quinta-feira, 26 de maio de 2016
UM LUGAR POR AÍ (81)
VAGAR SEM OBJETIVO PELOS MAIS VARIADOS CANTOS E COM A CIDADE AOS NOSSOS PÉS, EIS UM DOS PRAZERES DA VIDA (MUNDANA OU NÃO) – LIÇÕES DE CARERI Sábado passado, lá pelas nove e tanto da manhã, estou subindo a rua Antonio Alves, cruzando com a linha férrea e ali um agrupamento de pessoas. Percebo serem estudantes. Espio e vejo ali tirando uma foto deles um professor de História, o Fabio Paride Pallotta (com dois eles e dois tes, como me ensinou). O melhor das aulas do Fábio deve ser essas incursões pelos pontos históricos de Bauru, quando ele desvenda o já trilhado tempos atrás, reconta tudo ao seu modo e jeito. A imaginação viaja para lugares inimagináveis em momentos como esse. Tempos atrás ele me convidou para fazer essas tours, e de bicicleta, mas despreparado como ando, fugi da raia, pois teria problemas cardíacos na certa. Ele faz o que todos nós deveríamos fazer mais e mais, andar pela aí, a pé e vendo cada cantinho e por todos os lugares. Enfim, andar é o que nos move, a divagação é mais do que necessária. Nada como os seres andantes, os que conseguem deixar o meio "quatro rodas" de lado e se colocam a andar.
Escrevo isso tudo após saber do lançamento de um livro do italiano Francesco Careri, o “Walkscapes” (editora G.Gilli, 190 págs, R$ 90). O danado é um contumaz andante e ele flana pelas ruelas todas de seu país e mundo afora. Nada melhor do que isso. Por onde andemos, andanças mil, gastando muita sola de sapato. Quando sei que vou viajar para outras paragens até me preparo, pois o que mais gosto são as andanças. O flâneur é algo inebriante, do qual não arredo pé e por todos os lugares por onde já perambulei. Quando estive em Cuba, 30 dias de andanças, voltei com os pés e canelas parecendo uma batata, inchadas de tanto andar, cada dia mais e como não parei, ao voltar, necessitei de um descanso de quase outros dias para recuperação. Mas valeu a pena, foram mais de 5000 fotos relembrando as andanças todas. Não se deve abdicar do prazer da caminhada em hipótese alguma. Quando você consegue aliar o prazer da caminhada com um propósito cultural, daí então a coisa toma uma proporção sem tamanho.
Os italianos chamam isso, Careri um deles, de “andare a zonzo”, que nada mais é do que o incomensurável prazer de bater perna, perder tempo (ou ganhar, sei lá!) zanzando de um lugar para outro. Em todas minhas idas e vindas para o Rio de Janeiro, na maioria das vezes a trabalho, o melhor de tudo são sempre as andanças, ali no centro velho, como nos subúrbios. Numa das idas que tive o prazer de fazer em Bueno Aires, num ano tracei como meta (e cumpri) fazer o roteiro dos lugares, todos com placas, das residências onde haviam sido sequestradas pessoas durante o regime militar. O argentino demarcou esses lugares e na placa um pouco de cada situação de agressão ao semelhante. Imagine a cena (sempre a pé) e após a leitura, eu me colocando na situação do ali detido, viajando no tempo e no espaço. Esse negócio de ter a cidade aos nossos pés é de uma sapiência que não tem tamanho. Um prazer incomensurável, inenarrável.
Pois, o italiano Careri afirma que as ruas são a sua verdadeira oficina experimental e faz dela seu campo de prazer andante e também de estudo. Uniu o útil ao agradável e quando isso ocorre o orgasmo é certo. “O ato de atravessar o espaço nasce da necessidade natural de mover-se para encontrar alimento e informações necessárias para a própria sobrevivência. Mas, uma vez satisfeitas as exigências primárias, o caminhar transformou-se numa fórmula simbólica que tem permitido que o homem habite o mundo. Modificando os significados do espaço atravessado, o percurso foi a primeira ação estética que penetrou o território do caos, construindo aí uma nova ordem sob a qual se tem desenvolvido a arquitetura dos objetos situados”, escreve Careri em sua obra (não lida por mim, mas resenhada na edição 902 da revista Carta Capital, da qual extraio o tema desse escrito de minha lavra). Outra fonte inspiradora para divagar sobre o tema foi ao tomar conhecimento de que o artista Hélio Oiticica, flanou muito usando como lema isso do “vazio pleno”, quando vagava (olha que termo gostoso) pelos subúrbios cariocas, com um hábito dos mais salutares: o de pegar um ônibus sem rumo e prumo, só para ver onde daria o seu ponto final.
O negócio então, para mim, para Careri, Oiticica e também o Pallotta é fazer cada vez mais e mais uma série de muitas excursões por lugares dito importantes, com histórias para contar, possibilitando viagens mil e também pelos mais banais, pois nem tudo deve ser levado a sério em andanças. Imagine um desembarque na Mooca paulistana, você solto por ali, ou na Lapa carioca, ou no Pelourinho baiano, na zona portuária de Recife, no Bomfim portoalegrense, na velha Havana, no Harlem nova-iorquino, no colorido bairro nos arredores do estádio do Boca em Buenos Aires, pelos paralelepípedos de Paraty, Lago da Ordem curitibana, beiradas do Sena francês ou mesmo arredores do cais de Porto Principe, fazer a trilha de morte do Che na Bolívia, adentrar Paraisópolis, ir ao Piscinão de Ramos (eu já fui e você?) e arredores, assim como fazer o mesmo que o Pallota sempre faz, andar pelos trilhos urbanos de Bauru (em grupo sem nenhum perigo). O convite está mais do que feito, daqui por diante, quando não estiver combatendo o golpe branco dos Temer da vida, estarei envolvido com minhas leituras acadêmicas e também nessas andanças variadas e múltiplas, forma maravilhosa de se recarregar. Vamos?
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COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK:
Carlo Moreira Perfeito,Prof Henrique. Caminhar,bater perna,perambular,vaguear, não importa o rótulo. O que importa é o contato,as descobertas,os" insights" e as reflexões que conseguimos com esse prazeroso e necessário exercício.
Fábio Paride Pallotta Henrique Perazzi de Aquino quando quiser vamos nessa. Dias 4 e 5 de junho tenho mais duas. É para os meus alunos de arquitetura, mas você é meu convidado.
Cara Paisagem o estimado David Henry Thoreau (desobediência civil) também escreveu "Andar a pé"::: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/andarape.pdf
Henrique Perazzi de Aquino Esse texto é mais que maravilhoso, condutor de vidas, diria, as nossas. Obrigado por compartilhar Thoreau.
Ivy Wiens Não saber dirigir (ou não me dispor a, visto que tenho habilitação) me proporciona fazer longas caminhadas por onde passo. Para uns é um sacrifício, mas para mim é um prazer e um momento de contemplação. Suas reflexões, querido Henrique Perazzi de Aquino, novamente trouxeram para o meu presente uma pessoa com quem convivi no passado, desta vez o elétrico Fábio Paride Pallotta. Obrigada!
Tássia Eleonora Vaguemos mais pelos caminhos incertos, sem saber aonde vamos parar.. Emoticon smile E assim vamos construindo nossas próprias narrativas.
Silvio Selva Sou caminhante emérito. Aos 54 anos, não sinto falta da carteira que jamais tirei. Hoje, meu expediente começa as tres da tarde, mas já estou no teatro. Mais precisamente na arena, desenhando, depois de uma bela caminhada de 5 quilometros.
Roque Ferreira É na piteira que construímos nossas redes, descobrimos encantos escondidos. Sempre cruzei cidades e lugares na piteira. Ainda hoje insisto nesta pratica fantástica. A rua é mágica.
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