E Elba, já passou dos 70. Dou o desconto, se é que é assim que deve ser feito. Gosto de sua música. A musicalidade nordestina é inquebrantável e indestrutível. Olho para trás e vejo Elba chegando no Rio, com uma mão na frente e outra atrás. Enfrentou tudo e fez de tudo um pouco. Bagunçou o coreto, muuitoi bem bagunçado. Circulou em todas as bocadas por onde circulavam os bons de uma época de ouro da MPB. Depois de fazer e acontecer, com o passar dos anos e do tempo, deve ter fundido algo interno, juntado alguns fios desencapados e hoje fala algo não batendo com toda sua trajetória. Triste fico, mas não a deixo de ouvir. Lembro dela cantando "Nordeste Indendente" e me arrepio dos pés à cabeça.
Eu sei de mim, pois beirando os 64, vi também quase de tudo, mas não mudo de lado. Isso me basta para seguir em frente, enfim, a luta continua e as desigualdades não foram resolvidas. Se outros feneceram pelo caminho, isso é lá com eles. Eu não o faço, algo como sina de vida. Na lida e luta sempre, ideal sempre sendo buscado. Assisto desta forma e com essa concepção de vida encruada dentro de mim a um belo show. No final do show, Claudio Lago, que estava no sexteto de gente a me acompanhar me fez pensar em algo dito ao pé do ouvido: "Não são os artistas que vão mudar o mundo? Pois hoje, estivemos aqui vendo Elba e depois fomos prum barzinho na Nossa Senhora de Fátima e lá, um cantante daqui, o Eliel, cantando todos os nomes da resistência da MPB, mas pensando tudo igual a Elba. E daí, vão ser mesmos os artistas que irão mudar o mundo?". Já não sei mais nada. Sei que me resta pouco de tempo de luta pela frente e dela não desisto. Falo por mim, não pelos outros.
Na verdade, além do show da Elba, lindo em todos os aspectos, quem sempre esteve ao seu lado nos palcos da vida, décadas ali na estrada, é o maior zabumbeiro do planeta, o Durval Pereira, o paraibano Val, que leva adiante isso da importância deste instrumento numa banda tocando ritmos nordestinos. É impecável em todos os sentidos e de uma simpatia enorme, sendo essa irradiada do placo para quem o assiste, como eu, boquiaberto, do lado de baixo. Com certeza, Elba e ele são os mais velhos ali no palco e pelo fato de estarem juntos a tanto tempo, só posso aplaudir e reverenciar essa conjunção mais que carnal. Escrevi deles juntos num outro show por aqui, em 2016 e hoje, quando termina o show de hoje, passa um filme pela minha cabeça e vejo que ele continua o mesmo. Tomara o tempo não lhe seja pesado e continuem juntos pelos palcos por mais algumas décadas. Que a zabumba lhe seja leve, como tem sido até a presente data.
Por fim, tenho que elogiar o Ginásio de Esportes do SESI Bauru. Ficou lindo, confortável e se cabe mesmo 5 mil pessoas, parabéns para seus realizadores. Tenho muita reserva ao escrever algo de Paulo Skaf, por tudo o que ele representa de amarração neste país, algo que prefiro passar ao largo neste momento. Bauru ganhou com o belo ginásio. Nos eventos esportivos, deve estar tudo dentro de todos os padrões, mas para os shows algo ainda ser regulado. O som deixa a desejar e se perde na imensidão. Como resolver isso? Deve já haver um monte de técnicos debruçados sobre essa questão. O SESC resolveu e o SESI também deverá fazê-lo para o bem das apresentações musicais. Dou meu parabéns para a querida Rosimeire Santinelli Longhi, hoje cuidando da área de espetáculos e eventos do SESI Bauru, que um dia desenhou uma das camisetas do Bloco do Tomate e se desdobra para tudo dar certo. Tem muito gás e vai estar sempre oferecendo e dando o melhor de si para tudo dar certo.
Foi isso e muito mais. Estar acompanhado de diletos amigos e reencontrá-los, alguns destes por lá, quando a média de idade do show era alta entre os espectadores é sinal de que, continuamos pela aí, sendo fazendo e acontecendo. Boi preto anda com boi preto. Eu sigo sempre junto aos meus e com estes sou feliz. Não gosto de caminhar sózinho. Luto por um mundo melhor e estes são os mesmos, os que me acompanham num show e também na lida de luta diária, engajados em algo com caráter transformador, onde este mundo só será viável quando mais e mais pouderem desfrutar igualmente de condições de bonança justas e adequadas. Tudo é uma luta. Eu luto e me divirto, pois não vejo outra forma de enfrentar as agruras deste mundo só com lida, luta e trabalho. O ócio é mais do que necessário. E quando nele, na maioria das vezes, tem outros tantos juntos de mim. Sigo assim, revendo cantantes marcantes em minha vida, cantando todas num show como o de hoje, aproveitando para recarregar energias, pois amanhã cedo começa a contenda novamente e preciso estar em condições de, em primeiro lugar, não esmorecer. Sigo em frente. Hoje, quem me fez realmente vibrar foi Durval Pereira, o maior zabumbeiro do mundo. Amanhã será outro a me mover e assim toco meu barco.
SEXTA À NOITE, FUI ASSISTIR ELBA RAMALHO NO GINÁSIO DO SESI E NA VERDADE, REVI O MAIOR ZABUMBEIRO DO MUNDO, DURVAL PEREIRA, DE QUEM JÁ HAVIA AQUI ESCRITO EM 2016
Cantei todas e isso é sinal de ter envelhecido bem.
https://mafuadohpa.blogspot.com/searchq=ELBA+RLHO
Leiam o que escrevi naquela oportunidade e agora, reafirmado com sua reapresentação, sempre ao lado de Elba Ramalho. É um prazer inenarrável rever o grande paraibano, mezabumbastre no ofício de tocar .
Leiam o que escrevi naquela oportunidade e agora, reafirmado com sua reapresentação, sempre ao lado de Elba Ramalho. É um prazer inenarrável rever o grande paraibano, mezabumbastre no ofício de tocar .
DOIS VÍDEOS GRAVADOS POR ESTE HPA NO SHOW DO SESI
1.) ELBA É ELBA, PODE FALAR BESTEIRAS, MAS ACOMPANHADA DE IMPECÁVEL BANDA, ARRASA NO SHOW DO SESI Cantei todas e isso é sinal de ter envelhecido bem.
https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/746479597679986
2.) ELBA AO LADO DO MELHOR ZABUMBEIRO DO MUNDO, O PARAIBANO DURVAL PEREIRA
Em 4 de abril de 1984, Winston Smith, funcionário do Ministério da Verdade, procurou um canto de sua casa onde a teletela não pudesse alcançá-lo, preparou uma caneta, mergulhou-a no tinteiro e abriu seu diário. Ele havia comprado todos aqueles materiais de livraria em uma loja em Londres. A cena é o momento fundador da história de 1984, famoso romance de George Orwell. Ao escrever suas primeiras linhas, Winston Smith produziu “o ato importante e decisivo” de “marcar o papel”. Para dar voz ao que estava acontecendo no mundo.
Quando li esse livro pela primeira vez, há quase quarenta anos, fiquei chocado ao descobrir que algo que eu fazia rotineiramente todos os dias poderia ser clandestino, perigoso e secreto. Naquela época eu era muito jovem e ingênuo, um adolescente que estava iniciando o ensino médio justamente no ano em que se intitulava aquele romance, 1984. Isso já era marcante e perturbador por si só, pois como é que meu presente poderia ser o futuro de outra pessoa? (Anos depois tive uma sensação semelhante com a música “Not so different”, do Sumo, em que cantávamos “Waiting for 1989”. 1989 chegou e o mundo seguiu em frente).
Mas no caso do diário de Winston Smith, forçar a ideia instalada por Orwell da possibilidade de tal distopia era preocupante, porque e se este futuro em que vivi se parecesse com o que Smith temia? Parecia muito improvável: para perscrutar o horror, uma realidade semelhante à que Winston viveu, era preciso realmente olhar para o passado, para a ditadura. Nada na liberdade que experimentamos em 1984, 1985, 1986 se assemelhava ao clima opressivo e cinzento descrito no romance. E, no entanto, aqui estamos hoje, defendendo tantas coisas que pareciam incontestáveis.
Com o passar do tempo, quando me tornei professor e escritor, passei a valorizar muito mais as falas que seguem a primeira anotação do diário de Winston. Depois de anotar a data, Winston Smith se perguntou: “Para quem ele estava escrevendo este diário? Para o futuro, para quem ainda não nasceu.” E ele também pensou que se nós (seu futuro) não nos comovessemos com suas palavras, haveria duas respostas possíveis. Uma, terrível, é que este presente seria igual à realidade que o oprimia, e então o que ele havia escrito não poderia circular. Mas, pelo contrário, também poderia acontecer que, dado o quão diferente é o nosso presente, não fizesse sentido que as suas palavras chegassem até nós.
Hoje eu não escreveria um diário, embora muitas das publicações que fazemos nas redes tenham essa vocação de registro. Acho que escreveria uma carta a Winston, naquele pacto ficcional que a literatura permite, e assumindo que a linguagem da neofala não tivesse triunfado, para lhe dizer que estávamos a passar por uns dias em que nada do que tomávamos como certo, como certo , Porque recuperado, está seguro de ser destruído. Nada: nem educação, nem saúde, nem investigação, nem vida comunitária. Nem mesmo o passado sangrento que a democracia argentina julgou e condenou e que, como Winston bem sabia pelo seu trabalho, era muito frágil. Eu explicar-lhe-ia que, retoricamente, nos embarcaram em guerras e conflitos como os que confrontaram a Oceânia, a Eurásia e a Lestásia, para que os gritos e o barulho dos motores e as explosões escondam o barulho da sociedade que estão a desmantelar como alguém desmontando uma velha fábrica.
Há universidades nas trevas, fábricas que fecham, ruas e cidades em ruínas habitadas por famílias que perderam o teto e a esperança, e que se alimentam da pequena guerra que o governo aposta todos os dias. O Estado encoraja a denúncia e o individualismo; Denuncia a doutrinação mas, ao mesmo tempo, traça uma linha entre as pessoas boas e as que não o são, e espalha-a por todos os meios de comunicação, que são muito mais poderosos do que teletelas e megafones. Não é necessário reescrever a verdade o tempo todo, porque a verdade não importa para ninguém. Vivemos numa permanente fake news da qual o presidente é o principal divulgador.
ESSA A ILUSTRAÇÃO DO TEXTO "CARO WINSTON" |
“Libertário?”, ele me perguntará, surpreso com o significado que isso tem. “Sim”, responderei. Conseguiram inverter o significado das palavras e hoje “liberdade” é sinônimo de “autoritarismo”. Somos obrigados a ser clandestinos, a exercer o “duplipensamento”, sem saber bem com quem podemos conversar utilizando a riqueza das nuances das palavras. O Big Brother já não nos observa: o uso das redes e da retórica governamental faz de todos nós, pouco a pouco, a nossa própria polícia do pensamento.
Talvez Winston Smith pense que a pequena esperança com que começou a escrever em segredo foi derrotada. Eu vou te dizer não. Ou ainda não. Mesmo que queiram nos arrastar para o quarto 101, o mais terrível porque lá encontraremos nossos próprios medos, para nos quebrar, temos um caminho possível: resistir. O esforço para fazer as palavras voarem e encontrar destinatários nunca é em vão. Mas temos que começar a imaginar com quem queremos falar, o que queremos dizer, por que devemos ouvir uns aos outros, e não apenas expressar a nossa indignação.
A palavra e a escrita são as maiores formas de resistência, as mais persistentes. São aqueles que unem aqueles que estão insatisfeitos com o mundo que lhes foi dado, com a opressão que enfrentam, e lhes permitem encontrar forças para não aceitar ou adaptar-se a esta destruição, e para resistir. As palavras organizadas em torno de uma ideia, no esforço de apontar o que há de injusto no mundo para combatê-lo. Mas também o que é belo, para preservá-lo. As palavras que dizem que sempre podemos escrever, como Winston: “Abaixo o Big Brother”.
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