quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (95)


DAS DIFICULDADES DE CADA UM... – AS DOÍDAS HISTÓRIAS DESSES DIAS
Não existe algo mais perturbador do que ir constatando como se precarizaram as relações pessoais dos mais empobrecidos na sociedade brasileira. Quem ainda possui um emprego fixo, sente a crise, mas recebendo seu salário em dia, um alento. Esses são penalizados pelos demais à sua volta, esses no aperto e, dessa forma, sendo escorados nos ainda com rendimentos. Bem latente isso. Dói ir tomando conhecimento dessas histórias, uma atrás de outra.

Conto algumas. Identifico somente uma, Amadja, a cuidadora que tão bem esteve ao lado de meu pai até o fim. Cuidou dele com um esmero inesquecível. Registrada como doméstica, se desdobrou e lhe foi pago um salário acima da média, dentro do que se podia. Foi o mínimo que pude fazer. Desde o falecimento de meu pai padece em busca de um emprego fixo. Entrou num, foi explorada, saiu e depois outros, nenhum fixo, muito menos com registro. Dia após dia a vejo entregando currículos, aqui e ali e sem perder a esperança. O marido trabalha com carteira assinada, mas vive um dilema. Ambos me contaram do medo de não conseguirem se aposentar. Hoje, quando a vejo procurando emprego, penso cá com meus botões em outra hipótese, bem plausível: terão eles empregos registrados e condições de pagar a Previdência até chegar o dia da aposentadoria? Perdendo hoje o que possui como contribuir, se nem ao menos encontram um novo?

História dois. Uma baita amiga sempre me aciona aqui pelo pelas redes sociais sobre seus apertos financeiros. Possui uma renda advinda da Bolsa Família, pouco mais de R$ 200 mês. Vive numa casa alugada, quase sendo despejada, ela, filha, filhos dessa e mais seu outro filho, desempregado. A outra renda é da filha, só dela, funcionária pública. O dinheiro não dá nem para o cheiro das despesas. Ela, sessentona, doente, debilitada, quer trabalhar, mas não trem como e me questiona: “Fazer o que nas condições em que me encontro?”. Forte como um touro, não entrega os pontos, resiste e vai tentando de tudo. Propõe uma conversa para ver se a ajudo de alguma forma. Aceito sempre, pois conversar ainda é uma forma de ajudar. Ouvir, dialogar, entender e tentar buscar soluções conjuntas. Junto a tudo isso existe as desavenças provenientes da situação. Todos sabemos que, quando falta o básico, tem início algo da impertinência natural. A situação se torna em alguns momentos insustentável, outros melhora, mas sempre o clima é tenso, pois não estão conseguindo enxergar a tal da luz no fim do túnel.

História três. Uma pessoa que conheci pelas redes sociais e de tanto me dizer de sua situação, acabei indo visita-la, conhecer in loco o lugar onde vive. Mora com dois filhos e vive com a renda advinda de faxinas. Mora numa antiga casa de madeira e vive tentando convencer pessoas pelas redes sociais de sua precária situação. Tenta a todo custo fazer uma reforma na casa, busca ajuda aqui e ali, mas não consegue juntar nada, pois o pouco que ganha usa para alimentação. Seu filho faz bico em pizzarias e ajuda como pode nas despesas. Hoje se apresenta inconsolável, pois suas faxinas rarearam. Quem fazia uma por semana não faz mais e os espaços estão mais dilatados. Muitos fazem uma só vez por mês, quando não cancelam de vez. Nessa semana, desesperada, clama por ajuda, pois está sem nada em sua dispensa e a única faxina marcada para a semana, quinta, foi cancelada. E ainda me diz pensar em receber um ou outro que lhe propôs ajuda para que sua casa não caia de vez. Um eletricista esteve por lá, outro hidráulico e dessa forma, vai tentando sobreviver dignamente.

Encerro com outra. Outra amiga, essa uma lutadora (como todas as demais), me diz em particular de suas dificuldades. Seu filho se formou numa profissão sempre com colocações no mercado de trabalho, mas hoje nada aparece, portas se fecham e cansado, busca ao menos um emprego, para ajudar a mãe nas despesas da casa. Aceita qualquer coisa e não está encontrando nada. Junto tudo isso e saio pela manhã para espairecer, eu também diante dos meus problemas e o que encontro pela frente? Outros problemas, mais e mais. Ouvi mais dois relatos doídos, sentidos, tristes e ao voltar para casa, sento e tudo o que tenho para fazer pela frente, deixo de lado e desabafo nesse escrito. Como ajudar a resolver essas questões todas? Sei que nada se resolverá de forma isolada, sei também da existência de muitos grupos organizados na cidade já atuando junto a esses, mas sei também que muito mais precisa e deve ser feito. Estou cá impotente, prostrado no sofá e a pensar por onde começar. Até a fome diabética é amenizada diante de tudo isso. É meu desabafo para hoje. Pronto, falei.

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