segunda-feira, 11 de julho de 2016

MEMÓRIA ORAL (199)


UM DOS PONTOS DE REFERÊNCIA DA DUQUE FECHA AS PORTAS, A BANCA DO CLÁUDIO – ALGO MAIS SOBRE ELAS TODAS
Por quinze anos o Cláudio, oriundo de Marília fixou ancora ali na Duque de Caxias, numa famosa e majestosa banca de revistas, entre as ruas Gustavo Maciel e Antonio Alves, a BANCA DO CLÁUDIO. Ela ficava do lado de cima da rua, tendo um moto-táxi de um lado e doutro um prédio ainda fechado, onde por anos funcionou uma farmácia. Ontem foi seu último dia de portas abertas ao público e após três ou quatro meses de fechamentos em vermelho, toma a decisão mais sensata, fecha esse ponto e vai continuar tentando sobreviver com dois restantes, a banca em frente ao Confiança Falcão e outra dentro das instalações do Paulistão das Nações. Eu, que acompanhei tudo desde o nascedouro me penalizo, sofro junto e aqui confesso, fui cliente deles, do Cláudio e do seu filho, o Gustavo, em compras múltiplas e variadas, amigos desde o primeiro moimento (como é gostoso gostar de donos de bancas de revista).

A história dessa banca é muito antiga. Coisa de uns trinta, talvez mais anos atrás, um senhor de origem japonesa montou uma banca ali na Duque, na quadra debaixo, do outro lado da rua. Ele, depois sua filha tocaram até onde puderam. Ele envelheceu e a filha, professora, não podia tocar o negócio. Um jovem cresceu dentro da mesma, seu primeiro emprego e a ele foi passado o negócio. Infelizmente não durou tanto e a falência só não se efetivou, pois o Cláudio apareceu vindo lá de Marília e querendo montar um pequeno negócio. Deu certo, alugou uma casa na quadra debaixo, num predinho que tinha um chaveiro embaixo e ele num portão do lado, depois tudo derrubado para ser ali construído um empreendimento que, também não deu certo, pois hoje ali na esquina cresce um mato alto e o que seria um local de franquias de refeição foi abortado ou adiado.

Cláudio e seus meninos moraram nessa casa por mais de uma década e com sua separação, montou outra banca, essa do Paulistão na Nações, sendo administrada por sua ex-esposa, a Maria do Carmo, ali até hoje. Ele é tão boa praça e fez amizades tão boas e duradouras que, no entorno de sua casa e da banca passou mais do que uma geração de pessoas, criou amigos de verdade. Só para terem ideia, todo ano em que estourava a venda de algum álbum de figurinhas, principalmente nas épocas de Copa do Mundo, o Jornal da Cidade e a TV Tem iam ali na Duque, lotada de cadeiras para os colecionadores trocarem suas figurinhas e muitas matérias vingaram daquele local. Era o point das figurinhas, conhecido por todos. Cheguei a brincar com ele nesses períodos, pois o danado ganhava mais dinheiro com a venda dos cromos do que com a venda de revistas. Disso, nem eu, nem todos os demais donos de banca na cidade temos a menor dúvida, pois a venda de revistas tem caído ano após anos, não só aqui, mas nacionalmente.

A banca nos últimos tempos já tinha diversificado em muito o cartel de produtos e em alguns momentos era também uma bomboniere. A diversificação foi a forma mais sensata de todos tentarem sobreviver. Muitos conseguiram, ele até alguns meses atrás, quando notou que já não estava mais dando para pagar o valor do aluguel e ter um lucro com o negócio. Tentou negociar, mas o proprietário foi irredutível, preferindo manter as portas fechadas a negociar o valor. Ele propôs uma negociação com redução temporária do valor do aluguel e, na normalização, o preço voltaria para os patamares atuais ou até maiores. Não houve acordo e dessa forma, a banca a partir de hoje encontra-se com suas portas fechadas e ela é mais uma dentre tantas outras na região na mesma situação.

Semanas atrás o Skinão fechou as portas e pouco antes o BB Batatas também, assim como tantos outros. A crise pegou todos e para sobreviver em tempos bicudos, que não são só nacionais, mas mundial, necessário um algo mais. Cláudio lembra da situação das vídeos-locadoras, essas em sua imensa maioria já fechadas e as poucas ainda abertas, com clientes gatos pingados. Fazendo uma comparação de hoje com quinze anos atrás, ele me diz que hoje se lê muito menos que naquela época e, como a tendência é piorar, preferiu não esperar mais. Cada lugar tem sua especificidade e as duas bancas suas em funcionamento continuam muito por causa disso. A da Nações virou uma tabacaria com revistas e a da Falcão, vende muito essas cartelas de prêmios, também com revistas. Mesmo querendo manter o status de banca de revistas, o modal está mudando de lado e hoje, elas continuam com o segmento de revistas e jornais, mas já não como seus carros chefes.

Passo lá para as despedidas e lhe dizer que, as poucas revistas que ainda leio, continuarei comprando com eles e em outra, a da Ilda, lá no verdadeiro e original aeroporto de Bauru (ela também sambando muito para continuar com suas portas abertas). Encontro um senhor por lá, revendedor de produtos para bancas e ouço ele comentando sobre a situação de Araçatuba. “Lá tinham até meses atrás 22 bancas, desde pequenas até as maiores, mas vão se reduzir a sete, todas as outras fecharam. Não tem como, estão entregues às moscas”, diz. Cláudio e seu filho, Gustavo ouvem e tentam sorrir, mas o momento é para muita reflexão, tanto para não deixar que as demais também se fechem, buscam algo mais para alicerçar sua manutenção e funcionamento. Isso deve estar encaraminholando a cabeça de ambos.

Tenho boas lembranças de ambos. Gustavo me mostra no celular uma antiga foto, do tempo que aqui chegaram e ele muito pequeno, hoje com 22 anos, mas desde cedo envolvido com esse tipo de negócio. Cresceu ali dentro e sabe tudo, desde até ir buscar revistas para clientes que a querem no dia da saída e a entrega atrasa. Sabe como se virar, ele bem diferindo do irmão, que desde o começo, mais tímido, não quis saber do negócio e foi fazer outra coisa na vida. A esposa do Cláudio, Juliele, enfermeira padrão no Hospital Estadual dá uma mão dentro de suas possibilidades e ontem estava atrás do balcão enquanto o marido corria atrás dos acertos finais para o fechamento. Hoje, segunda, pai e filho estão encaixotando tudo e diante da surpresa estampada na fisionomia do pessoal da região, tentam esconder a amargura e tristeza que, deve estar encruada dentro deles. Resistem e demonstram firmeza no que precisa ser feito.

Não tem mais o que ser feito. As prateleiras de metal, todas soldadas como uma peça só serão desmontadas e vendidas, eles ainda não sabem bem como, pois se a maioria das bancas está a fechar, para quem fariam uma provável venda? Nem sabem o que farão com as peças e nem onde irão guardá-las. Pensando neles, lembro de todas as demais da cidade. Na do seu Orlando, a de maior movimento na cidade, ele querendo se aposentar e sem saber para quem repassar seu negócio. A da rodoviária, dona Vera Tamião faleceu e seu Valdir toca o negócio já sem a vontade de antes, mas abrindo ainda às 6h da manhã. A Ilda permanece lá no aeroporto, outro das antigas lá no Wal Mart, outro na Gustavo entre a Praça e a Rodrigues, outro numa loja lá na praça Machado de Mello, uma resistindo defronte a Prefeitura. Nenhum dos shoppings centers possuem bancas e muitos supermercados revendem revistas, aumentando a crise dentre os jornaleiros e donos de banca. Em bairros alguns arremedos de bancas resistem, mas investindo na diversidade e até no jogo de bicho, algo inevitável. Cláudio não está resignado com sua situação e nem fica culpando esse ou aquele. Está mais é querendo se manter vivo com suas duas abertas e para tanto, arregaça as mangas e continua na luta. Eu, na qualidade de antigo cliente e amigo, torcendo e fazendo a minha parte.

OBS.:
Esse o único motivo pelo qual não assino revista alguma. Quero e vou continuar comprando esses produtos nas bancas, indo papear com jornaleiros e dando meu quinhão de contribuição dessa forma e jeito. Gosto de ver eles todos com seus negócios abertos e pimpões, invadindo o século XXII (toc toc toc).

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