UMA DICA (55)
DOIS FÓRUNS, O URBANO MUNDIAL E O SOCIAL URBANO, RIO EM 24/03
À trabalho no Rio de Janeiro é inevitável presenciar o que acontece pela cidade e estar por lá e não ir aos dois Fóruns, ambos ocorrendo simultaneamente na sua quase revitalizada zona
portuária é coisa que pode passar batido para muitos, não para mim. No dia 24/03, quarta, corri com meu trabalho e fui presenciar o que rolava em ambos. Quem primeiro me deu o toque, foi o amigo Latuff, que no dia anterior já havia me dito da importância de lá estar. Fui e fiquei o dia todo, até não mais poder e os pés doerem pelo cansaço e as mãos pelo peso dos papéis que fui juntando. Primeiro a ansiedade por vivenciar algo único, a possibilidade de estar ao lado de gente do mundo todo, numa babilônia de difícil
repetição. Tentei me comunicar da melhor forma possível, em português ou no espanhol macarrônico (farei um curso ainda este ano), pois meu inglês é quase nulo. Perdi muita coisa por causa disso e me redimo, mea culpa, pois oportunidades houveram e sempre as desperdicei. Depois,
pela possibilidade de
vivenciar problemas urbanos nacionais, todos discutidos à luz do mesmo pensamento e entendimento que o meu.
Primeiro, é claro, o
5º Fórum Urbano Mundial, que esse ano ocorreu no Rio, no período de 22 a 26 de março. Para lá foram atraídos mais de 16 mil inscritos e um outro tanto de gente que fez inscrição na hora. O tema foi “O direito à cidade: unindo o urbano
dividido”. Já de cara algo que me tocou, quando num folheto li que “o propósito de fechar as lacunas existentes em muitas áreas da vida cotidiana das cidades, como o abismo entre ricos e pobres, entre governos e autoridades municipais e entre governo, autoridades municipais e entre governo, autoridades locais e legislação, no que concerne às
questões de gênero e juventude”. As cidades crescem, geram riquezas e isso gera cada vez mais, resíduos e poluição, em outras, estagnação, decadência urbana e aumenta da exclusão e intolerância social. Discutir isso e propor soluções é tudo de bom. Sei que o “oba-oba” nesses locais são mais do que inevitáveis, sendo o mais importante extrair o máximo de situações que vão se criando nos contatos feitos. Logo de cara, um grande burburinho pelos corredores, pois presencio a diretora-executiva da
ONU-HABITAT, Anna Tibaijuka e o ministro do Interior brasileiro, Márcio Fortes percorrendo os estandes.
Ouço uma parte dos discursos, mas o que me detém mesmo é a presença de gente do mundo todo. Vou andando e conversando com vários, desde franceses, africanos das mais
variadas nacionalidades, afegãos, l
atinos mil e gente de rincões nunca imaginados, como Arábia, Madagascar, Kwait, Paquistão e tantos outros. Fujos dos estandes onde visualizo aquelas obras feitas com o claro intuito de benefício político. Os EUA, Israel, alguns países europeus e até latinos tentam nos fazer engolir gato por lebre. Não caio mais no conto do vigário, pois sei que na maioria das vezes, onde existem entidades arrecadatórias
mundiais, sem controle, muito se mostra de realizado, mas pouco deve ser o realmente feito. Vou juntando folhetos e CDs de todos e irei lendo aos poucos, separando o verdadeiro joio do trigo. Espio palestras e conferências, sem me ater a nenhuma em específico. Trago muitos (mas muitos mesmo), folhetos de variadas experiências mundo afora, que irei selhecionando e distribuindo para os que acredito, possam fazer
deles uma melhor utilização que a minha. Pude presenciar a divulgação de muita coisa boa sendo feita e poder compartilhar disso será gratificante. A não compreensão do homem convivendo pacificamente dentro de um moderno condomínio fechado, tendo ao lado de fora do muro uma favela é o que move em busca das soluções. Para mim, elas não existem dentro do capitalismo, pois ele favorece e incentiva cada
vez mais a divisão de classes e a exclusão social. Porém, buscar soluções vindas de outros rincões é algo que não pode ser desperdiçado. Sai de lá com um grande nó na cabeça e buscando algo de concreto nas coisas que irei lendo e folheando nos próximos dias
Atravesso a avenida Rodrigues Alves, com seus barracões
portuários em transformação, ando mais um pouco e adentro a avenida Barão de Tefé, na Saúde, onde encontro um imenso barracão a abrigar o Centro Cultural de Ação à Cidadania (a entidade que leva a cara do Betinho). Ali esteve abrigado a versão tupiniquim, ouseja, o
Fórum Social Urbano, também conhecido por lá como dos Movimentos Sociais. No título do mesmo, “Nos
bairros e no mundo, em luta pelo direito à cidade, pela democracia e justiça urbanas”, meu interesse cresce. Buscava isso mesmo, um espaço popular de debate sobre as cidades e estava diante de uma concreta versão, bem diante de outra, a promovida pela ONU. Não vi no outro a possibilidade da participação dos setores mais populares da população e aqui todos representados. Pronto, estava em casa.
Circulei por todo seu
espaço, até com mais desenvoltura que no outro, cheio de pompa. Tudo aqui mais simples, desde o crachá e o credenciamento. Senti pelas conversas, todas travadas em português, que ali ocorria uma rica troca de experiências e até o “fortalecimento das articulações entre coletivos de movimentos sociais e organizações que discutem a cidade e lutam por uma sociedade igualitária no mundo inteiro”. Os debates estavam
divididos em quatro eixos temáticos: Criminalização da pobreza e violências urbanas; Megaeventos e globalização das cidades; Conflitos socioambientais na cidade e justiça ambiental e Grandes projetos urbanos e lutas em áreas centrais e portuárias. Chego no momento em que no palco principal acontecia um debate sobre a falta de participação popular nas decisões sobre os investimentos bilionários em grande projetos de marketing urbano, citando como exemplo prático o do Pan no Rio. Essa questão esteve no coração do projeto "Cidades para as pessoas, não para o
lucro", do qual consegui aproveitar boa parte. Depois fui circular pelo espaço, indo até a área de alimentação, com barracas simples cedidas a entidades de lutas dos direitos, principalmente da Baixada carioca. Em cada banca, um militante pronto a conversar e expor um ponto de vista sobre o momento. Na de camisetas, um ativista a vender as mesmas; na de filmes, todos de temática social, na de roupas e artesanato, um cadinho de várias experiências concretas junto a comunidades pobres e na do SindPetro, a eterna luta do “Petróleo tem que ser nosso”. E a cada dia, tudo encerrado com shows
populares e a reunião de todos os presentes, numa confraternização de valores e interesses em comum. Arrastando duas bolsas (a de trabalho e a com folhetos do evento - essa muito
mais pesada), fiquei até quando deu e pude aguentar. Material para debate e aprofundamento teórico trouxe bastante. Espero ter tempo para fazê-lo, como tento nesse momento, num final de tarde dominical com muita chuva caindo lá fora.
OBS.: Nas fotos, todas minhas, as do lado esquerdo, do Fórum Social Urbano e do lado direito, do Fórum Urbano Mundial