quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

COMENTÁRIO QUALQUER (198)


UMA NO CRAVO
DESABAFO DE TRABALHADORA DE “MODERNA” EMPRESA ATUANDO DENTRO DAS NOVAS REGRAS E LEIS TRABALHISTAS
Sou um recolhedor de histórias por onde circule. Algumas muito tristes, porém bem representativas desses tempos, cada vez mais doloridos, onde o encanto se foi e o que resta é a dura realidade, uma onde com a chegada desses novos tempos, autoritários e perversos, quem mais sofre são os desvalidos, os dos andares de baixo dessa pirâmide social a ressaltar as imensas diferenças desse cruel e insano sistema onde vivemos.

Estive nessa semana, numa dessas noites em um assentamento rural numa cidade nas redondezas de Bauru, convidado para falar junto de outros sobre as relações do homem e o trabalho, esse novo formato de possíveis formas de vicejando como “modernidade”, porém escravizando mais e mais a pessoa, essa com poucas condições de reagir ou mesmo de buscar algo novo para sua sobrevivência. Falei pouco, ouvi mais e ao final, surpreso, fui rodeado por um grupo de trabalhadores de uma grande empresa numa cidade vizinha de Bauru, indústria de roupas de cama. De uma trabalhadora ouço relato a me dilacerar por dentro. Tento produzir um resgate do que ouvi, ainda emocionado pelo desabafo.

“O que quero contar pro senhor é da situação que a gente vive aqui onde trabalhamos. Ganhamos o salário mínimo, algumas vezes menos, outras mais, depende da produção. Se a gente se entrega ao trabalho sem olhar pros lados, algo incessante, quase sem descanso, chega no objetivo da empresa e o salário passa pouco do mínimo, mas quando o mês tem interrupções, não alcançamos e também somos cobrados, logo querem nos substituir. Vivem com pressão no nosso pescoço, outro dia a supervisora veio me dizer que se não tivesse mais condições de cumprir o objetivo era só dizer a ela que ela me substituiria. Abaixei a cabeça, preciso daquele dinheiro e disse que iria me esforçar muito mais e ela não teria que me chamar a atenção. Gente como eu não tem a quem recorrer, a gente trabalha e trabalha.

Outro dia fui comunicado que um fiscal iria visitar a empresa e não poderia ir trabalhar naquele dia, pois estou há mais de um ano lá com eles, nunca me disseram de registrar e não posso falar nada, pois se disser caio em desgraça, fico mal vista. Espero eles reconhecerem o que faço e proporem o meu registro. Num dia definido me disseram pra ficar em casa, pois o fiscal passaria por lá e não poderia me encontrar. Quando lá estamos, somos levados para lugar isolado, escondido, onde o fiscal não passa. Eles sabem o dia que o fiscal vai passar na firma e nos avisam para ficar em casa. Fiquei, não fui, mas a meta para mim estabelecida de produção continuou a mesma e quando fui perguntar como faria, me informaram que teria que vir no sábado ou mesmo no domingo, pois se não cumprisse teria problemas. Uma outra funcionária, ela já foi demitida, aproveitou a vinda do fiscal e reclamou pra ele da situação dela, conseguiu ir no dia quando ele estava lá e falou da situação de todos. Sabe o que aconteceu? Reclamou, o cara foi embora, ela foi chamada na gerência, demitida e ainda disseram pra ela que o fiscal contou pros donos da empresa ter ele percebido que ela estava querendo mostrar algo que não acontecia, que estava mentindo. O fiscal denunciou ela pros donos. Não temos a quem recorrer. O fiscal tem ligação com eles e não defendem a gente, nós não temos quem nos defenda.

Essa a nossa situação. Ninguém consegue trabalhar dentro de um ambiente desses com alegria, o fazemos todos e todas por obrigação, por pura necessidade. Aqui não existe outra alternativa. Vou trabalhar em que aqui na cidade? Não existe mais emprego no campo e na cidade, só nos dão empregos sem registro em carteira, pagando cada vez menos. A gente antes era registrado, recolhia pra aposentadoria, hoje não conseguimos mais. Lá onde trabalho, metade tem registro e a outra metade não tem. Vivemos sob pressão o tempo todo. Muito medo de ser chamado na gerência e ser comunicado deles estarem sem pedidos no momento, daí não mais vão precisar do serviço da gente, nos comunicam que a partir do dia tal não precisa mais ir e ficamos aguardando um novo chamado, que pode ou não acontecer. E tendo qualquer tipo de reclamação, nunca mais nos chamam. Que futuro a gente tem? O que o senhor imagina que possamos fazer para ao menos voltar a ter o que tínhamos tempos atrás? Eu não conheço o senhor, mas gostei do que falou, dá esperança, mas isso é pouco, pois amanhã ao acordar eu vou lá pro trabalho e vou ralar muito pra conseguir atingir a cota estabelecida e manter esse emprego sem registro, ganhando pouco, mas o que sustenta minha casa”.

Eis a MODERNIDADE hoje tomando conta do país, com empresários cada vez mais insensíveis, desdizendo da Justiça do Trabalho, pois de certo tempo para cá estão tendo toda a cobertura para implantar uma nova modalidade de trabalho, o quase escravo. Um retorno ao passado com o que de pior temos. Eu ali ouvindo isso, rodeado por quatro a cinco pessoas, estremeci todo e tentei balbuciar algo, como denunciar para alguém que possa fazer alguma coisa séria por eles, mas a resposta a mim dada foi lacônica: “Faça isso não, pois se vier um fiscal que resolva e que nos ouça, não teremos nem mais esse emprego. Eu só queria desabafar”.
OBS: Fiz o máximo para dificultar qualquer tentativa de identificação do lugar onde estive, das pessoas e da empresa em referência, para evitar maiores problemas do que esses trabalhadores já possuem. As fotos são meramente ilustrativas e foram gileteadas via internet.

OUTRA NA FERRADURA
'GOLPE DO ENCONTRE O X' EM BAURU E ALGO REPRISADO MUNDO AFORA - SERIAM ATORES OU O QUE?
Deu ontem no único jornal impresso bauruense, o Jornal da Cidade matéria sobre blitz policial realizada na Feira do Rolo no último domingo, quando policiais militares cercaram o local por todas os lados e prenderam os que praticavam o tal jogo de azar, também chamado como "Golpe do Encontre o X". Eis o link da matéria do jornal: https://www.jcnet.com.br/…/712083-policia-flagra--golpe-do-…. Eis algo mais da matéria: "...eles vinham com frequência para a cidade e aplicavam o chamado "golpe do X" ou "golpe do papeiro". Trata-se de uma modalidade parecida com o "golpe da tampinha", em que a pessoa é enganada enquanto o jogador movimenta as peças com uma marcação ou bolinha embaixo. (...) Sobre uma mesa, ele manipulava três peças em madeira e enganava visualmente as pessoas que apostavam, conseguindo esconder a peça marcada com um "X", que, se encontrada, renderia premiação em dinheiro. "No lugar do exemplar premiado, ele colocava outra peça sem nenhuma marcação, que escondia nas próprias mãos em movimentos rápidos. O que impedia que os apostadores ganhassem", detalha o delegado".

A notícia me chama a atenção. Explico. Primeiro isso que faço me lembra algo que lia com a devida atenção, artigos memoráveis escritos pelo Moacyr Scliar, creio que em coluna na Folha de SP, quando destrinchava notícias publicadas no jornal, principalmente na Policial, transformando-as em belas e memoráveis crônicas. Ou seja, tudo pode se transformar em registros lúdicos, quando se busca enxergar outras possíveis visões sobre o ocorrido. Tento aqui ao meu modo e jeito fazer o mesmo, com muito menos capacidade e criatividade. Os vejo na feira com frequência e não sabia serem de fora. Não creio que ninguém nessas plagas já não tenha adquirido now roll suficiente para ter que vir alguém de longe praticar o "engana trouxa" na cidade. Sim, considero o joguinho de azar, algo onde só entram gaiatos, aqueles que vislumbram vantagens inauditas com o presenciado. Das duas uma, ou o cara mora em outro planeta e nunca ouviu nem falar no truque de mágica ali mostrado ou quer tirar uma vantagem, entendendo estar diante de algo onde possa ter um lucro. Até as pedras do reino mineral conhecem a coisa e quando presenciam o tal jogo, sabem o que está embutido. Não tem como ninguém ser enganado. Quem joga qualquer jogo de cartas a dinheiro sem conhecer um mínimo do negócio pede para levar uma limpa. Nesse treco a mesma coisa.

Na Feira do Rolo toda vez que tem algo assim eu paro e fico a observar, mais de longe. Qualquer sensato saca o que está em curso. Eu curto ver como são artistas, nada feito sozinho, verdadeiros atores. Um manipula os dadinhos, mistura debaixo da cumbuca e chega um, aposta, ganha e perde, faz cara de feliz, enfia o dinheiro no bolso e sai cantando de galo. Nisso chegam os crendo ser possível seguir o mesmo caminho. Se juntam a outros do grupo e acabam depenados. Difícil não entender que o fizeram de caso pensado. Eu nunca troquei sequer diálogo com esses caras, pois mais ou menos imagino o grau do envolvimento após a demonstração de interesse. Olho de longe, tirei muitas fotos deles, mas as guardo sem mostrá-las, pois sei que o jogo é tratado como crime no Brasil. No caso de serem presos, creio, deveriam levar junto os perdedores, pois seria de bom alvitre tomar conhecimento dos motivos que os levaram a tentar a sorte em algo onde é mais do que sabido, todos perdem. Bem que, para quem os saca fazendo a manipulação, queria ver alguém adentrando o jogo ciente e entrando na pista para um enfrentamento ciente das regras ocultas. Daria uma boa refrega, essa por mim ainda não presenciada.

Lembro de antiga ocorrência aqui mesmo em Bauru, quando um amigo me disse da prisão de grupo, esses todos levados para a delegacia e lá, a primeira coisa que o delegado fez foi colocá-los todos em sua frente e até num tom irônico pedir para que explicassem a ele como se desenvolvia a contenda. Pelo pouco que sei, se recusaram até certo momento, mas para aliviar o flagrante, abriram o jogo. Em 2012 estava em Barcelona - Espanha, na famosa Las Hamblas, local de encontro de gente do mundo todo e por lá tirei algumas fotos, hoje aqui publicadas de um grupo praticando o jogo não numa mesa, mas na calçada, ao lado de onde circulavam tudo e todos. Assuntei, cheirei, fiquei só observando, fotografei e das conversações com populares, eram conhecidos de todos, homens oriundos da antiga Iugoslávia, vivendo desse expediente nas ruas na cidade. Tudo muito igual com o que sempre vi aqui na feira dominical de Bauru e por outras partes do planeta. Não sei se o trato para com esses deve ser a cana dura, pois jogos de azar é o que mais temos, desde bingos, carteados, sinuca e até mesmo esses jogos de roleta viciadas, sorteios com bolinhas numeradas, quando algumas são mais pesadas que outras. Enganar o outro, tirar vantagem, eis o que mais vejo rolando pela aí e assim sendo, por que alguns são permitidos outros não? Enfim, GOLPE mesmo eu entendo como outra coisa, bem mais letal e pernicioso.

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