quarta-feira, 4 de maio de 2016

DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (130)


HISTÓRIAS DO VELÓRIO DE PAPAI

São todas muito simples, diria, singelas, como ele o foi em vida. Pela forma como o via encarando o mundo, credito ter sido de melhor valia ele ter passado ao largo das preocupações desse cruel e insano momento vivenciado hoje pelo Brasil. Passou um tanto incólume, mesmo fazendo questão de folhear e ler diariamente as manchetes dos jornais e vendo algo pela TV. Ele se foi, sua casa está aqui vazia, eu aqui batucando algo no computador, o cão Charles deitado ao meu lado e no mais silêncio, TV desligada e seus canto com as luzes apagadas. Ficaram as lembranças. Poderia juntar todas em escritos e mais escritos. Nem sei se o conseguirei um dia. Tempos atrás comprei um caderno para ele e pedi para ir escrevendo suas histórias e lá registros de algo memorável, sua vida de ferroviário e as eternas lembranças que todos eles possuem. Registro aqui algumas ouvidas durante seu velório, trechos curtos, só para que não caiam no esquecimento. Algo mais de meu velho pai, HELENO CARDOSO DE AQUINO, enterrado ainda a pouco, aos 87 anos.

Marcão é professor de Física e deu aulas com ele, viajando por algumas cidades, dentre elas Duartina, anos 80. Num momento recorda algo do pai e isso é uma característica marcante dele: “Íamos de carro, naqueles revezamentos, cada dia com o de um. No dia em que seu pai ia com o dele, a viagem para Duartina demorava uma hora e meia, pois ele era cuidadoso demais, parava em casa esquina. Era a mais demorada de todas”.

Antonio Ruy da Silva, 85 anos foi telegrafista da FEPASA junto com meu pai e veio bem cedo após ler a nota fúnebre no jornal e me contou muita coisa dos tempos trabalhados em muitas estações. Por fim, encerra a conversa com algo assim: “Eu e seu pai somos daqueles que ajudamos substanciamente a quebrar a Previdência, pois usufruímos da aposentadoria por mais de 45 anos”.


Uma jovem senhora, que não marquei o nome, moradora da vila Dutra, trouxe seu pai, vizinho de onde o meu pai uma casa, lugar que adorava e ficamos revivendo coisas de quando os dois juntos cuidavam dos terrenos e se ajudavam mutuamente. Ela me disse também ter sido aluna dele na Escola Guia Lopes e daí algo me marca: “Seu pai era tão puro, que os alunos se aproveitavam dele, mas tínhamos respeito. Vejo que hoje nem sei se conseguiria dar aulas, pois afrontam professores por qualquer coisa”.

Lá no hospital, no primeiro dia de internação ele vendo que dormiria ao seu lado numa poltrona, chama o enfermeiro e lhe diz: “Esse aqui é meu filho, viu! Ele vai dormir aqui e vou dividir a cama com ele, eu numa parte e ele noutra”. No dia seguinte, noite fria e ele coberto e eu ali na poltrona só com paletó, não sossega enquanto não peço uma coberta para o pessoal do hospital e também me cubro. Tive que fazê-lo, pois do contrário não dormiria.

Rubão, o entendido de comida, veio relembrar dos tempos que o levava lá no Comidinha de Buteco da Castelo Branco e ao contar algo dito a ele, me fez ter recordação de como agia com tudo o mais quando o assunto era comida: “Cheguei com a tábua e nela algumas carnes. Pedi para ele escolher a que preferia e me disse sem pestanejar que queria um bocadinho de cada”.

Essa eu conto a história, mas não revelo o nome do envolvido. Um amigo me confidenciava lá numa roda dos problemas com a braveza de sua esposa, ela não o entendendo e ele reagindo, daí um problemão armado. O aconselhei a agir como meu pai, mais ou menos dessa forma e jeito, lição que aprendi e procuro colocar em prática no meu dia a dia, com bons resultados: “Minha mãe era muito nervosa, ele muito calmo. Ela explodia sempre, daí ter vivido menos, não se continha e ele muito mais, pois a cada investida de braveza, ele ouvia e não retrucava, ficava na dele, o que a enfurecia mais. E daí, virava a esquina e fazia tudo errado novamente, com a forma mais desligada desse mundo”.

Por fim, algo percebido pelo mano Edson no exato momento em que o caixão descia para a sepultura e ao fundo, um som percebido por ele: "Ouçam, é o apito de um trem. Justo agora, no enterro de um velho ferroviário e num momento em que nem trens existem mais por essas bandas. Isso é de um simbolismo inexplicável". E foi mesmo, dessas coisas pra lá de surreais.

Por hoje não me lembro de mais nenhuma. E ainda tentando entender como vai se dar tudo daqui para frente sem sua física presença aqui dentro de casa.


Bruta e baita saudade...

Um comentário:

Mafuá do HPA disse...

comentários via facebook 1:

Rosangela Marega Trombetti Forças!! Linda homenagem.

Djairo Alves Dos Santos Força e fe amigo.abçs Boa noite DJ

Camys Fernandes Força ai colega

Cristina Camargo Bonito e singelo texto.

Toka Miguel Garcia Parabéns pelo texto, justa homenagem -ara o senhor seu pai, o qual que tive o prazer de atuar como colega e professor nos Cursos Brasília e no Liceu Noroeste ( décadas de 70 e 80).

Ruben Baptista Não poderia deixar de prestar minha homenagem ao ilustre homem e amigo que foi seu pai, grande amigo Henrique Perazzi de Aquino, abçs

Stefania Cardoso Mais uma pra coleção: criou um cara digno, coerente, generoso e inteligente que tive o prazer de conhecer numas idas e vindas da FAAC. Vc meu amigo.

Loriza Lacerda de Almeida Abraço Henrique. Com carinho!

Cristiano Zanardi Força!

Fatima Brasilia Faria Me fez chorar muito....lembranças e saudades...e mais lembranças e saudades a cada apito do trem....

Heloísa Alves Ferreira Leal Na homenagem do filho, algumas características especiais do pai para recordação daqueles que o conheceram e conhecimento dos que não o conheceram. Achei incrível o apito do trem. Abraços, querido Henrique, familiares e amigos do sr. Heleno.

Paula Velozo Quem coleciona histórias tem Vida! 😉

Maria Cristina Gobbi Concordo com a Paula Velozo "Quem coleciona histórias tem vida". Força.

Claudia Clérigo Bela homenagem!

Agnaldo Martins Guina Ser pai e.lindo,mas ele ter um filho que sabe dar valor ao pai nas pequenas coisas da vida e maravilhoso !

Reynaldo Grillo Caramba Henrique, so vc mesmo...Muito bonito.Abracao meu camarada.

Rosangela Maria Barrenha O mais difícil é voltar pra casa...mas vc, meu amigo amado, nada tem do que se arrepender...o melhor filho do mundo! Quanto carinho e cuidado com seu velhinho! Porisso te amo! Fica em paz...a saudade vai ficando boa depois...

Gilberto Truijo BOM DIA HENRIQUE. FORÇA AI.

Mah Fernandes Linda a história de cumplicidade de vocês!! as lembranças e as saudades são pra sempre!! bjos. Emoticon smile

Giselle Pertinhes Sua poética é doce e comovente
Suas poesia literária nos remete somente aos sentimentos nobres d'alma
Sua nostalgia e viva e pulsante

FORÇA E LUZ!!!!!❤❤

Lucia Francisco Seus relatos a respeito de seu pai são comoventes e nos fazem refletir sobre o nosso privilégio de conviver com nossos respectivos pais e mães em seus momentos finais de uma vida produtiva e cheia de histórias do passado. Obrigada.

Zilda Ribeiro Ahh querido, vc deu amor, carinho e atenção...ele está bem... e o tempo aos poucos vai arrumando os sentimentos... a saudade...ahhhh essa é eterna, que bom que seja mesmo...só há saudade onde existe amor... bjinho no coração

Henrique Perazzi de Aquino Conto mais uma que merecia estar na lista do texto. Minha vizinha, dona Hilda Patrize, marido morto há menos de três meses, ambos com mais de 80 e no velório dele, Carlos Patrize, também ferroviário Fepasa, lhe digo: "Pouca gente, cadê os amigos dele?". Ela me responde: "Querido, todos já se foram, ele o último". No velório me lembrava do diálogo e me diz: "Aqui muita gente, mas cadê os amigos dele?". Minha resposta: "Pois é, aqui os amigos dos filhos e dos netos. Dele mesmo, como dos do seu, foram se esvaindo com o tempo".

Bkl Bruno Siga em paz.

Henrique Perazzi de Aquino Minha estimada amiga Ivy Wiens Wiens, hoje tão longe daqui, me envie esse texto de consolo e eu me derreto todo: "Henrique, querido! O partir nunca é bom para quem fica! As lembranças e a certeza de uma convivência plena confortam! Tantos causos vc tem p/ contar do seu pai, tanto carinho vocês trocaram durante a vida! Que seu coração seja confortado pelas boas recordações, aquelas que, apesar das lágrimas, colocam um sorriso em nossas bocas. Fique bem! Um abraço apertado procê!".