenas a vírgula separando as frases, veja este trecho que acho um dos mais belos da linda obra "O conto da ilha desconhecida":
"Quem é tu, perguntou o homem, Não te lembras de mim, Não tenho idéia, Sou mulher da limpeza, Qual limpeza, A do palácio do rei, A que abria a porta das petições, Não havia outra, E por que não estás tu no palácio do rei a limpar e abrir portas, Porque as portas que eu realmente queria já foram abertas e porque de hoje em diante só limparei barcos, Então estás decidida a ir comigo procurar a ilha desconhecida, Saí do palácio pela porta das decisões, Sendo assim, vai para a caravela, vê como está aquilo, depois do tempo que passou deve precisar de uma boa lavagem, e tem cuidado com as gaivotas, que não são de fiar, Não queres vir comigo conhecer o teu barco por dentro, Tu disseste que era teu, Desculpa, foi porque gostei dele, Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar".
Cada expressão sua, dita ou escrita, por meios distintos, traz um pouco do homem genial, que respeita os livros, as pessoas e seus defeitos e sabe, como poucos, traduzir toda essa ordem e desordem da natureza humana na mais perfeita prosa poética.
Termino aqui esta memória a Saramago com uma frase dele que está entre as que eu mais gostava: "Não sou pessimista, o mundo é que é péssimo. Os pessimistas são os únicos que querem mudar o mundo, para os otimistas está tudo muito bem. Deveria fazer-se profissão e militância do pessimismo".
O mundo ficou mais burro como disse Fernando Meirelles após saber da morte do mestre Saramago, ensaiamos para uma cegueira.
Viva Camarada José Saramago!!!!!
Marcos Paulo
Movimento Comunismo em Ação - A RETOMADA
JOSÉ SARAMAGO É COMUNISTA, ATEU...
Sim, comunista e ateu e isso desde que nasceu. E você, caro anônimo, já leu alguma coisa dele para entender os seus motivos? Não? Não sabe o que está perdendo. Pois faço o quanto antes. Permanecer bitolado a dogmas sem conhecer escritos que apregoam o contrário é algo que não deves fazer. Conhecer, no mínimo, um texto que se critica é primordial. Faça e acabe até mudando de idéia. Te encontro lá na frente.
Um abracito do Henrique - direto do mafuá
Henrique os sul americanos estão realmente indo bem!maravilhoso seria uma final entre Brasil e Argentina já pensou??vamos torcer!por hora vejamos o Chile q começa agorinha!abraço carinhoso!Marisa F.
uma trovinha simples para o grande SARAMAGO que a burguesia internacional teve que engolir pois nao dava para esconder um gigante sob o tapete.
...tres criaçoes do homem
o fez para sempre escravo
até hoje nos consomem
dinheiro, deus e o estado...
lazaro carneiro
Discurso na Academia Sueca
(ao receber o Prêmio Nobel de Literatura)
"O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida
não sabia ler nem escrever. As quatro da madrugada, quando a
promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da
enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de
cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez
os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do
desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na
província do Ribatejo.
Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram
analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao
ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às
pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo
das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do
enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de
bom caráter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos
assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem
retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem,
para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável.
Ajudei muitas vezes este meu avô Jerónimo nas suas andanças de
pastor, cavei muitas vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei
lenha para o lume, muitas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de
ferro que acionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e a
transportei ao ombro, muitas vezes, às escondidas dos guardas das
searas, fui com a minha avó, também pela madrugada, munidos de ancinho,
panal e corda, a recolher nos restolhos a palha solta que depois haveria
de servir para a cama do gado. E algumas vezes, em noites quentes de
Verão, depois da ceia, meu avô me disse: "José, hoje vamos dormir os
dois debaixo da figueira".
Havia outras duas figueiras, mas aquela,
certamente por ser a maior, por ser a mais antiga, por ser a de sempre,
era, para toda as pessoas da casa, a figueira.
Mais ou menos por antonomásia, palavra erudita que só muitos anos
depois viria a conhecer e a saber o que significava... No meio da paz
noturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e
depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu
noutra direção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo,
surgia a claridade opalescente da Via Láctea, o Caminho de Santiago,
como ainda lhe chamávamos na aldeia.
Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com
as histórias e os casos que o meu avô ia contando:
lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas,
zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor
de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me
acalentava. Nunca pude saber se ele se calava quando se apercebia de que
eu tinha adormecido, ou se continuava a falar para não deixar em meio a
resposta à pergunta que invariavelmente lhe fazia nas pausas mais
demoradas que ele calculadamente metia no relato: "E depois?". Talvez
repetisse as histórias para si próprio, quer fosse para não as esquecer,
quer fosse para as enriquecer com peripécias novas.
Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso
dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a
ciência do mundo. Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros
me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os
seus animais, deixando-me a dormir. Então levantava-me, dobrava a manta
e, descalço (na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos), ainda com
palhas agarradas ao cabelo, passava da parte cultivada do quintal para a
outra onde se encontravam as pocilgas, ao lado da casa. Minha avó, já a
pé antes do meu avô, punha-me na frente uma grande tigela de café com
pedaços de pão e perguntava-me se tinha dormido bem. Se eu lhe contava
algum mau sonho nascido das histórias do avô, ela sempre me
tranqüilizava: "Não faças caso, em sonhos não há firmeza".
Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito
sábia, não alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da
figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em
movimento apenas com duas palavras. Foi só muitos anos depois, quando o
meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a
compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa
não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da
sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e
menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é
tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer,
disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que
tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a
graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza
revelada.
Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha
havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com
porcos como se fossem os seus próprios filhos, gente que tinha pena de
ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô
Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte
o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por
uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a
ver."
(por José Saramago)
Enviado por PASQUAL MACARIELLO, RJ
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