"PARA QUE A GENTE ESCREVE, SE NÃO É PARA JUNTAR NOSSOS PEDACINHOS?"Essa é uma das tantas frases deste brilhante escritor uruguaio e latino-americano, Eduardo Galeano, entendido que era em histórinhas curtas, todas versando sobre o que ia trombando ao longo de suas eternas caminhadas. Li e reli muitos dos seus livros. Neste momento repito a dose com um destes, o "O Livro dos Abraços", editôra L&PM RS, 2ª edição, maio de 2005, 272 páginas.
A leitura não é simples, diria mesmo, demorada até demais, pelo menos no meu caso. Eu paro, reflito, contemplo a ilustração, divago sobre o melhor entendimento do vivenciado pelo escritor e do que ele quer nos transmitir com seus escritos. O que faria num beve tempo, levo muitos e muitos dias.
Eu também - não sei se já repararam - junto meus pedacinhos em cada novo escrito. Isso faz parte da existência humana. Eu, assim como Darcy Ribeiro disse um dia, mais perdi do que ganhei nos embates onde já enfiei minha disposição de luta. Ainda bem, dizia o antropólogo, pois vencer - coisa boa, todos sabemos -, mas se faz necessário analisar em que condições, pra beneficiar o que e ao lado de quem.
Tem muitos momentos em que é preferível perder e continuar na lida de cabeça erguida, do que fazer parte de um conjunto de procedimentos deploráveis, destes que não me deixarão dormir sossegado e só mancharão minha trajetória. E se perco aqui, sinal de que não devo entregar os pontos e seguir adiante. Enfim, ainda continuo de olhos abertos, enxergando tudo.
Nas minhas historinhas, muitas delas chinfrins, como este que vos escreve, passo algo disso, das contendas onde estou enfurnado, plena disputa. Tem quem me diga que falo e escrevo demais, deveria variar mais as coisas e deixar muitas outras para lá. Breno Altman passou por aqui dias atrás e disse algo sobre este assunto: "Se até agora agi assim, não será agora que irei mudar de lado ou me conter, me aquietar".
Enfim, ainda do Galeano e de seu livro, algo para mais uma bela reflexão, depois de tudo o que temos visto nestes últimos dias no campo da política bauruense: "Se o passado não tem nada para dizer ao presente, a história pode permanecer adormecida, sem incomodar, no guarda-roupa onde o sistema guarda seus velhos disfarces".
Ótimo para constatar onde nos encontramos, o que queremos e o que deixamos alguns fazer pela gente. Tem muitos ótimos de serem seguidos, mas tem tanto embromador nos atravancando os caminhos e nós lhe renovando as fichas. Temos a certeza de que, nada sairá dali, mas optamos por ficar quietos. Sempre dá merda.
Leio a justificativa do Tribunal Superior Eleitoral livrando a cara do senador Sergio Moro e, assim, rejeitando sua cassação. Como aceitar o inaceitável? "É preciso mais do que estranhamento, indícios, suspeitas ou convicção. É preciso haver prova, e prova robusta", ponderaram. É pra engolir em seco. O cara gastou rios de dinheiro, tudo sem respaldo legal e lhe inocentam.
E por aqui, um conjunto da obra, verdadeiro circo de horrores, algo que afastou do maior partido de esquerda brasileiro qualquer tipo de renovação. Esses eram impedidos de ali militar, pois podia ofuscar o brilho de mando. Outros ousaram, mas quando se deram conta dos procedimentos, bateram asas. Quem conhece se afasta, foge, quer distância. Incautos se aproximam, por pouco tempo. Quando se dão conta, somem. Uns poucos insistem e tentam vergar o monstro. Um dia irão conseguir, pois não há mal que tanto perdure.
São tantas histórias. Uma mais escabrosa que a outra. Ontem mais um capítulo. Tenta se mostrar mais que o presidente eleito. Como seguir lutando por outro mundo possível diante de alguém jogando só pensando em si e articulando com o adversário? Votando alinhado deste. Fingiu ter um candidato quando já tinha tudo negociado por outro rumo, com outros personagens. Inventou um e o descatará, questão de dias. Uma foto bonita, pura ostentação, tudo para inglês ver, jogo de cartas marcadas.
Galeano retratou tantas histórias parecidas. "Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia. Nessa fé, fugitiva, eu creio. Para mim, é a única fé digna de confiança, porque é parecida com o bicho humano, fodido mas sagrado, e à louca aventura de viver no mundo". Quantos dias mais para revelações pipocarem no centro do picadeiro.
Aliás, nunca tive. Pelo menos isso carrego comigo pro resto da vida. Quando forem algum dia fazer um rescaldo de minha vida - se o fizerem -, irão verificar e constatar que, nunca fiz acordos com a tal que diz ser dona das ações de um partido político na cidade, uma que o faz alegando ter boas relações com os do andar de cima da agremiação partidária e assim, segue seu jogo, se beneficiando pessoalmente de tudo e nunca pensando coletivamente. Fez e aconteceu ao longo do tempo, mais de 20 anos neste repugnante joguinho. Desde quando percebi como era seu proceder, mantive distância.
Como é bom recorrer sempre, buscando reforço nos escritos deixados pelo Eduardo Galeano. Ele me serve como alento para tudo, inclusive para essas horas, pois foi um destes que não se deixou levar, nem ser enganado, não foi na onda e assim, só colhendo suas histórias, construiu algo sólido, para sempre. "Desamarrar as vozes, dessonhar os sonhos: escrevo querendo revelar o maravilhoso, e descubro o real maravilhoso no exato centro do real horroroso da América", escreve ele num dos trechos deste livrinho de cabeceira, o "O livro dos abraços", que em em três textos me servem de base, auxílio luxuoso para conseguir ir tocando a vida diante de tanta iniquidade.
Talvez a gente novamente se veja obrigado a se vergar e ter que aceitar o imposto pelos que, decidem lá nos degraus de cima. Acatar cegamente é algo que nunca fiz na vida e não é agora, beirando o 64, que irei fazê-lo. Observo alguns que comungam de algo similar à minha linha de pensamento e ação, mas preferem se manter à distância. Cientes de como tudo ainda é decidido pela cabeça de alguém totalmente no desvio de algo dentro do bom senso e do pensamento coletivo, não se aproximam. Eu vou até onde consigo não vomitar em público, daí, vomito e, creio eu, o faça escrevinhando. Ah, se fosse relembrar as histórias passadas com este personagem. teria muito para relatar deste "real horroroso" dito pelo Galeano.
No mesmo livro, ele transcreve, "não se necessita ser Sigmund Freud para saber que não existe tapete que possa ocultar a sujeira da memória". Penso muito nisso e com o passar dos anos, com quase mais nada a perder, por que não produzir um amplo relato de tudo o que se sabe destes anos de estrada? Daria o que falar e, é claro, alguns processos. Poderia fazê-lo, como Galeano me ensina, citando também o pecado, sem o fazê-lo com o pecador. Mas será que assim, saberiam de que e de quem se trata? Creio eu, no mundo atual, com essa dificuldade toda de interpretação de texto, mesmo sendo explícito, nem todos entenderiam ou mesmo, muitos ainda duvidariam e continuariam a louvar quem lhes apunhala.
Continuo tentando. Não sou santo, também tenho as minhas histórias, mas nenhuma de malversação, nenhuma de negócio escusos, de rasteiras, negociatas e até como dizem, de barris com dinheiro enterrado num lugar incerto e não sabido. Enfim, como o escritor em voga vaticinou, "no Sul do mundo, ensina o sistema, a violência e a fome não pertencem à história, mas à natureza, e a justiça e a liberdade foram condenadas a odiar-se entre si".
Encerro com uma poesia de sua lavra, a O SISTEMA:
"Os funcionários não funcionam.
Os políticos falam mas não dizem.
Os votantes votam mas não escolhem.
Os meios de informação desinformam.
Os centros de ensino ensinam a ignorar.
Os juízes condenam as vítimas.
Oss militares estão em guerra contra seus compatriotas.
Os policiais não combatem aos crimes, porque estão ocupados cometendo-os.
As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.
O dinheiro é mais livre que as pessoas.
As pessoas estão a serviço das coisas".
E tenho dito. HPA, sempre tentando continuar sonhando.
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