“E NINGUÉM VAI AVISAR A POLÍCIA...” – REPERCUSSÕES DA 1ª FESTA BOLIVARIANA DE BAURU, UMA HISTÓRIA PARA INGLÊS (NÃO SERIA PAULISTA?) VER
A idéia nasceu de um comentário feito via redes sociais, vindo de uma conhecida militante social bauruense, Tatiana Calmon: “Que inveja, a cidade de Ourinhos vai ter uma Festa Bolivariana e aqui nada”. Pronto, bastou isso para o tema ir fomentando discussões variadas e dentre os prós e contras, quando alguns mais ousados brincaram daquela forma resvalando em algo bem impertinente, beirando as raias do desagradável, foi o bastante, nascia ali a 1ª FESTA BOLIVARIANA DE BAURU. Esse que vos escreve, HPA inicia algo buscando aquecer as turbinas de todos aqueles que, estavam até dias atrás nas ruas e na campanha pela reeleição da presidenta Dilma, para que não abandonassem seus postos e se engajassem também nessa nova contenda.
“Sim, foi demais da conta isso de denominar tudo e todos com alguma conotação esquerdista de bolivariano. Nesse balaio cabíamos todos, mas o fizeram de forma pejorativa, com explícitas demonstrações de intolerância do tipo, ‘vá morar em Cuba’, ‘essa petralhada é tudo farinha do mesmo saco’ ou mesmo ‘comunista pdp’. Algo precisava mesmo ser feito”, escrevi. E foi. Eu e Tatiana pensávamos num lugar, algo intimista para começar a fomentar a discussão desses novos tempos, onde após a eleição algo a mais foi acirrado, incentivado e floresceu, vigorando uma permissividade de insultos, provocações e até mesmo achincalhes a tudo o que beire à luta social e desmerecendo o passado de luta e resistência. A escolha da casa de um antigo militante bauruense, professor de História, ex-presidente do Diretório Municipal do PT não foi por acaso. Oscar Fernandes da Cunha seu nome e do local onde reside outro problema, o Núcleo Residencial Presidente Geisel. Quando pensávamos que isso seria um problema, o próprio Oscar, aceita prontamente a realização em sua casa e diz que no convite poderíamos citar assim: “Rua tal, nº tal, bairro Ernesto G”. Pronto, pegou o espírito da coisa no ato.
O próximo passo foi decidir pela data para o mais rápido possível, daí dia 29/11, um sábado e fomentar a divulgação por todos os meios alternativos possíveis. Primeiro pelas redes sociais, por e-mail e depois pelo boca a boca. Nem precisa dizer que a cada novo post na internet, a discussão foi se acalorando. Mesmo os que não votaram em Dilma, mas não acirraram a questão para os lados mais bestiais do ser humano, tratavam o evento com certa ironia. “Vou se prometerem não me colocar num paredón”, escreveu Ricardo Coelho, engenheiro e da turma dos que desmerecem o PT em tudo, enxergavam mudança em Aécio, mas ainda aceitam brincar com o tema. O pior de tudo não veio daí e sim, quando um cartaz foi feito, após uma imagem bem apropriada ser gileteada via internet e produzido a mão e com as informações bem detalhadas da festa. Chegou às mãos de quem ainda não brinca nem um pouco com a questão. Resultado, o pau começou a comer.
Dentre outras provocações lá está uma: “Quem é de Bauru e região, por favor, divulgue isso e avise a Polícia! Essa imagem está rolando na internet”. A repercussão ajudou a esquentar ainda mais os tamborins e não arrefeceu os ânimos, aliás, os aguçou. Kizahy Baracat Neto, militou politicamente nas quebradas do movimento social em Bauru até 27 anos atrás, quando se mudou para Curitiba e não mais voltou, deixando por aqui inúmeros companheiros de convivência e mesmo ideal político. “Decidi vir e postei para todos tomarem conhecimento da passagem de ônibus de Curituba para Bauru”, diz. Não foi o único. Duílio Duka de Souza, professor de História aposentado, hoje residente em Botucatu, distante 100 km de Bauru, teve um enfarte há coisa de um mês e meio, ainda em resguardo, mas decide: “Vai ser meu retorno à vida política depois do problema que tive. Não posso ficar de fora dessa”. Na cidade a novidade ferveu, não saiu estampada em nenhum órgão tradicional da mídia, mas em todos os possíveis e imagináveis dos seus alternativos meios.
Convites foram impressos, distribuídos e por meros R$ 10 reais a entrada, com direito a um tradicional putchero, especialidade do Oscar, o dono do local da festa. Cada um traria uma bebedinha e junto disso, pedidos para trazer LPs, CDs com músicas dentro do padrão bolivariano de qualidade. “Resgatei Belchior, Taracón, Raízes da América, Mercedes Sosa, Fagner dos bons tempos e muito mais”, disse o produtor cultural Guilherme Reis. Ainda do cartaz o aviso, “Bauru nunca mais será a mesma...” e mais outro, respeitado e seguido pela maioria, o “vermelho é sempre bem vindo!”. A idéia era não abrigar não mais que sessenta pessoas, para não tumultuar a casa, vizinhos e nem possibilitar algo que fugisse do controle. Tudo a contento, assim foi feito e chegou o grande dia. E o povo foi chegando e chegando, totalizando aproximadamente umas cinqüenta pessoas. Na entrada, Duílio Duka estende um imenso cartaz, mandando fazer por ele com a reprodução do convite.
Muitas das mulheres presentes homenagearam uma personagem com cara de bolivariana, a mexicana Frida Kalo. “Foi a maior concentração de Fridas do interior paulista”, disse professora universitária Ana Bia Andrade. Ela, Tatiana, Helena Aquino, Rosângela Barrenha, Neiva Santos e outras tantas envergando sem nenhum despudor a cor vermelha em suas vestes. O putchero do Oscar fez o maior sucesso e servido em pequenas cumbucas, com cada um se servindo, rendeu boas conversas e receitas distribuídas aqui e ali. O entra e sai foi grande e dentre tudo, as histórias que rolaram. No meio da tarde, quando tudo estava ainda sendo formatado, eis que uma distinta senhora, Vera Padilha faz contato. “Queria tanto ir, mas não sei como chegar, tenho medo de me perder”, escreveu. Foi o bastante e um esquema foi montado para ir buscá-la (e depois devolvê-la intacta) em sua residência. E ela foi uma das que mais se divertiu, circulando de mesa em mesa, toda radiante e ao final disse em alto e bom som: “Quero mais, me convidem para outros eventos dessa natureza. Tive meu pai cassado em 64 e sei muito bem o que é isso de perseguição política”.
As histórias de uns e outros emocionavam. Num certo momento, casa já cheia eis que aparece um jovem no portão e olhando para os lados. “Estamos em cinco, minha amiga viu pela internet e queremos saber se podemos participar?”. Claro, foram recebidos e papearam a noite toda e só quando se foram, alguém indagou: “Ninguém perguntou o nome deles e acho que nos esquecemos de cobrar o valor da entrada”. Bolivariano prova assim, ser muito solidário com quem lhe faz chamego. Eles, pela simpatia irradiada fizeram isso. Daniel Hector Fernandez, argentino radicado há décadas em Bauru veio com a esposa e quando instigado sobre essas questões dos confrontos de hoje foi claro: “Quando da Copa, diante do que muitos fizeram com os argentinos acabei bloqueando meu facebook, fiquei um mês fora do ar, mas agora não, preferi discutir e enfrentar todos os que postavam algo onde via embutido a intolerância”.
A parte musical deixou a desejar. O aparelho de som não funcionou (o que não vem a ser nenhuma novidade), mas quem resolveu tudo foi o músico Júlio Miguel, uma viva réplica bauruense do herói dos quadrinhos Wolverine. Sacou do providencial violão, sempre no porta-malas do carro e encantou a todos. As preferidas, além das canções de fundo ideológico foram os clássicos de blues e estradeiras, suas preferidas. Ao seu lado, o estudante de História na vizinha Marília, Tales Freitas que adentra o local com uma suspeita mala, despertando curiosidades, algo só desfeito ao abri-la e lá os apetrecho para ligar o tal violão eletricamente (ufa!). A cantoria só não se prolongou mais porque Oscar, o dono da casa foi obrigado a bater o pezinho no chão: “Pô, ficamos sem incomodar os vizinhos até quase meia noite e agora, quando tudo parecia calmo, vocês começam. Bolivariano é do contra mesmo, hem?”.
O ferroviário e vereador petista Roque Ferreira trouxe alguns livros para distribuir, todos com a temática de sua facção partidária, o da Esquerda Marxista, mas esteve tão entretido em conversações outras, que acredito acabou esquecendo da literatura em cima de uma mesa, nos fundos da festa. Num certo momento a festa estava dividida, as mulheres na parte interna e num burburinho tamanho e na parte externa, na calçada os homens. Assuntando nessa roda externa, o militante e hoje aposentado Valdir Ferreira de Souza, relembrava de velhos tempos e hoje com mais tempo disponível para estar nas ruas e lutas dizia: “Tenho história para contar, participei de várias lutas e não me arrependo de nada. E te digo, estou pronto para outras tantas. Esses tempos que o digam”. E quando Oscar ligou seu enfeitado rádio com músicas ao estilo Violeta Parra, mereceu um sagaz comentário do Guilherme, vendo nele inscrições em chinês: "Essa a homenagem do Oscar ao camarada Mao".
Não deu para ir juntando todos os diálogos, uma pequena participação que fosse dessas 50 pessoas que lá estiveram, pois tudo foi ocorrendo de forma dispersa, tudo ao mesmo tempo. No final, quando muitos já haviam se debandado e uns poucos resistiam ainda conversando na calçada, na quente e abafada madrugada bauruense, o ex-bancário Cláudio Lago, outrora um inveterado agitador de movimentos grevistas em Bauru e região, militante cheio de histórias para contar e hoje aposentado (“Com muito gás ainda para gastar”, diz), junta alguns dos organizadores daquela inusitada reunião (mas não era festa?) e diz: “A importância disso tudo que vi aqui extrapola isso de uma festa. Foi impressionante a capacidade que tiveram de aglutinar as pessoas. Primeiro pelo motivo da festa, quando assumiram isso de todos sermos bolivarianos, depois fazendo algo cada vez mais difícil hoje em dia, que é a reunião dos iguais para conversar, trocar idéias e acabaram descobrindo uma forma de não deixarmos a peteca cair. Quero e sei que todos aqui precisam muito da repetição disso aqui. Sem perceber podemos estar nos realinhando”. Cláudio parecia estar num confessionário popular, ouvido por todos e deixando na cabeça dos que o escutaram uma minhoca a mais, a desse negócio de que tudo está apenas começando e muito mais ainda vai ter que continuar sendo feito daqui por diante.
Antes da dispersão, a somatória do que foi arrecadado e a felicidade de ter dado para saldar todos os pequenos compromissos, com um saldo credor de R$ 15 reais. Na saída, por mais que não pintasse em nenhum momento aquele clima de perseguição ou de vigilância à distância, alguém ainda lembrou: “E a polícia não apareceu e nem foi chamada. Não somos mais os mesmos”. Entre risos, os bolivarianos ainda encontraram forças para faxinar o local e pensar no que iria ser feito com as sobras, principalmente as latas de cervejas cheias (já não bebem como dantes) e a comida, que numa imensa panela, daria para muitos voltarem no domingo e continuar a refrega. Oscar refez o convite a todos e só depois do último se despedir, levantou de sua cadeira instalada na calçada, dessas tipo de praia, entrou para dentro e fechou o portão. Devia ser coisa de umas 2h30 da manhã. As admoestações só teriam continuidade no dia seguinte, quando as primeiras fotos começaram a ser publicadas na internet. “Os comunistas bolivarianos fizeram festa e na nossa fuça. Como pode?”, disseram os de sempre.