quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

MEMÓRIA ORAL (78)

UMA SILVA E A LABUTA DO SEU DIA-A-DIA
As histórias da família Silva são infindáveis, talvez por serem uma das maiores desse país, já proporcionando até presidente da República. A grande maioria dos Silva são gentes de fibra, de luta, de muita resistência e uns eternos batalhadores. E são tantos, que a cada nova história, uma mais inebriante que a outra, relatos de uma persistência em busca da sobrevivência como dignos seres humanos. Dessa feita me envolvi com uma história vivida por uma nobre representante dos Silva, a Maria Helena, uma senhora grandalhona e lutadora, que aos 58 anos, divorciada, comanda uma barraca de lanches diante do mais movimentado hospital da cidade de Bauru, o HE – Hospital Estadual, sob supervisão do Governo do Estado de São Paulo.

São quase oito anos de muita labuta, desde que, com a inauguração do hospital, conseguiu a duras penas se fixar com uma barraca de lanches, junto com outros tantos, primeiro numa das avenidas laterais e depois, com novas determinações, tanto da Prefeitura, como da direção do hospital, sendo instalada quase em definitivo numa baia de estacionamento de carros, no prolongamento da avenida Nações Unidas, caminho do Zoológico Municipal. O lugar pode ser considerado privilegiado, pois desaguam diante das barracas, por um movimentado portão lateral do hospital, quase toda a imensa legião de assistidos diariamente em atendimentos variados.

O movimento incessante de pessoas não reflete diretamente em altos lucros, longe disso, pois dona Maria Helena, sua diariamente das 6h30 até por volta das 19h, de segunda a sexta, para continuar abiscoitando os fregueses menos abastados, os que deixam de consumir em duas lanchonetes internas do hospital. “Tem gente que passa o dia inteiro aqui no hospital e na grande maioria são de fora, vem em grupos, famílias inteiras. Quem já conhece a gente vem consumir aqui fora, pois o custo é mais da metade do preço do que é cobrado lá dentro. Imagine uma família de cinco pessoas, com o dinheiro contado, tem mais é que vir comprar aqui fora? E conquistamos uma clientela porque oferecemos um produto bom, nosso salgado vem todo pronto da Casa do Salgado, com certificado de higiene e tudo”, nos conta mostrando os papéis da Higiene em relação aos salgados.

Ali defronte o Hospital, nessa baia de estacionamento são cinco barracas, um carrinho de caldo de cana e uma perua Kombi com carroceria aberta, também de lanches. E todos nesse vai-e-vem, numa incerteza de não saberem ao certo se continuarão com as portas abertas na semana seguinte. “O que a gente queria mesmo é uma definição da Prefeitura, uma certeza de que poderíamos ficar por aqui, pois já não sou mais nova e perdendo esse espaço, vou fazer o que da vida? Eles precisam nos dizer se vamos ou não ficar em definitivo, pois isso tudo deixa a gente doente. Sofremos denúncias infundadas e provamos que fazemos tudo com muita higiene, mesmo não tendo água encanada e luz elétrica. Trago ali de casa, pois tive que me mudar do jardim Silvestre para cá. Aluguei uma casa aqui pertinho e aluguei a minha lá, pois não agüentava a distância. Com o alvará podemos pedir a ligação de água e luz”, relata Maria Helena.

A cada momento surge um problema novo e ninguém dentre os instalados por ali estão tranqüilos. A última foi uma solicitação verbal feita por funcionário da Prefeitura para que saíssem da baia e ficassem numa área adiante, na beirada da calçada, debaixo placas bem claras: “Proibido Estacionar”. Alertadas por funcionário do DER – Departamento de Estrada de Rodagem não saíram do lugar, pois sua fala foi bem clara: “Se saírem tiramos vocês daqui, pois aí já é conosco, estarão em lugar proibido e isso não teremos como tolerar”. E assim sendo, todos que estavam praticamente prontos para nova mudança, permaneceram em seus locais, com as incertezas todas renovadas. “Ninguém aqui tem sono tranqüilo, pois quando não é um problema é outro”, continua relatando Maria Helena.

E o estacionamento do lado de fora do hospital também foi dificultado há pouco mais de um mês. Do outro lado da rua paravam carros de pacientes e ambulâncias de outras cidades, debaixo de frondosas árvores, todas cortadas, mas agora estacionar na avenida é proibido e os que se recusam a pagar pelo estacionamento dentro do hospital, acabam parando muito distante, em ruas no bairro próximo ou abrindo brechas no mato, em terreno ali defronte. Tudo improvisado e a cada mudança, o fluxo do movimento de pessoas nas barracas diminui. Mesmo assim, percebe-se que muitos já conhecem o caminho e acabam consumindo algo para comer ali mesmo nas barracas, como se fosse uma espécie de única alternativa.

Justo nesse dia, Maria Helena passa mal ali diante do imponente hospital, mas ali ela não pode ser atendida (não existe pronto atendimento, só agendamentos). Pela manhã soube do falecimento de uma prima, juntou o stress do dia-a-dia, o calor por ficar embaixo de uma barraca praticamente o dia todo e quase precisou fechar mais cedo. Nesse momento, todas as outras vieram em seu auxílio, uma ficou tomando conta do seu negócio, enquanto era levada para o hospital, diante do olhar atônico de um paciente que comia lanche por ali: “Com um baita hospital aqui, menos de cem metros, precisa ser levada para o lotado Pronto Socorro lá no centro da cidade”.

E assim foi feito, Maria Helena entrou no carro de um conhecido, deixou tudo na confiança das outras amigas de labuta e foi levada às pressas para um atendimento médico. Por ali a rotina continua a mesma, já passava das 16h e da janela do carro, ainda levantou a cabeça e disse para quem quisesse ouvir: “Esse é o nosso dia-a-dia. É dessa forma que a gente ganha o nosso ganha pão. Somos lutadoras, batalhadoras e exigimos respeito. Queremos é continuar trabalhando com dignidade, pois fazemos isso há quase oito anos e sem reclamações. Seria tão fácil resolver isso para a gente, não?”. E lá se vai essa Silva, que amanhã, com melhora ou não em sua saúde precisará abrir às portas de seu pequeno negócio às 7h da manhã. Os Silva são assim, incansáveis.
OBS.: Maria Helena foi até o Pronto Socorro e na demora no atendimento (mais de três horas), foi levada pelos irmãos ao Prontocor e lá pernoitou. Ontem, terça permaneceu em casa, em recuperação, porém sua barraca funcionou com o auxílio de parentes e amigos.

3 comentários:

Anônimo disse...

ADOREI A MATÉRIA MUITO BEM JOVEM, MAS SERÁ QUE ISSO SERÁ RESOLVIDO????
ABRAÇOS

MARCO ANTONIO SANTANA

Anônimo disse...

Olá, Henrique ! Após ler sobre um dos Silva conclue-se que dona Helena e muitos deles vivem por si só . Tudo em volta existe pr dificultar e fazer valer a lei. É assim que vivem muitos Silva e outras familias , por conta ppia, entregue a sorte, buscando sobreviver por teimosia ( como dizia a mãe de Lula ). Parabéns, mais uma vez Henrique. Vc dá rosto e vida a aqueles que há muito deixaram de ser vistos.Dona Helena é uma guerreira exemplar.Abraços.
Vera Tamião

Anônimo disse...

Meu querido amigo Henrique, este Mafuá tá demais!!!!
Adorei as histórias de vida da Fátima, Maria Helena, o artigo sobre o Haiti e a abordagem sobre o jogo do Noroes, incluindo a torcida Sangre Rubro. Parabéns pelo seu trabalho à frente deste blog, onde vc, além de postar artigosimportantes ainda contribui para resgata a autoestima de pessoas simples da sociedade. Parabéns!
Ademir Elias.