segunda-feira, 19 de junho de 2017

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (104)


EU QUERO ESCREVER DO MÁRIO...

Eu ando nas ruas, sempre gostei dos seus personagens. Tem um que acabou de falecer e hoje, pesquisei, perguntei, assuntei, forcei a cuca, mas não consegui me lembrar de seu nome inteiro. Minha mais remota lembrança dele vem lá dos idos de 2005 em diante. Seu nome é MÁRIO e morava lá nos altos da rua Floresta, junto de uma artesã, que foi muito amiga de minha mãe. O conheci assim e até então, nos cumprimentávamos pelas ruas. Algumas vezes, nas muitas trombadas da vida eu parava e conversava sobre esses assuntos todos de vidas atribuladas.

Mário foi jogador de bola, boleiro, contava histórias das vezes em que corria por esse mundão atrás da bola. Eu gostava de vê-lo falar. Foi também ferroviário e mais histórias. Lembro vagamente de algo com referências a um acidente, ele afastado de suas atividades, uma aposentadoria não conseguida e a tentativa de levar a vida mais adiante fazendo outras coisas. Um tipo bem característico, figura marcante, sempre com aquele jeito mirrado, magro, retinto e cheio de ginga. Sim, o Mário era um cara desses que você batia os olhos e enxergava ali uma ginga fora do comum. Um tipico jeito de malandro, daqueles que quando deixam de existir, não existem mais peças de reposição no mercado para substituí-los.


Gosto de gente que tem ginga, jeito malemolente de levar a vida. Vão driblando às adversidades ao seu modo e jeito. Sua mais famosa atividade desde aquela época foi a de tocar adiante a Associação dos Camelôs de Bauru. Pelo que saiba ele não tinha banca. Confesso que nunca o vi vendendo nada pelas ruas da cidade, mas era o tal que dizia estar organizando a categoria. Foi sempre muito contestado por causa disso, enfim, a tal associação acho que nunca saiu do papel e ele regiamente circulava entre os que trabalhavam nas calçadas de Bauru. Vivia disso. Nem sei como, nem sei se alguém contribuía ou era mesmo forçados a contribuir. Não o via como um sujeito violento, agressivo. Meus encontros com ele sempre se deram nas calçadas bauruenses, tendo como pano de fundo os camelôs.

Semana passada um amigo me diz ter ele falecido. Diz algo de ter ficado esperando vaga no Hospital Estadual. Critico e muito a ação desse hospital, mas sei que ninguém espera vaga lá nos seus corredores. Indo para lá, a tal vaga já está garantida. Não sou daqueles que critica o serviço público de forma gratuita, pois sei do valor existente e de tudo o que podemos estar perdendo nos próximos dias com esses golpistas no poder. O fato é que Mário já não estava bom, isso vinha de longe, para alguns diletos ele descrevia suas agruras e quando foi para lá, seu estado era irreversível. Não foi por falta de vagas que veio a falecer. Sei que muito do que ocorre dentro dos hospitais públicos é até de melhor qualidade do que nos privados, feito com mais calor humano e até sensibilidade. O fato é que o Mário se foi.

O homem do bonezinho no cocorutcho puxado para um dos lados não mais será visto, perambulando pelas ruas do centro de Bauru. Tem quem bata palmas e quem sentirá falta de sua presença. Eu já sinto falta de muita gente nessa região, desde o pastor da praça, o Marcão, filho do ex-prefeito que morreu na zona, o Rebuá e seu falatório nas esquinas, o mendigo Jucelino que voltou para Itaqui lá no Rio Grande do Sul, aquele meninão negro gordo que vivia sentado defronte um restaurante ali na praça Rui Barbosa, o tocador de violino nas igrejas e sua lambreta, o barbudo que guardava nossos carros lá do lado de fora do SESC... Tem muita gente chegando para ocupar o espaço desses e outro tanto batendo em retirada. Hoje foi o Mário. Para mim podem falar o que quiserem dele, mas confesso sem medo de ouvir besteira, vai fazer falta. Ainda bem que tirei algumas fotos dele, pois se nem o sobrenome eu consegui lembrar por inteiro, foto então, se não fossem essas, cairia no esquecimento num vapt-vupt.

Quem souber algo mais dele, aproveite o momento, desembuche... 
OBS.: As fotos aqui publicadas foram tiradas por mim no ano de 2008, quando ele foi até o Museu Ferroviário presenciar uma exposição e lá se encontrou com outro rico personagem das ruas, o índio Tibúrcio (também já falecido). Também por lá o militar da reserva, ex- preso político e exilado Darcy Rodrigues (esse bem vivo, mas saindo pouco de casa), o braço direito do capitão Lamarca.

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