Desço do metro na estação República e sigo pela Sete de Abril até a rua Xavier de Toledo. Nenhuma livraria resistiu ao tempo no lugar. Na entrada da Xavier, entro numa última e resistente loja de CDs e descubro dos motivos de ainda estar aberta: no estoque sendo oferecido, imensa maioria de títulos para gostos mais recentes. A senhora, única funcionária da pequena loja vem até mim: “O que gosta?”. Digo ter preferência por MPB e ela me mostra somente coletâneas, nenhum novo lançamento. “Não sei se sabe, mas agora só gravam porcaria. Tem muito funk”. Não discuto, quieto tento encontrar algo, nada de novo, preços até convidativos, mas gostos muito diferenciados dos meus. Penso com os meus botões: Até quanto tempo essas pequenas lojas ainda resistirão abertas?
Na mesma rua, quase esquina com a antiga loja da Mesbla, havia um sebo imenso, numa sobreloja e lá um paraíso de livros. Tempos atrás saiu na imprensa, a loja fechou, seu dono faleceu e a partir daí os seus não mais se interessaram em continuar o negócio. Um desalento parar na calçada, olhar pra cima e ver aquilo tudo fechado. Lembranças me saltam aos olhos. Pensei em subir, mas como até o cheiro seria outro, declinei e continuei meu caminho. Logo no final da quadra, tendo do outro lado da rua o pomposo Teatro Municipal, sou abordado no largo por um jovem a me entregar um exemplar do jornal “Hora do Povo”. Com ele nas mãos, outras lembranças e algo dessa resistência deste grupo político. Na primeira página o preço, R$ 1 real, mas a distribuição é gratuita.
Na Barão de Itapetininga o único resquício livresco são duas bancas de revistas com suas laterais contendo livros, todos em promoção e na garimpagem alguma possibilidade. Variação de preços de R$ 5 até R$ 30 reais. Escolhas feitas nas ruas, de costas para quem passa e daí algum perigo. Sigo em frente até metros antes da praça da República e lá, do seu lado direito, tempos atrás, ali uma papelaria e sempre com muitos livros. Comprei vários ali, mas ela fechou e em seu lugar um café. Enfim, outros cheiros e preferências. Não parei nem para o café. Seguindo pela Ipiranga, quase na esquina com a São João, ali tinha uma banca onde comprava jornais de quase todas as capitais brasileiras. Era gostoso encontrar, por exemplo, um Zero Hora gaúcho, mas hoje vejo a banca ali no lugar, mas fechada e em nenhum lugar encontrei jornais além dos poucos paulistas e o único de fora do estado, o O Globo do Rio de Janeiro. Não me arrisco a comprar mais nenhum destes.
Adentro a São João e do lado de lá da rua, eis dois lugares resistindo ao tempo, o Sampa Discos no nº 572 e o Promosampa no nº 556. Há mais de vinte anos estão por ali, cheios de livros, LPs, CDs e revistas usadas. São hoje do mesmo dono e num deles, vasculho e consigo encontrar três preciosidades, entre R$ 5 e R$ 10 reais. Ao pedir desconto, ouço o clamor do balconista: “Estamos no limite, veja nosso movimento, fraco. Nosso Black Friday é o ano todo”. Permaneci mais de meia hora no local e se entraram uns cinco clientes foi muito. Só eu comprei algo. Brinco com o dono na saída: “Todo sebo deveria ter um lavabo para limparmos as mãos na saída, pois poeira é mato em todos”. Nenhum que conheço possui esse benefício aos seus clientes.
Tento algo na loja do novo SESC, ali na 24 de março, desço ao subsolo, mas tudo como em qualquer loja da rede, seus preços já são abaixo dos de lojas rebuscadas e, portanto, sem descontos. De lá vou pra um lugar conhecido na rua Aurora, num rua depois da Praça da República, lugar dos inferninhos com shows de sexo. Ufa, lá está a Livraria Treze Listras ainda aberta, no meio da barafunda do lugar, ocupando desde sempre o nº 704. Seu proprietário, Jaime, me diz estar ali há mais de 30 anos, mas antes dele o lugar já existia e outras tantas ao seu lado, todas hoje fechadas. Resiste pelo prédio ser próprio. Mantém 3 andares abarrotados de livros, poucos catalogados e nos superiores tudo empilhado, lugar escuro e de pouca frequência. Fui o único a adentrar ali nos meus 30 minutos no lugar e ouço dele o que persiste nos resistentes: “Vendo muito pouco para clientes vindo aqui, quase tudo hoje, mais de 80% pela Estante Virtual e compro bibliotecas inteiras em lote fechado, por metro”. Compro dois livros, com um pequeno desconto e saio de lá com a certeza de que necessitarão de boa higienização.
Na mais por ali, tudo terra arrasada, Nada além dos livros expostos nas bancas de revistas, como numa grande defronte o Largo do Paissandu. As demais desapareceram com o tempo. Fui aconselhado a caminhar no sentido da praça da Sé e lá fui. No caminho encontro a religiosa Livraria Vozes e num canto da praça tradicional Livraria da Unesp. Essa está no clima do Black Friday, com desconto de até 40% em algumas publicações. “Vou ver se estendo os descontos até amanhã, sábado”, me diz a gerente. Na esquina de cima da praça tem uma Saraiva, grandona, mas nela resolvo não entrar, pois atravessando a rua tem o mais famoso sebo paulistano, o do Messias. Ali um contraste com todos os demais, pois além de tudo muito organizado, vários funcionários e um movimento singular, com constante entra e sai de pessoas. Quem já vem em busca de um título, consulta nos vários computadores se existe exemplar no acervo, do contrário, uma perdição ficar vasculhando de estante em estante. Tudo catalogado, revistas, livros, CDs e tudo o mais. Na saída, ver o próprio Messias ali no seu reservado, em carne e osso é a própria história de como ele se safou ao longo do tempo, para se manter num negócio hoje desprestigiado e sobrevivendo nãose sabe bem lá como. Trago três e consigo algum desconto.
Na volta ao hospital, limpo os livros e os espalho sobre um sofá para os comentários com a sogra. “O paulista não lê. Uma classe letrada ainda lê, mas o grosso não lê mais nada. No Rio, vejo ainda que a classe média lê mais, cultiva um negócio de arte, algo que vejo pouco aqui. Temos muito mais sebos lá que aqui. Por aqui gostam mais de rock, dormem na fila desses shows, só uma minoria continua lendo. O povo não curte esse tipo de coisa e sem público fecham. Esquisito isso, não?”, me diz, Darcy Soliva da Costa, 81 anos, eu e ela aqui reclusos num quarto de hospital, aguardando sua cirurgia a lhe introduzir uma válvula no coração. Encerro com a história que contei a ela sobre os tempos quando escrevi o livro sobre Reginópolis, uma pequena cidade do interior paulista, pouco mais de 3 mil habitantes. Lá uma linda biblioteca, recheada de novidades, porém pouco frequentada e a funcionária me diz na ocasião: “Estudantes vem só para trabalhos escolares, algumas senhoras de idade mantém o hábito da leitura e nenhum homem, nem de meia idade, nem velho. Eles têm vergonha de serem vistos aqui”.
Para não dizer que não estive em outros lugares, saio no começo da noite pela avenida Paulista em busca da nova edição da Carta Capital e adentro a Martins Fontes, ali na altura do 900. Um cartaz anuncia que por ali tem desconto da sexta Black Friday. Entro, vasculho as prateleiras com a devida rapidez de quem necessita voltar com rapidez ao hospital, mas ao pegar nas mãos um do Gianni Carta, o “Garibaldi na América do Sul – O Mito Gaúcho”, não resisto e esvazio os bolsos. Volto duro e lendo pelas ruas as proezas de um revolucionário tão em falta e necessário nos dias de hoje. Agora, nos próximos dias passo a folhear o que trouxe com a sogra, alguém com quem conversa desbragadamente sobre esse gosto infernal por leituras e a me fazer sair num dia de descontos pelas ruas paulistanas, não em busca de aparelhagens e traquitanas domésticas, mas de leitura. Estamos bem servidos para os próximos dias.
HPA – 24/11/2017
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