ANA E JUDITH, DUAS PROFESSORAS E SEUS RELATOS
Terceiro relato do dia 14/03/2008, sexta, o 7º dia em Cuba, de um total de 19. Estamos, eu e Marcos, em Santa Clara, nossa primeira incursão pelo interior da ilha, após 5 dias na capital, Havana. Após o entusiasmo com os estudantes na praça, caminhamos para o lado oposto ao que estávamos. Subimos as escadas da antiga sede do Governo Provincial, absortos pela grandiosidade da construção e quando demos por si estávamos diante de Ana Delia Monteaqudo, diretora da Biblioteca Provincial Marti, 44 anos e 26 trabalhados naquele local.
Sua simpatia em nos receber foi envolvente e fui anotando algumas de suas frases no papo em sua sala: “A coisa mais importante em Cuba é o ser humano. (...) Santa Clara é a região de Cuba que mais possui bibliotecas. (...) Para o nino toda a atenção. Não existe um só nino sem estudar em Cuba. (...) Nesse país só não estuda quem realmente não quer. Até nossos detentos cursam universidades, tendo seu tempo ocupado com coisas boas. (...) O cubano que sai para trabalhar fora do país, como os médicos, voltam mais fortalecidos, pois vivenciam os problemas sociais do mundo, que aqui não existem. (...) Quando fui num curso no Chile, estive num lindo hospital, com tapetes lindos e só me atenderiam se tivesse dinheiro para pagar. Aqui nada pagamos pela saúde e educação. (...) Raul diz que teremos que trabalhar mais para continuar possibilitando isso. A superação é muito importante. Conduzir o processo é muito difícil. Não podemos permitir retrocessos, existe uma grande batalha contra isso. O caminho é sempre muito difícil, mas temos que seguir sempre caminhando”.
Seu relato de vida nos contagia. Começou trabalhando na limpeza do local, esfregando o piso, acreditou no que fazia, estudou muito e hoje é a diretora. Algo de seu relato, da mesma forma que nos impressionou, também a ela, quando ouviu de seu filho: “Ele tem 13 anos e me mostrou a necessidade do turista vir até aqui, consumir, gastar e trazer divisas para nosso país. Impedindo que o turista entre, deixamos de receber divisas. Gostei demais de suas conclusões. Esse é um dos nossos maiores problemas”. Somos apresentados a outras professoras, Marta, Norma, Judith e Cristina.
Judith Quesada Mirauda, 66 anos, foi mestra de todas as demais ali presentes, também nos fez um relato dos mais apaixonantes sobre o trabalho realizado por elas nas prisões, envolvendo literatura, debates, pintura, dança e o principal, um trabalho com a família. “Imaginem um trabalho em cima da Divina Comédia de Dante e o Pequeno Príncipe. Fazemos isso. Preparamos para o salto em suas vidas quando retornarem à liberdade. (...) Os EUA proclamam tanta igualdade, mas não a praticam. O discurso nosso não pode ser o dos outros. A tarefa primeira da revolução foi alfabetizar. Hoje a ilha inteira é uma grande universidade. O fenômeno de nossa cultura se dá de forma comunitária. (...) Quando adentramos uma nova área a ser conquistada, nada deve ser imposto violentamente, pois dessa forma tudo é mais difícil. Vamos explicando devagar, com calma, paciência, usando muito a razão. (...) A tarefa educacional é muito linda, mas muito dura. Aqui se fala, se conversa de tudo, isso com Fidel e continuando com Raul. (...) Estudo, trabalho e fuzil foi o meu lema durante muito tempo. Cada país tem sua realidade e não se pode copiar um do outro. Hábitos de um povo não se modificam de um tempo a outro. Trabalhar com a tradição de um lado e a medicina de outro. (...) Em uma guerra tem que haver disciplina. Um barco tem que ter um comandante”, conta a professora Judith, licenciada em Economia e morando numa casa construída em 1810.
Desde que chegamos foi esse um dos momentos mais maravilhosos vividos em Cuba. Tivemos uma verdadeira aula, ou melhor, duas aulas, primeiro com Ana, depois com Judith. Voltamos para o hotel por volta das 19h15, levando para o quarto um tradicional refresco de limão (dois pesos) e na cabeça a confirmação de que o sonho da ilha é mais do que possível. Trata-se da mais pura realidade. Precisavam ver a cara de contentamento do Marcos. Ele não se continha. Dia cansativo e na programação para amanhã, uma visita a uma escola logo às 8h. Dormimos como anjos, coisa que decididamente nunca fomos.