MAIS BATÉS, POR FAVOR – FESTA DE SANTO ANTONIO NO DISTRITO DE TIBIRIÇÁ Sou um emotivo. Escrevo na emoção e daí, das duas uma, ou esculacho com o que vi ou choro, me derreto em adjetivos elogiosos. Ontem isso votou a se suceder e confesso, saí lá da festa de Santo Antônio, a melhor que presenciei na vida, no distrito de Tibiriçá com uma baita vontade de tecer elogios mil para tudo o que ali presenciei. Pensei até em levar comigo um caderninho e ir anotando algo, pois a mente está pra lá de esquecida, mas até do tal caderninho eu acabei esquecendo.
Eu ando em bando. Se não sabiam, saibam desde já. Gosto de andar com gente a comungar das mesmas proximidades gostativas. Da turma toda, nem todos professam a mesma linha política, torce pelo mesmo time, gosta da mesma cor, possui a mesma marca de carro, está filiado no mesmo partido, curte a mesma rádio, ouve a mesma música, gosta do Caetano ou mesmo, do Lula. É uma rica e rara adversidade, algo hoje em dia meio que raro neste país, onde se o cara não for da mesma plumagem, não pode mais nem ser amigo. Resistimos numa turma pra lá de disforme, mas afunilando em algo mais doi que auspicioso, o respeito mútuo. Claro, que 90% é contra essa bestialidade golpista que se abateu sobre o Brasil e infelicita a vida de todos e os outros 10% estão em fase final de convencimento, pois só de andar conosco já estão mais do que contaminados.
Juntamos uns e fomos aproveitar o feriado de Corpus Christi em Tibiriçá, coisa de uns 20 km do centro de Bauru. Lotamos dois carros e mais uns três chegaram depois e se juntaram à trupe. O forrobodó se deu lá no reduto da família Baté, negros retintos e sérios festeiros, desses que sabem fazer a coisa, ou seja, quando fazem algo, fazem muito bem feito. Muitos como nós para lá se dirigiram ontem e foram se achegando a partir das 17h. Os Baté, ou a Família Cosmo são provenientes do meio quilombola e penaram para caramba para conseguirem se firmar. Passaram muita privação, fome mesmo e quando tudo começou a se estabilizar, começaram a reverenciar terem dado à volta por cima. Festeiros por natureza, rezam muito, trabalham também, mas sabem dar o breque em tudo e reverenciar as benesses recebidas.
E o fazem com várias festas ao longo de cada ano. Cada domingo lá na casa do patriarca é uma reunião diferente, onde todos vão se achegando. Conto uma rápida. Dentre tantas coisas, tocam um bloco de carnaval e em cada dia de ensaio, algo chama a atenção. Muitos vão se achegando de distantes lugares e ninguém vai embora de barriga vazia. Antes de cada ensaio terminar é levado para o centro da arruaça uma imensa e fumegante panela e lá algo para todos comerem. Num dia é uma galinhada, noutro sopa, feijoada, mandiocada e assim por diante. Todos se esbaldam. Aos domingos quem chega come no mesmo prato deles. São afáveis, mas não queiram também se aproveitar da hospitalidade, pois sabem muito bem dar um encosto nos aproveitadores.
Neste feriado, caindo numa quarta, uma tradição. O imenso quintal lá deles está todo cheio de barracas, um mastro deitado no chão, bandeiras enfeitam o quintal e o prenúncio de festa das boas. Na varanda da casa do patriarca, um altar e lá, antes de tudo a novena. Ninguém come, nem bebe sem antes ali rezar. Quem é de reza, reza, quem não, é fica papeando pelos cantos e quando tudo se acaba, neste ano, com um banner do velho Baté pregando junto do altar, idealizador disso tudo, falecido ano passado, começa a festa de fato. Os rojões pipocam no descampado defronte o lugar e enchem o céu de luminosidade. É o sinal para tudo começar e daí por diante, o deslumbre. Quem como eu nunca tinha vindo, chega para um deles e pergunta: “Mas como faço para ajudar, dar o meu quinhão, contribuir?”. Eles dão risada quando lhe questionam com algo dessa natureza e só dizem, como que em coro: “Aqui ninguém paga nada, tá tudo pago, coma, beba e se divirta”.
Existe uma explicação para tudo isso. Elas sempre existem. Venceram a fome e a miséria, agora unidos, a família toda se doa, cada um contribui com algo e todos trabalham juntos para a festa persistir e perdurar. É a retribuição encontrada para se dizerem felizes por terem conseguido superar as maiores adversidades. Saem em procissão, cantam e rezam em voz alta, alegres. O mastro é erguido e todas as velas que estavam nas mãos das pessoas são depositadas aos pés de Santo Antônio. Muitos socam o chão com um pilão, três vezes e fazem um pedido. Quem crê soca fundo, com fé e na fé seguem adiante. Daí, assim do nada tudo começa a ser servido, o quentão é levado para o meio da multidão e se fartam. Nas barracas tem milho, paçoca, leite com maisena e um caldinho de mandioca, que afirmam ser afrodisíaco. Não tem quem não entre nas filas, não se farte até se empanturrar. Num outro canto, cantoria de viola e sanfona.
Na simplicidade tudo é tão lindo que chega a doer. Eu, sou um contrito adorador dos Batés, gosto muito de suas festas e divulgo, escrevo quando me permitem, espalho a coisa aos quatro ventos. Não existe outra festa assim benemérita para quem lá estiver e não para entidades outras. A gratuidade é para quem ali se dispuser a sair de suas casa e aportar no quintal dos Batés. Para quem ali for com o devido respeito e sem ter que abrir a carteira pra nada. Num mundo cada vez mais individualista, festas como essas são cada dia mais raridade, pois como é que pode não se cobrar nada e não juntar nada, mas dar assim sem nada querer em troca? São visionários, lindos de doer, com gestos cheios de mensagens mais que profundas, daí vim aqui para conta história deles e me derreti todo, pois toda vez que aporto lá pelos de Tibiriçá, saio sempre repetindo para quem quiser ouvir: “Mais Batés, por favor...”. Sou adepto de festas desinteressadas, as mais interessantes.
Por essas e outras, continuo preferindo sempre e sempre as vicinais...
Nenhum comentário:
Postar um comentário