sábado, 11 de julho de 2015

UM LUGAR POR AÍ (70)


DESCI O CARACOL DA LIVRARIA LEONARDO DA VINCI E A REENCONTRO ABERTA
Quando comecei a viajar com mais intensidade para essa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, coisa de uns 25 anos atrás, iniciando minhas atividades com chancelas, um dos primeiros lugares que visitei foi algo pelo qual tanto ouvia falar e tinha um sonho de conhecer pessoalmente, a Livraria Leonardo da Vinci. Sempre no mesmo lugar, na avenida Rio Branco, centro nervoso do Rio, na altura do Teatro Municipal e da Biblioteca Nacional, coisa de uns 100 metros para frente, do mesmo lado da rua. Fui a primeira vez com o endereço anotado num papel, lá escrito que estava localizada no edifício Marques de Herval e numa escada em formato de caracol descendo nas suas entranhas subterrâneas. A livraria era (e é) de encher os olhos, ocupando todo um dos lados de um corredor e com livros do alto até o chão de suas altas prateleiras. Era uma magia, ainda num tempo onde era muito difícil conseguir livros importados e revistas vindas principalmente da Europa e Estados Unidos. Eles foram um dos pioneiros nesse tipo de importação.

Conheci pessoalmente dona Wanda, uma retinta senhora que ficava sempre sentada lá nos fundos da livraria, como que orientando tudo, ciente de tudo à sua volta. Uma pessoa iluminada, irradiando livros por todos os poros. Vendi uma chancela para ela, na presença de seu filho e batemos um longo e para mim inesquecível papo sobre o mercado livreiro e o que representava para mim ter tido o prazer de conhecê-los. Conheci a livraria guiado por ele e as muitas divisões ali existentes. Algo que nunca mais esqueci. Tempos depois, coisa de uns dois anos atrás um triste notícia correu o país, a da Vinci estaria fechando suas portas, pois diante dos tempos modernos, aquilo tudo que ela conseguia no passado de forma exclusiva, não era mais um privilégio só dela. Entristecido fiquei e depois daquele dia nunca mais desci aquela escada em formato de caracol, mesmo sabendo que ao lado da famosa livraria, ou melhor bem em frente, existia outra, a Sebo Berinjela, que muito sucesso faz comprando acervos de gente famosa. Até Ana Bia, minha companheira vendeu-lhes parte do acervo do seu falecido pai, José Pereira de Andrade. Esse senhor, seu Zé Pereira, aliás, era muito conhecido, tanto de dona Wanda, como do dono da Berinjela, todos amantes por esse negócio chamado livro.

Comprei poucos livros por lá, mas acredito que pelo menos uns cinco o tenha feito e num deles algo inesquecível para mim. Fiz uma permuta. Revendi minhas etiquetas de chancelas e trouxe o valor que teria que receber em livros escolhidos ali na hora. E dessa forma, ia tocando minha vida profissional, sempre aliada a esse benfazejo de unir o útil ao agradável. E essa livraria era para mim e para uma legião de pessoas ao longo de décadas uma espécie de santuário livresco no país, um reduto onde você podia trombar, assim como não quer nada com algum escritor famoso e ele ali entretido, sucumbido pela devoção de ficar procurando algo meio que perdido no meio daquelas estantes. E, se me lembro bem, sempre morria de vontade de ir lá e pedir autógrafos, mas resistia, pois os que ali cruzei estavam tão entretidos, absortos no que faziam, que seria algo fora do normal eu chegar e interromper aquela abstração do momento que cada um tem nesses momentos, o de sacar livros nas prateleiras, ler alguns trechos e devolvê-los. Perdi todas as oportunidades e passei alguns bons momentos ali fazendo o mesmo que esses. Eternas e boas lembranças.

Nessa minha estada no Rio nessa semana encontrei um curto tempinho livre e passando acidentalmente em frente do famoso edifício, ao me deparar com a escada em caracol, pensei com meus botões: Vou descer e ver o que foi feito da livraria e conhecer o que está no seu lugar. Desci já com dor muita dor no coração e ao chegar a encontro aberta, com os mesmos letreiros de antanho, tudo igualzinho ao que havia freqüentado tempos atrás. Para minha surpresa e incontida alegria a livraria permanecia aberta. Não tinha muito tempo para poder entrar, vasculhar, cheirar os livros todos, tocar alguns e puxar conversa com aquela senhora lá no fundo, que não era dona Wanda, mas provavelmente alguém da família. Fotografei tudo do lado de fora, inclusive um senhor de barba que sempre o reencontrava por lá e nem sei se faz parte do staff da livraria. O melhor de tudo foi tomar conhecimento da sobrevida da Leonardo da Vinci. Vê-la com seus livros de arte expostos nas prateleiras frontais e aquela imensidão de recadinhos escritos no vidros, colados nas paredes, as longas poesias reproduzidas nos vidros frontais e um bom movimento de cliente lá dentro foi algo para me revitalizar o dia.

Sai dali todo pimpão e pensando cá com os meus botões, das formas como conseguiram continuar com as portas abertas e fazendo frente a essa legião de novas livrarias, algumas com cara bem modernosa, a griffe do livro sendo mostrada numa roupagem mais modernosa, pomposa, mas nem sei como escrever disso tudo. Sabe, gosto das novas, confortáveis, imensas, mas não gostaria de ver fechadas essas mais antigas, tão acolhedoras, parte da história de todos nós dentro de cada uma delas. Saio dali, atravesso a avenida Rio Branco e na entrada do metrô Largo da Carioca outra grata surpresa, ali do seu lado direito de quem entra, uma outra famosa livraria, a Camões, famosa por causa dos livros portugueses e que havia fechado anos atrás. Olho para o lado querendo saber o que foi aberto em seu lugar e lá encontro a Camões aberta e funcionando. Para minha surpresa, até com uma bela de uma nova roupagem. Fiquei maravilhado e nada sei de como se deu o processo de reabertura ou não fechamento de ambas, mas o fato é que a Da Vinci e a Camões estão abertas, para felicidade geral dos amantes de livros de uma forma geral. Foram as melhores notícias que tive após seis meses sem pisar os pés no Rio de Janeiro.

Quem souber mais detalhes disso tudo que conte aqui para espalharmos essas boas notícias para tudo, todas e todos.

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