quarta-feira, 8 de julho de 2015

RELATOS PORTENHOS OU CARIOCAS (17)


HISTÓRIAS DE UM CAIPIRA EM TERRAS CARIOCAS (01)

O PROFESSOR BAIANO E CEGO ROBENILSON – A MATURIDADE DO MESTRADO

O conheci hoje numa sala de apresentação de trabalhos acadêmicos aqui onde me encontro, participando no XI Encontro Regional Sudeste de História Oral, campus Gragoatá da Universidade Federal Fluminense, Niterói RJ,  seu nome ROBENILSON NASCIMENTO DOS SANTOS. Empatia a primeira vista, um baita baiano, de quase dois metros de altura, pouco menos de largura, falante pra dedéu e com uma peculiaridade não tão boa, é cego desde os doze anos. Uma atrofia ótica o fez perder a visão. Completou assim todos seus estudos e hoje aos 40, dando aulas de Filosofia na rede particular de ensino de Salvador BA, já com Mestrado concluído na área de Educação e Deficiência Visual. Veio sozinho de sua terra, ou melhor, ele e sua vareta guia, procurou um hotel nas imediações da universidade e após um dia de muita discussão acadêmica, sentamos num boteco, o Vestibular do Chopp, em São Domingos, ao lado da UFF e desatou a falar e eu ali anotando. Falávamos sobre uma discussão da tarde e ele versava algo sobre a imaturidade e maturidade do Mestrado. Veja no que deu a falação:

“Vejo hoje lá pela minha região a predominância de muitos mestrados serem dados assim como brinde. Uma produção que acaba não contribuindo nem para o crescimento do próprio autor. A maturidade é necessária, tanto a de vida como a de leitura, um maior preparo intelectual. O mestrado deveria representar um verdadeiro embasamento intelectual, mas isso nem sempre acontece. O critério para se chegar a uma titulação de Mestre é que se tenha ‘farinha no saco’, ‘bala na agulha’. Tem hoje muita gente jovem e arrogante e esses certamente vão ter mais dificuldade na construção do texto de suas teses. Vão avançar menos, pois ouvem menos. Os envolvidos pela vaidade ficam patinando e nem assim se tocam. Outro tanto acha que as pesquisas que fazem vão resolver todos os problemas do mundo. Precisam entender que, vão no máximo contribuir para a área onde atuam e para a própria vivência pessoal de cada pesquisador. Muita abrangência acaba sempre dando em nada e quanto mais delimitada for a pesquisa, aí sim, mais aprofundada ela será. A pesquisa deve ocorrer não só por causa do cumprimento protocolar, trata-se de um rito de passagem dos mais bonitos, na verdade ela não nos pertence e precisa ser mais valorizada. É o aprofundamento de algo que vem de dentro, lhe causa muita dor. E é feita para a humanidade, não só meramente para satisfação pessoal. Viver aquela abstração de dois anos ali no pleno exercício do ócio, que é a leitura, nada mais justo a devolução disso tudo na forma de algo bem feito. Tem que fluir com dedicação, afetividade e retribuição. Hoje, entristecido vejo sendo feita como mera comenda de sobrevivência. A gente deve se fazer e se refazer a todo instante. Nunca estamos prontos e acabados.

Paracelsus dizia que é da vida até a morte e assim deve ser mesmo. O que determina o nosso modo de ser no mundo é o projeto. Cada um deve ter um bem definido e vale também muito ir se reiventando contantemente. Não discuto com ninguém que se ache dono da verdade. Eu respeito o outro, o outro me respeita, a contradição faz parte, mas quando sua concepção é única, não dá. ‘Estou velho demais, cansado demais e cego demais’, disse o coronel Franklin no filme Perfume de Mulher. É isso aí. O homem nasce, surge no mundo e só depois de define. Ele é artífice do próprio destino. Se quiser uma dica de leitura anote aí, vá lá no Google e clique ‘O existencialismo é um humanismo’, do Sartre. Vale a minha dica”.

Bebemos três cervejas e depois volto para pernoitar no Rio e ele me diz que ainda vai jantar antes de voltar só para o hotel, duas quadras dali. Ameaço preocupação e ele me pede para ir, pois já está mais do que acostumado. “A cegueira é uma das coisas que ainda penaliza o ser humano e somos os menos trapaceados dentre todos os com problemas”. Vou embora pensando nisso e daí escrevo tudo de uma só sentada. Tá aí!

Boa noite.

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