FRASES DE UM LIVRO LIDO (32)
NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM – JORGE AMADO
Existem livros que você acaba gostando mais do que outros. Esse um deles. Li quase todos do Jorge Amado e o “Navegação de Cabotagem” (editora Record 1992), um catatau de 640 páginas, relatando “apontamentos para um livro que jamais escreverei”, trata-se de breves relatos, trechos vividos sem ordem cronológica, mas todos saborosos e com a visão de mundo do escritor baiano e comunista. Ainda do livro, ele mesmo resume tudo numa curta frase: “Trata-se, em verdade, da liquidação a preço reduzido do saldo de miudezas de uma vida bem vivida”. Curtam as frases que fui grifando quando o li pela primeira vez, em 1994. Tudo é muito saboroso no texto de Jorge, algo inebriante para começar bem um novo ano:
- “não há flor bonita em campo-santo”.
- “Minha honra e meu orgulho consistem em saber, de certeza absoluta, que num regime comunista, numa sociedade socialista, jamais, jamais, nunca jamais, um preso poderá ser submetido à tortura: intelectual, moral, muito menos física. Meu espanto, meu pasmo provoca chalaça, debocham de minha santa ingenuidade, devo ser o último dos idiotas, quem não sabe que a tortura come solta?”.
- “...amigo é para as coisas difíceis, para as fáceis não faz falta a amizade”.
- “Pensar pela própria cabeça custa caro, preço alto. Quem se decidir a fazê-lo será alvo de patrulhamento feroz das ideologias, as de direita e as de esquerda e as volúveis: há de tudo, e todas implacáveis. Ver-se-á acusado, xingado, caluniado, renegado, posto no pelourinho, crucificado. Ainda assim vale a pena, seja qual for o pagamento, será barato: a liberdade de pensar pela própria cabeça não tem preço que a pague”.
- “...ao se ver à venda objeto que se deseja comprar, deve-se comprá-lo de imediato. Deixar para depois, para mais adiante, corre-se o perigo de nunca mais encontrar o que tanto se queria possuir”.
- “...para mim esses panos que as mulheres amarram no peito para esconder e deformar os seios são peitorais medievais e na maioria feios. (...) Os seios devem viver soltos sob o vestido, a blusa, a bata. (...) Soltos sob o vestido, ainda mais desejáveis do que na exibição do top-less”.
- “...o grande homem pode diminuir em anão quando o vírus do mando – ainda que seja nesga ínfima do poder absoluto – lhe invade o sangue e lhe atinge o coração. (...) Mais além da merda chegaremos à relva de flores, ao rio de águas puras, à decência do homem”.
- “...artigo positivo ninguém perde tempo e selo de correio com envio e comentário”.
- “Um escritor que se preza não escreve para obter prêmios e, sim, para se comunicar, dizer e refletir, considerar, compreender, recriar a vida, servir ao homem”.
- “ Sou deveras incompetente, inepto, a lista das coisas que todo mundo sabe fazer e eu não sei é longa. Aqui inscrevo apenas alguns exemplos: não sei dançar, assoviar, nadar, multiplicar, dividir por mais de dois números, empregar os verbos, pronunciar corretamente, dirigir automóvel (mas já soube andar de bicicleta com razoável equilíbrio). Não sirvo pra grande coisa”.
- “Entre libertador e conquistador a distância é pequena, não cabe um passo de soldado”.
- “...a adaptação de um romance para qualquer outro meio de comunicação é sempre uma violência contra o autor”.
- “...o medo leva a misérias, a baixezas: o medo e as gorjetas”.
- “Nada mais cansativo, mais estafante, mais terrível do que as reuniões ditas sociais, coquetéis, recepções, jantares, festinhas, outras chatices semelhantes. A obrigação de ser inteligente, os convidados esperando as frases de efeito... Fico apavorado se não tenho jeito de escapar... Emburreço por completo, dá-me aquela inibição, emudeço, perco o dom da fala, ainda mais parvo que no dia-a-dia”.
- “...não sei de prazer maior que o de ler poesia com a namorada, em conluio”.
- “Gosto demais da palavra amigação, usada para nomear o que o código de família denomina concubinato, tenho aversão à palavra concubinato, má e feia, filha do preconceito e da discriminação”.
- “No Brasil, o sucesso é ofensa pessoal. A inveja, a calúnia, a salafrarice são dogmas das elites, prática da inteligentzia; do povo são o louvor e o bem-querer”.
- “...os melhores e os piores homens que conheci e com quem tratei militaram nas fileiras comunistas, os mais dignos, os mais sórdidos”.
- “...se piso na lama, limpo os pés, sigo adiante. (...) Todos nós sabemos quem no Brasil significa o progresso, revolução, quem é o atraso, palavrório, reacionarismo em todas as latitudes das doutrinas, à direita e à esquerda”.
- “De letra se deve tirar cadeia e exílio, bancar o herói não paga a pena”.
- “Foi válida a luta que nos coube lutar por mais grosseiros e terríveis tenham sido os erros cometidos”.
- “Em tão longa e difícil travessia quem não se fere e não se suja?”.
- “...a carga dos mortos que carregamos no cangote pesa e cansa, nossos mortos, homens e bichos, não faço distinção. (...) As palavras não curam o reumatismo”.
OBS.: Passo por um dissabor muito grande com meu exemplar do "Navegações...". O livro foi invalido e ultrajado por famintos cupins de terra, que profanaram uma de minhas estantes, causando furos de fora a fora nas suas mais de 600 páginas. Antes do descarte, transcrevo as frases grifadas e saio, a partir de amanhã, em busca de novo exemplar para preencher o espaço, o vazio deixado. Como é difícil para mim descartar um livro. Ele permanece dias dentro de um saco plástico e uma dó imensa me acomete até o momento do desenlace final, que ainda não tive coragem de fazer. Vou remediando, criando coragem e assim sendo, continuo a folhear suas furadas páginas. Me comem os livros e nem o lêem, uma pena!
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
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5 comentários:
Henrique...Feliz Ano Novo pra vc e seus familiares.Abracos.
Henrique,
Como sempre seu bom gosto literário nos contagia.
Jorge Amado,é tudo de bom...
Que presentão, esse texto inebriante para iniciar o ano!
Feliz Ano Novo,pra você e sua família.
Um beijo.
Maria José
"AMIGO É PARA AS COISAS DIFÍCEIS, PARA AS FÁCEIS NÃ FAZ FALTA A AMIZADE".
EXISTE DE LINDO, ISTO?
Henrique
Mais um livro comido pelos cupins.
Confesso a ti meu amigo, se tivesse esse na minha estante levaria de presente para ti, pois teria certeza que o amaria para sempre. Sinto o mesmo que ti ao me desfazer de um livro. Somos da era dos papéis.
Rosa Maria
oi querido henrique
querosene na estante é tiro e queda pra os cupins... já passei por isto. também não tenho este livro pra te preencher o espaço vazio. beijo da ana bia
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