quinta-feira, 11 de setembro de 2008

MEMÓRIA ORAL (47)
O POVO NA RUA: NA FEIRA, NO DESFILE E NA PARADA
Três manifestações de rua demonstraram claramente o quanto é importante levar o povo para as ruas. Ver o povo lotando nossas artérias, vê-los pulsando é contagiante e estar dentro dessa agitação é algo mais inebriante ainda. Estive em três recentes manifestações de rua aqui em Bauru e fiz uma junção de todas, provando que muito melhor do que ficar trancado dentro de um recinto fechado, conversando com pessoas via bate-papo virtual, vendo TV ou “fechado em copas” é estar pisando no asfalto de nossas ruas, no meio da multidão. Inebriar-se de rua é a solução para muitos dos problemas atuais da humanidade. Sendo assim, dá-lhe rua.

A feira dominical faz parte de minha rotina, seguindo um ensinamento pregado pelo presidente da Associação dos Feirantes de Bauru, Moisés Bastos, incentivador do lema, “pratique feiraterapia”. Pratico todo domingo e no dia 31/03, um barulho diferente se fazia ouvir desde cedo. Um agrupamento de mulheres invadiu o local, pregando o voto em mulheres nas eleições municipais que se aproximam. Conversava com Lilian Monteiro, militante do PSOL, dentro da Feira do Rolo quando a passeata passa por nós. Muitas faixas, palavras de ordem e candidatas somente de um agrupamento político. “Cadê a candidata a prefeita do meu partido? Não fazem campanha para todas as mulheres. Ali estão somente as de dois partidos e não estão sendo explícitas nisso”, salienta Lilian. Quem corrobora a mesma idéia é o jornalista Nilson Avante, com uma rosa na mão, em plena campanha pela candidata que leva o nome da flor, ameaça armar um barraco quando não vê nada de sua escolhida entre as flores presentes. Faltou só isso, uma explicação de que, para as do grupo ali presente, algumas não mereciam nem mesmo o voto delas. “Não dá para votar em certas mulheres, como não dá para votar em certos homens”, me diz uma mais exaltada. “Estamos aqui para pedir o voto em vereadoras e não para prefeita”, justifica outra. A festa armada na rua tenta passar por cima disso tudo, subindo e descendo a feira várias vezes.

O fato é que faltando um mês para o pleito eleitoral, a agitação maior na feira é a dos candidatos. Ali existe um público garantido e eles circulam por todos os lados. Numa outra rodinha, dois professores conversam animadamente sobre os destinos da cidade. São eles Dino Magnoni, da UNESP e Cido Salzedo, geógrafo da rede particular, ambos da esquerda, o primeiro no PC do B e o outro no PT. “A eleição não está ganha como ouço por aí. Precisamos sair desse embate de que o voto deve ser canalizado para o menos mal”, me diz um deles. Gritando praticamente ao nosso lado, uma vendedora de laranja, anuncia o seu produto e apregoa ser a única candidata feirante. Faz duas campanhas a plenos pulmões. O movimento é intenso e praticamente todos os candidatos estarão se trombando naquele e nos próximos domingos por ali. Muitos, como eu, não sendo candidatos a nada, estamos ali praticando a praticar a tal da “feiraterapia”.

Domingo seguinte, 07/09, a passagem pela feira é obrigatória. Bato cartão, mas dois outros eventos marcam o dia significativamente. O primeiro acontece paralelo à feira. Trata-se do desfile de Sete de Setembro, no distante Sambódromo. Vou para lá, com um cartaz feito à mão para tentar desfilar no Grito dos Excluídos, uma manifestação ampla, contendo críticas a muitas mazelas desse país. A passagem pela feira me faz chegar quando o grupo termina o desfile. “Acorde mais cedo, pois nesse ano não sai mais. Guarde a faixa para o ano que vem”, me diz a vereadora Majô, num pito muito bem assimilado. “Éramos poucos e logo a seguir um desfile de uma igreja evangélica, com mais de duzentas pessoas, todos com bandeiras, uniformizados e treinados. Vamos repensar tudo para o ano que vem”, conta Maria Luiza Carvalho, vice-presidente do Conselho da Condição Feminina, o grupo mais unido dentro do Grito.

Passaram pelo local mais de 2.500 pessoas, numa manhã onde os políticos também estiveram presentes e panfletaram com santinhos de mão em mão, sem aquela ostentação do passado. O carro chefe do desfile foi a apresentação das bandas das escolas SENAI e Liceu Noroeste. Dudu Ranieri, cacique político do DEM, o manager do Liceu acompanhou seus pupilos desde aconcentração até a dispersão. “Isso aqui é minha vida”, diz. Ambas as bandas dão um verdadeiro espetáculo para o público presente, com belas evoluções diante do palanque das autoridades. Música de alta qualidade, que aglutina as pessoas, lavando a alma dos presentes numa bela manhã de sol. Bato palmas para ambas as apresentações.

De lá, com um pequeno recesso para o almoço a atividade da tarde acontece em plena avenida Nações Unidas, coração da cidade. É a I Parada daDiversidade de Bauru, também conhecida como Parada Gay, mas que aqui ganhou uma outra conotação, com a adesão de vários agrupamentos de grupos que sofrem com o preconceito e a discriminação. A previsão é para umas 10.000 pessoas na rua. Quatro trios elétricos enfeitam a avenida, espalhando música. O público não para de chegar e um dos mais animados é um dos organizadores, Rick Ferreira, da boate Labirinthus. “A avenida está linda, colorida, festa pura para encher nossos olhos de emoção”, diz entre muita correria. O público não para de chegar e não é só de curiosos. Excursões vieram de várias cidades da região e por volta das 15h, o local da concentração já está entupido de gente.

Tatiana Calmon vinha com o carro quase vazio, viu a vizinha, a travesti Patrícia vindo a pé, parou o carro, fez a lotação e chegou bombando no local. “Ficar de fora disso aqui, nem pensar. Em casa, fazemos uma divisão. Sogra doente, o marido ficou cuidando dela e eu vim com a filha me divertir um pouco”, diz entre um gole e outro de uma cerveja. Tomo junto, a um grupo animado de velhos amigos e conhecidos, num encontro nada inesperado e mais do que oportuno. Formamos um grupo animado e descemos,“sem lenço e sem documento”, conclamando para os da calçada aderirem. “Vim com a filha, que curte outra coisa, mas veio ver como o pessoal de minha geração ainda sabe se manifestar. Isso aqui é o que fica, é o que dá prazer, estar na rua, feliz da vida”, conta Nilma Renildes Oliveira, professora da UNESP. Festa mesmo foi a feita com as tais máquinas fotográficas digitais, que na mão de muitos, não paravam de espoucar. Todos queriam fotos ao lado dos personagens do dia, muitos montados em fantasias das mais charmosas, como foi o caso de Esso Maciel, um reconhecido artista plástico, que saiu do seu exílio particular direto para as ruas. Pessoas como ele eram requisitadas a cada instante.

Não deve ter durado mais que duas horas a farra toda. A descida percorreu um quinhentos metros, mas a expectativa foi superada, pois tanto a imprensa como a Polícia Militar alardearam a presença de mais de 15000 pessoas. Foi um sucesso, em primeiro lugar, ver o povo nas ruas, lotando os espaços todos e querendo fazer festa. “Gente, a festa está muito linda, todos estão se divertindo, mas não vamos nos esquecer de uma coisa. Isso aqui é uma manifestação política, estamos marcando posição e o foco é esse”, diz alguém ao microfone, lá do alto de um dos trios elétricos. Terminado o percurso, todos continuam no Parque Vitória Régia e assistem shows no palco do local. A dispersão ocorre muito lentamente, pois ninguém parece muito disposto a voltar para casa e encarar a rotina diária novamente. Nos jornais distribuídos pelo Bom Dia, o slogan do grupo chama a atenção: “Somos, estamos, acostumem-se”, sendo a tônica entre os presentes.

De tudo o que foi presenciado, na feira, no desfile e na parada, uma grande lição: o povo clama por estar nas ruas, sacolejar a poeira do dia-a-dia, sair da rotina e quando ocorrem possibilidades de grandes concentrações, elas revitalizam a todos. Saio recarregado disso tudo e clamando por mais, sempre mais. Afinal, “não se leva nada dessa vida” e ter histórias para contar é primordial, e essencial. Já penso aonde poderei estar nas ruas na próxima semana, ainda mais sabendo que reencontrarei gente da minha "laia". Festeiros conscientes.

5 comentários:

Anônimo disse...

A festa realmente estava linda, e como nos divertimos..... Como é bom reencontrar amigos. Mo tempo que nao via a Sueli, a Nilma (alias, fiquei de cara com o tamanho da Marilia). Fiquei super feliz.

Anônimo disse...

OLHA TEM FOTO SUA NA PARADA GAY
KKKKKKKKKKKK
DANIEL MARCOS - PROENÇA DESIGN

Anônimo disse...

Nossa, demorei para reconhecer, mas é mesmo o Esso Maciel naquela foto dançando no meio da rua.
Só de saber que ele continua forte e em plena atividade, eu daqui de tão longe, aplaudo tudo o que aconteceu aí em Bauru.
Seba, de São Paulo

Anônimo disse...

Caro Henrique:

Parabéns pelo 'Mafuá' e, em particular, pelo post "O povo na rua...".
A passeio na feira, com direito a pastel e tudo, fez parte de minha rotina durante anos... assim como as passeatas, os atos públicos. Por preguiça, no primeiro caso, por desilusão, no segundo, me afastei de ambos. Os passeios pela feira tornaram-se esporádicos...e eu nem fiquei sabendo da Parada! Não sei se perdaram alguma coisa importante... eu perdi.

Um abraço,
Almir Roberto ribeiro, prof.

bonequinho / EXTINÇÃO DISCOS disse...

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Sou do grupo bonequinho e acabamos de fazer um curta com o Esso Maciel:
youtube.com/watch?v=cTsVgVY1rNw

Saúde,
bonequinhologia.blogspot.com