segunda-feira, 18 de julho de 2016

MEMÓRIA ORAL (200)


SEIS HISTÓRIAS DESSA BAURU MEIO QUE OCULTAS AÍ NA VIRADA DA ESQUINA
1.) ROSEMEIRE FAZ BICO NA FEIRA E É “UBER” MESMO SEM O SABER

Cada pessoa tem por detrás de si uma bela história de vida e de resistência. Conhecer o que cada um oculta de “sangue, suor e lágrimas” na labuta do dia a dia é engrandecedor. A cada nova história que conto, a demonstração clara e evidente de que o povo é sábio na sua simplicidade e nos meios que encontra para ir contornando as adversidades. Que a injustiça está mais doque instalada no seio de nossa sociedade, disso ninguém mais tem a menor dúvida. O que faço (ou tento fazer) contando essas histórias de vida é enaltecer aqueles tantos lutadores que, não esmorecem, não entregam os pontos e fazem de sua lida diária, não um obstáculo, mas uma trilha valorosa de vida. Conto isso tudo para valorizar o que essas pessoas fazem e a forma como fazem. São histórias tocantes e isso me cala muito fundo.

ROSEMEIRE BETERELLI DIAS DE CARVALHO, 49 anos é mais uma dentre tantas batalhadoras, lutando bravamente por um lugar ao sol dentro do mercado de trabalho. Mora no Mary Dota, ao lado do marido e filho, desempregada, faz bicos para ir tocando a vida. Revende produtos variados de catálogos, desde Natura, Avon, Jurity e outros. Na feira dominical da rua Gustavo Maciel trabalha na banca de frutas e legumes de dona Cotinha, embalando os produtos para serem revendidos em sacos plásticos. Ali, entre tomates, batatas, maçãs e leguminosas faz amizades, dá risada, conhece gente nova a cada instante e trabalha duro, como sempre o fez a vida inteira. Tempos atrás tinha um pequeno comércio de variedades e miudezas no Beija Flor, vendendo desde armarinhos a material escolar, mas por trabalhar fiado, caderneta e confiando no semelhante, quebrou e ficou com uma dívida vultuosa sob suas costas. Fechou em março de 2014 e foi lutar em outras instâncias. Com seu velho e útil veículo, um Gol, presta atendimento para vizinhos, conhecidos, parentes, levando e buscando esses nos lugares onde necessitam e, dessa forma, atua como uma espécie de Uber, mesmo sem saber o que de fato e direito venha a ser isso. Ela se vira, se transforma e não sai de cena, sempre inventando formas novas para levar algo mais para os seus, manter um padrão de vida, Seu diferencial está exposto em dua face, sempre com um baita sorriso, a simpatia em pessoa.

2.) CARLO MOREIRA É CAIXEIRO VIAJANTE EM PLENO SÉCULO XXI
Histórias de estrada me encantam, ainda mais de vendedores, num tempo onde pegar estrada para vender é algo meio que do passado. Ou seja, os vendedores de hoje sentam a bunda numa cadeira e o fazem via internet, criando calo nas nádegas. Os de antanho viajavam muito, gastavam sola de sapato, conheciam todos seus clientes, coisa de olhos nos olhos. Vivenciei um pouco disso com minhas chancelas, áureos tempos onde vasculhei o Rio de Janeiro e Curitiba, tempos inenarráveis e inesquecíveis. Hoje, alguns continuam percorrendo os mesmos caminhos do passado e contar a história de um deles é inebriante. Nas próximas linhas o encantamento de quem ainda percorre por trilhas deslumbrantes estradas e mais estradas.

CARLO MOREIRA é um sujeito boa praça, cabeça toda raspada por opção, magro retinto, roupa jeans desbotada no corpo e quase sempre de camiseta. Nascido em Vera Cruz, bauruense por opção, 56 anos, casado com a Suely Frasson, assumido avô, esse distinto cidadão tem por assumida profissão o ofício de ser caixeiro viajante. Ele, junto de um outro, lotam seus carros e saem vendendo tudo o que possa ser comercializado em vendinhas rurais. Isso mesmo, sua especialidade é vender em lugarejos distantes, enfurnados no meio do nada e disso tira seu sustento e a alegria de sua vida. Outro dia o Jornal da Cidade fez uma matéria com ele (http://www.jcnet.com.br/…/caixeiroviajante-fotografa-bares-…), mostrando um roteiro dessas vendas pela região. É um dos maiores entendidos hoje em lugares perdidos pela aí. Pegou gosto depois da matéria e passou a fotografá-los, donde acho que isso tudo vai gerar um catálogo dos mais úteis para quem gosta de se perder pelo interiorzão desconhecido. Carlo entende de pequenas vendas e une o útil ao agradável, pois pelo baita sorriso, sempre exposto na cara, gosta demais do que faz. É desses que não vê a hora da segunda chegar para botar o carro na estrada, comer poeira pelas estradinhas de terra e rever as vendas nas ditas quebradas do mundaréu. Assim sendo, toca para frente isso de uma profissão quase finda e esquecida nesses ditos modernos tempos.

3.) BATALHADORA ANA PARTE NUM ACIDENTE DE MOTO
Duas vidas tão próximas, mãe e filho morando juntos e com a fatalidade de um acidente, ela se vai. Como descrever algo tão triste e tão comovente? Não existem palavras, gestos, ações para preencher o vazio do ocorrido. Nada supera ou preenche o que antes existia e hoje não mais. Dor, lembranças, histórias relembradas e as interrupções que todos estão sujeitos. Queria poder contar mais, relembrar mais, mas também não consigo. Tenho comigo que, quanto menos reviver algo do corrido, menos dor para os envolvidos em trama tão triste.

ANA MARCIA CARVALHO LEITE, 55 anos é hoje mais uma notícia na primeira página do Jornal da Cidade, com um título dos mais tristes, “Colisão entre carro e moto mata mulher na rodovia”:http://www.jcnet.com.br/…/mulher-morre-e-homem-fica-ferido-…. Na garupa de uma moto, ela perde a vida na madrugada de sábado para domingo. Ana é mais uma dentre tantas batalhadoras dessa nossa aldeia. Felipe Duka, seu único filho, do relacionamento com Duílio Duka de Souza, morava com mãe, numa casa alugada perto da Rodrigues Alves, ali nas imediações do Bar do Brecha. Ela, trabalhou uma vida quase inteira na Tilibra e depois, até hoje na Tiliform, onde é querida por todos. Uma batalhadora, na acepção da palavra, dessas que dedicou sua vida ao filho e ele, sabendo reconhecer, não a largava por nada nesse mundo. Muita tristeza, muita dor, vidas que se separam de forma abrupta, inesperada e com aquela pitada de fatalidade que ninguém quer para si. Uma boa lembrança relembrada hoje por uma amiga: “Ela ia trabalhar, ele pequeno, deixava sua comida pronta, ele chegava da escola, fazia seu dever sozinho, comia e a aguardava chegar no final da dia”.

4.) JULIO DIOGO GANHOU FAMA POR CAUSA DO LIVRO DO EMAGRECIMENTO
“Vou resumir a história. Uma vez comprei um salgado assado. Lá pela metade senti que algo parecia estar enroscado na garganta. Como o desconforto permanecia, fui ao banheiro e tossi. Observei sangue. Cospia sangue, pouco. Fui ao pronto-socorro. O médico que me atendeu disse que havia “um corpo estranho” lá no fundo. Que era para procurar um médico. E só. Era sexta-feita à noite. Tive que esperar amanhecer para a maratona de telefonemas. Que noite longa! Seria algo grave? Gravíssimo? Sábado de manhã, cadê médico? Resolvi pegar o espelho e sair ao sol. Abri a boca, língua pra fora, olhei bem lá no fundo. E vi. Imagine duas pontas de alfinete, um centímetro cada, um ao lado do outro. Só que numa cor verde desbotada, indo para o cinza. Fui pegar a pinça e tirei-os de lá. Guardei as duas ferpas. Ora, por que o médico do PS não o fez, limitando-se a um diagnóstico de “corpo estranho”? Que alívio! Agora, não me lembro o raciocínio que me levou ao orégano. Havia em casa três pacotinhos dessa erva (desses que custam poucos centavos cada), um dos quais abri e despejei num prato branco para dar contraste. E acabei encontrando uma ferpa, uma só, exatamente igual às que haviam enroscado no fundo da minha língua. Eureca! Examinei os outros dois. Num, nada. Noutro, mais uma ferpinha. Desvendado o mistério, fui até o lugar onde havia comprado o salgado e confirmei que usavam orégano, que compravam de grandes pacotes. Ok. Agora, sempre que vou aos supermercados, dou uma passadinha na seção de ervas para examinar o orégano, não a embalagem menor, a maior, a que vem com mais perigo. E sempre acho as tais ferpas. Aparentemente inocentes, são como pontas de agulha”, OS PERIGOS DO ÓREGANO, Tribuna do Leitor, 09/12/12.

Esse texto publicado ai em cima é dele, JULIO DIOGO, uma pessoa das mais simples, andante dessa cidade, pois assim como eu, gosta muito de bater perna. O vejo nos mais diferentes pontos da cidade, na maioria das vezes só. Cada vez mais, depois da perda dos pais. Nos idos de 1995 ganhou fama por causa de um apurado livro,fruto de uita pesquisa, o “Emagreça com Saúde e sem fazer dieta insana”. Até hoje vejo o livro por aí (ontem o vi no sebo do Aran, o Extinção ali na Cussy Junior) e nos sites de vendas, como o Mercado Livre. Quer dizer, o danado viralizou. Circula muito além de nossas fronteiras municipais. Mas o Julio continua por aqui. Essa foto dele é de um dos jogos do Noroeste ano passado e me lembro de problemão que teve com incêndio em sua casa, nos altos do Bela Vista, onde se dizia perseguido e buscava ajuda. O que sei dele? Nada, respondo. Sei o que todos que o veem sabem, que continua em circulação e o livro escrito e a lhe deitar fama. Tempos atrás escrevia muito para a Tribuna do Leitor do JC, como nesse texto publicado no parágrafo acima. Quer dizer, assim como eu, gosta de expor ideias, fomentar discussões, parlapatar e gerar furdunços outros. Publico esse texto para tentar ampliar e saber algo mais do Julio, uma pessoa, conhecida cidade afora, daí o espaço está aberto para informações múltiplas e variadas.

5.) A SIMPLICIDADE DE SEU JOAQUIM POETANDO PELAS RUAS
Fiquei tocado, primeiro por ver dois jovens num clip via facebook, surfando com uma lona azul como se estivessem no mar. Depois, revoltado por ver o novo e golpista ministro da Saúde, tendo no currículo dez inquéritos por improbidade, já estar sacramentado a devolver quase 100 milhões aos cofres públicos e ainda ser nomeado. Depois de tudo me envolvo com as histórias de um velho conhecido, muito simples, escrevinhador e que, toda vez a cruzar comigo pelas ruas, me cerca e quer me mostrar seus escritos. Imprimiu um último e me fez fotografar para avaliar. Li e agora ele quer saber o que acho? Digo, lindo e não minto. Ele é lindo. Esse mundo tem lindas e podres pessoas. Vivo com os lindos e simples.

JOAQUIM CÂNDIDO VIEIRA tem jeito de ter sido ferroviário, como a maioria das pessoas de antanho, mas nunca o foi. Foi escriturário, contador, sempre serviços dessa natureza, burocráticos e onde pode exercer a escrita. Pegou gosto e hoje, com oitenta e lá vai fumaça nos costados vive para escrever. Anos atrás quando soube de um evento ferroviário na estação da NOB fez uma poesia sobre os trilhos e pediu para um amigo imprimir tendo ao fundo uma locomotiva. Foi lá e mostrou para todos e assim faz com tudo o mais. O encontro na Batista de Carvalho e me mostra um poema, esse sobre o caráter das pessoas. Pego o papel, impresso com um fundo verde e leio. Quando me vê querendo dobrá-lo e colocar no bolso me pede com muito jeito para que o devolva, pois é peça única. Dou um jeito e o fotografo antes de devolvê-lo e assim fico com seu escrito. Ele sorri, pede para ler com calma e avaliar. Dias depois liga e pergunta o que achei. Só posso achar a coisa mais linda do mundo, ele andar com seus escritos no bolso e mostrando para uns e outros. Joaquim é de uma velha cepa, desses quase extintos ou em fase de, pessoa encantadora, que ao enxergar no semelhante alguém com os mesmos gostos por escritos, não perde tempo, cerca o mesmo e a cada reencontro puxa assunto. Eu e ele somos amigos desses reencontros e quando o vejo, esqueço de tudo o mais e passo a dedicar longos momentos para ele, pois do contrário ele ficaria muito triste pela pouca atenção. Sábado que vem, com certeza, vai estar com escrito novo nos bolsos.

6.) DONA COTINHA REINA NA FEIRA
Para alguns o peso dos anos parece não representar muita coisa, pois passa ano, sai ano, continuam na mesma lida, pesada e tudo transcorre quase que da mesma forma e jeito. Isso é comum dentre os trabalhadores da feira, atividade rotineira, todo dia feita do mesmo jeito, mudando só o local da montagem e desmontagem do aparato utilizado nas barracas. Algumas pessoas se sobressaem mais do que outras. Hoje conto a história de uma velha senhora, dessas que enfrentam o touro a unha, fazem e acontecem, sem medrar nem fugir da raia.

DONA COTINHA ou DONA ZEZÉ é uma feirante à moda antiga. A idade vai passando, ela com aproximadamente 70 anos (não revela a idade) e ali na lida, acordando cedo, montando barraca, com sol ou chuva e junto aos seus, de terça a domingo (folga na segunda). Gosta de ser chamada pelos dois nomes e se o fizerem com seu nome de batismo, o Maria José, fica brava e esculhamba com o sujeito. Mora na Pousada da Esperança I e há quase 50 anos trabalha diariamente na feira junto dos seus, principalmente filhos. Pau para toda obra, faz e acontece. Carrega e descarrega facilmente a perua Kombi com os produtos que traz das plantações, tudo fresquinho e pronto para o consumo. A mágica e a forma como faz tudo caber, cada coisa em seu devido lugar, com delimitado espaço dentro do automóvel. Quem vê aquilo tudo ali espalhado nas bancas nem imagina como ela comprime a carga e tudo cabe maravilhosamente no veículo da família. Não reclama de sua rotina, gosta do que faz e como a simpatia anda com ela, fazer amizades é algo inerente ao seu trabalho. Cotinha espera permanecer mais uns 40 anos fazendo o que gosta e como gosta, feirando.

Um comentário:

Mafuá do HPA disse...

grato,meu caro AntonioBatalha, vendo e admirando.
Henrique - direto do mafuá