terça-feira, 14 de julho de 2015

MEMÓRIA ORAL (183)


OLARIA 100 ANOS – POR QUE ESSE CLUBE DEU TANTO CERTO, CONTINUA LOTANDO E QUASE SEM PROBLEMAS?
A notícia não saiu em muitos lugares, mas deu para notá-la e me encher de curiosidade quando um colunista esportivo, o ex-jogador Afonsinho citou o fato em sua matéria semanal para a revista semanal Carta Capital, “Olaria, 100 Anos” e de lá extraio um algo mais para me fazer numa curta estada no Rio pensar em subir até o subúrbio do mesmo nome e escrever algo desse clube e time de futebol agora centenário: “Minhas aventuras no clube proletário por onde passaram Garrincha e Romário”. Aquilo me instigou, pois o Olaria Atlético Clube (www.olariaatleticoclube.com.br), fundado em 1° de julho de 1915, possui um algo mais, indo muito além desse centenário. Tradicional clube do subúrbio carioca, com sua história toda dentro de uma concepção de prestar serviço para a comunidade à sua volta, distante alguns bons quilômetros da zona sul carioca e tendo como melhor meio de locomoção para chegar até o centro, ainda os trens, hoje comandados pela Super Via. Um domingo com muito sol, após uma semana um tanto nublada e até fria, quando muitos se encaminham no caminho oposto, em direção ao mar, entro na estação São Cristovão, próxima ao Maracanã e me dirijo para conhecer e aqui revelar um pouco dessa instigante história.

São Cristovão é uma estação ainda sem a devida nova cobertura e com o escaldante sol das 11h procuro uma sombra para aguardar o trem com destino a Saracuruna. Debaixo de uma placa com o nome da estação algumas pessoas e dentre elas, busco informação detalhada do meus destino. Duas simpáticas senhoras, Cremilde e Maura (ambas se recusam a me informar suas idades) se alegram a ouvir meu interesse pelo lugar onde moram e além de me darem todas as informações, dizem que me acompanharam até bem pertinho da sede. “Somos conhecidas por lá? Pergunte para o Pintinho (o presidente) que ele nos conhece. Ele é muito querido no bairro, já foi presidente outras vezes e vai gostar de ver como o Olaria surpreende, pois é uma espécie de primo rico entre os pequenos do Rio de Janeiro. Se você acha que vai encontrar algo modesto, vai levar um susto. Se o Pintinho estiver por lá, ele lhe contará tudo”, foi o que me disseram. E cumpriram o prometido, descemos na estação de Olaria, atravessamos a rua e elas me indicaram direitinho: “Siga quatro quadras aqui beirando a linha e desça à direita mais uma. Não tem como errar”.

Não errei. A fachada é grandiosa, todas nas cores do time, azul marinho e branco, com o nome do lá no alto em letras destacadas, “Complexo Sócio Cultural Esportivo Augusto Pinto Monteiro”. Um barulho que se ouvia de longe dizia estar tendo algum jogo por lá. Entro e o porteiro Ivan Andrade, 48 anos me explica algo assim: “Que jogo quer assistir, pois hoje tem três ocorrendo ao mesmo tempo?”. Boquiaberto e sem saber a qual deles me dirigir, perguntei por todos: “No campo principal o sub 17 joga com o Queimados, antes teve o sub 15, no campinho do lado o Fraldinhas também joga e na quadra poliesportiva tem algo que sempre acontece por aqui, jogos de outros times, hoje um de futsal entre a garotada do Flamengo e do Fluminense. O final de semana é sempre assim, aqui ferve”. Olho para a frente e vejo um bar lotado de gente e resolvo perguntar se ocorre algum problema nas dependências do clube, os populares entreveros. Sua resposta: “Aqui dentro nunca. Tenho 22 anos de clube, antes trabalhava no bar e te afirmo, aqui é tudo uma grande família. Só para ter uma ideia, nem baile funk tem aqui, já teve coisa de uns dezoito anos atrás”.

Nisso quem passava por ali era o vice presidente, o Gaúcho, um simpático senhor nascido em Porto Alegre, 59 anos, alto, magro e bom de conversa, seu nome Roberto Elustondo. Descubro ser uma espécie de faz tudo no clube e quando o instigo sobre isso, algo sai naturalmente como resposta. “O que mais vai encontrar aqui são pessoas abnegadas, que se dedicam ao Olaria, estão aqui empregados, mas fazem o que gostam. Somos um time fora e dentro de campo”. Diante da sala de troféus, faz questão de mostrar especialmente um, o do famoso título de 1961, quando o Olaria conquistou a Taça de Bronze do futebol brasileiro, orgulho de todos por ali. Com o jogo em andamento lá no estádio ele precisa ir até lá, mas antes me leva até para espiar a contenda entre os dois famosos rivais lá no ginásio, jogo pegado e bem dentro do clima entre dois pesos pesados do futebol carioca. De um lado torcedores do Flamengo e do outro do Fluminense e separando tudo, o pessoal do Olaria e da comunidade local. Uma vibração incontida e tudo muito bem organizado.

Sou apresentado ao sr Pintinho, nada menos que Augusto Pinto Monteiro, 67 anos, de bermuda e como me disse depois, circulando por tudo, querendo saber dos resultados todos. Vamos juntos assistir o final do jogo no estádio (Olaria ganhou de 3 x 0) e pra começo de conversa me diz: “Devia ter vindo ontem, pois nossa festa com o jogo entre a Seleção dos Amigos do Romário e Bebeto jogou contra a Seleção dos nossos veteranos. Perdemos de 2x1 com um gol do Romário para cada time, pois jogou cada tempo de um dos lados”. Na sequência lhe pergunto sobre sua trajetória e algo disso do Olaria destoar dos demais ditos pequenos e intermediários, pois tudo ali demonstra o contrário do que ocorre por aí, quebradeira e dificuldades. “Estou no Olaria desde 1958, na Diretoria desde 75, vice por 9 anos e 15 como presidente, já com cinco mandatos. Sou cria daqui, morei aqui perto desde garoto. Isso que você vê aqui é possível por causa do trabalho com amor. O Olaria vive hoje do seu quadro social, onde já tivemos 15 mil sócios e hoje temos 6 mil e em dia, mais aluguéis, um restaurante, posto de gasolina e um único patrocinador, a Papelex. Nossa folha de pagamento do profissional não passa de R$ 120 mil reais mês. Nós não somos time de Série B, mas de A. Vamos voltar em breve. O grande furo é quando somos obrigados a apostar em valores que são de fora. Um clube que não tem base não tem nada e isso nós temos, estamos em todas as categorias”, conta justo na hora que a garotada faz mais um gol.

Prossigo lhe ouvindo: “Somos campeões de Juniores, o sub 20 carioca do ano passado e nesse ano para não repetir a dose teremos que perder quatro jogos, o que não vai acontecer. O que mais me dói com tudo que fazemos é ver que a Vigilância nos perturba, o Bombeiro também, as liberações são uma luta, enquanto jogamos pelo interior e lá tudo é permitido. Isso aqui dá muito orgulho para todos, pois o lazer da periferia é aqui, o sujeito desiste de enfrentar quatro horas para ir à praia, com pedágio, estacionamento caro, gastando muito. Aqui ele tem tudo, pois isso estamos sempre cheios”. Tento lembrar com ele alguns dos tantos craques que passaram pelo Olaria nesse centenário e ele com muita preocupação de esquecer de alguém significativo: “Romário, Afonsinho, Aílton, Arouca, Jair Pereira, Gonçalves, Jorginho, Marco Aurélio e tantos outros”. O jogo acaba e ele quer descer para abraçar os garotos e descubro lá no alto da arquibancada um senhor meio que isolado e resolvo descobrir quem seja.

Seu Lourenço Nunes dos Santos, 73 anos, metalúrgico aposentado é figura conhecida no Olaria e tudo por causa do neto, Vitor, que havia jogado na primeira partida, lateral esquerdo, desse de encantar os olhos, me disse o avô coruja. Sua história é para ser mesmo destacada. Sai quase diariamente de Belfort Roxo e traz o neto de ônibus todo dia, ida e volta, para o mesmo treinar e o assiste em cada momento. “O pai já jogou bola, hoje é soldado da PM aqui no bairro, está sempre de serviço e eu trago o garoto de segunda a sexta e em dias de jogos. Estuda à tarde na 8ª série e de manhã são quase duas horas para vir e outras para voltar, ônibus Bonsucesso/Nova Aurora, mas o garoto que já jogou em alguns time na Baixada, mesmo com alguns times grandes o querendo, o pai preferiu trazê-lo para cá por causa da boa estrutura. Lá no bairro onde moramos o projeto é para tirar os meninos da rua e aqui é outra coisa, tem muito olheiro. Aonde esse menino for esse avô aqui vai junto, pois como já joguei bola, sei que ele precisa de cabeça fria e vai dar certo no mundo da bola”, revela cheio de emoção.

De lá, Gaúcho passa novamente por mim e quer que conheça uma espécie de faz tudo por lá, Letícia de Macedo Moreira, 51 anos, atleta desde criança como nadadora e depois permanecendo no clube, primeiro como professora e depois, na atual função, a de coordenadora de todos os esportes de formação, exceto o futebol (“esse possui gerenciamento diferenciado”, diz). No início meio desconfiada, mas depois se solta e dá-lhe a falar das coisas vivenciadas aos longo de mais de 24 anos dentro da estrutura do clube. “Todas as escolinhas estão sob minha coordenação, desde voley, ballet, judô, tudo. Quem me ensinou a nadar foi seu Alberto Klar, coordenador de natação do Pinheiros. Aqui é um lugar de pessoas querendo trabalhar, temos o apoio de um presidente participativo e presente, o Pintinho é muito alto astral, tudo como se fosse um grande família, todos fazendo o que gostam”, conta e depois circula comigo um pouco mais pelas dependências. Diante de um bar lotado, pergunto sobre alguns dos ex-atletas, me leva até uma e explica assim para eles o motivo de minha presença ali naquele domingo: “Ele veio ver pessoalmente dos motivos do Olaria ser um sucesso, enquanto muitos outros penam. Alguém pode falar algo daqui para ele?”. E assim me solta no meio de algumas feras.

O primeiro a falar é Joel dos Santos Silva, conselheiro, 58 anos e é só elogios: “Aqui o Conselho é ativo, todos comparecem, boa administração, boas discussões e gente querendo levantar cada vez mais o Olaria. Sou funcionário público federal, moro aqui mesmo na rua Bariri, minha filha é atleta, a nadadora Bruna e não saio daqui”. Do lado dele, o Rodrigo Granjero Albuquerque, 34 anos, ex-jogador de futsal do Olaria: “O clube é meu quintal, estamos aqui toda sexta para a chamada Pelada da Madrugada, das 7 às 9 hs da manhã e domingo novamente, pouca coisa mais tarde. Perto de casa, amigos de raiz, papo alegre, cerveja gelada e barata, que vou querer mais?”. Por fim, quem se apresenta e sem camisa é Jaime Galvão, o Jaiminho, 54 anos e fazendo questão de dizer ser irmão do Vevé, o melhor jogador de futsal do Rio de todos os tempos: “Aposentei e estou aqui todos os dias da semana, melhor ainda nos finais de semana. Passo mais tempo aqui que em casa e ainda acompanho o time dentro de minhas condições. Aqui o negócio é o seguinte, escreva aí, a comunidade é muito boa, o olariense melhor ainda”. Confirmei isso tudo e as duas senhorinhas que encontrei no início de tudo estavam cheias de razão.

OBS.: Escrevi esse texto numa clara comparação, querendo entender dos motivos de um conseguir se manter tão bem e tantos aqui no interior paulista (inclusive o Noroeste) e dos mais variados lugares do país terem seguido ao longo de sua existência entre trancos e barrancos.

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