sábado, 21 de maio de 2022

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (169)


DARCY, MAIS UM BARDO QUE SE VAI*
* Meu 61º texto para o semanário DEBATE, de Santa Cruz do Rio Pardo, edição nas bancas hoje pela manhã (inclusive na banca da Ilda, Aeroclube Bauru) e na edição, também impressa, do Jornal da Cidade, Tribuna do Leitor:

Ultimamente tenho reclamado demais da conta pelas perdas de gente revolucionária à minha volta. Sei que para tudo nesta vida, nada é insubstituível, mas para mim, militante de esquerda desde que me conheço por gente, sinto a cada dia uma falta danada de bravos guerreiros partindo, sem que note peças de reposição para compor a equipe na luta e lida. Credito muito aos que possam vir por aí, mas me seguro muito pelas experiências dos que me deram bons exemplos de persistência e insistência inabalável na luta. Darcy Rodrigues um destes.
Darcy se foi hoje aos 81 anos, militar reformado, de uma cepa do Exército brasileiro, onde bravos guerreiros ainda resistiam dentro e fora das tropas. Darcy participou da luta armada contra a ditadura militar e o considero um dos mais autênticos dentro da linhagem de “testemunha ocular da História” brasileira. Fiel escudeiro do capitão Carlos Lamarca, com ele abandonou o quartel e fez a sua luta em prol de dias melhores para o povo brasileiro. Padeceu de tortura, quando capturado no Vale do Ribeira, permanecendo exilado em Cuba por quase dez anos.

No retorno ao Brasil, uma pessoa mais preparada, lúcida e com bastante instrução, se mostrou um profundo conhecedor da História deste país, não se furtando por um só instante de relatar o que passou e de participar de amplos estudos sobre o desenvolvimento do Brasil. Pertencente a uma linhagem de fibra e resistência dentro dos quartéis, fez questão de relatar de como se dava o nacionalismo na tropa no seu tempo e hoje, mesmo com o momento de profundo descrédito das Forças Armadas, era entusiasta em acreditar que, dentro da corporação ainda existe muitas formas de resistência, hoje contida, calada, mas flamejante.

Um conversador por natureza e aos 81 anos, bonachão, palmeirense e irreverente cidadão, emérito contador de piadas e de histórias, a maioria vividas por ele mesmo. Não podia encontrar com um oponente e se punha a tentar convencê-lo. Inquebrantável em tudo o que fazia, quando o telefone tocava aqui em casa e ciente ser ele do outro lado, parava tudo, pois sabia, do outro lado alguém querendo conversar. Ficávamos horas, na maioria das vezes ele me contando causos e casos, destrinchando os acontecimentos de antanho e destes tempos, onde só mesmo, alguém com a sua perspicácia, sabia como ninguém, me convencer de seus pontos de vista. Não era fácil debater com ele, pois sem argumentos, a pessoa ficava pelo caminho. Ele tinha argumentos pra dar e vender.

Sinto desde já sua falta. Tenho lembranças inenarráveis de viagens juntos, quando numa delas foi entrevistado pelo cineasta Silvio Tendler, para um dos seus documentários sobre os desdobramentos e consequências de 64. Noutro, fomos para sua Três Lagoas, reviver seus passos de infância. Na verdade, ele é de Avaí, aqui pertinho de Bauru, onde fomos também algumas vezes em busca de relíquias no museu local. Quando voltei de Cuba em 2007, foi a primeira pessoa a me receber, querendo saber se havia cumprido integralmente o roteiro a mim designado. Ficamos semanas conversando sobre o tema, conversas para uma vida inteira. Não me fale neste momento das polêmicas e enrascadas onde ele já se meteu, pois todos as temos na vida. Sua luta suplanta tudo. Olho para trás e sei ter sido ele um honroso soldado, brioso, corajoso, audaz e persistente. Ciente de sua caminhada.

Tenho centenas de histórias com o danado. Algumas eu ainda declino de contar, mas não deveria, pois Darcy se orgulha de todas onde esteve enfurnado. Esse baixinho espevitado, brigão, cara fechada quando necessário, foi até o fim um fiel amigo, destes onde pude confiar e me abrir por inteiro. Sinto saudade, não só dele, mas de tantos que se foram por estes tempos e quando paro para pensar, sei que meu tempo também está se esgotando e ao olhar para trás, sei que não existe comparação no feito por ele e por mim, daí, tenho que correr atrás do prejuízo e continuar sendo, fazendo e acontecendo, pois tanto ele, como eu, somos da pá virada, dos que não se seguram nas calças. Pavios curtos, pagamos o preço pela ousadia, mas é exatamente isso que nos diferencia dos demais. Darcy não teve medo de lutar por um ideal, o da luta transformadora neste país. Hoje, lamento e tento me revigorar, me recarregar para os embates pela frente, todos os que sei, ele estaria mais do que engajado. Enfim, sabemos muito bem, a luta continua. Darcy é um dos espelhos para não desistir nunca.
Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e professor de História (www.mafuadohpa.blogspot.com).

SER NOROESTINO
Este time aí da foto esteve com o Noroeste na alegria e na tristeza, na época de vacas magras e agora na de vacas gordas está feliz da vida. Certa feita o amigo Roque Ferreira, que ia buscar para ir conosco a jogos, dizia a ele não saber como esse time conseguia, em certos momentos de sua vida entrar em campo, pois certamente as despesas eram grandes e não imaginava de onde entrava a grana para manter as portas abertas. Roque sorri e me dá a dica para poder continuar torcendo pro time de minha aldeia, também do coração: "Henrique, meu caro, esqueça disso quando tiver que vir ao campo. Se for pensar nisso, deixará de vir. Venha e torça, pois o que acontece nos bastidores do Noroeste não é diferente do que ocorre nos bastidores dos grandes times. Se for levar ao pé da letra vai ficar com nojo e não vai querer vir mais. Quando tiver jogo e quiser vir ver futebol, esqueça disso e venha desarmado, pois do contrário não vai mais sair de casa para ver futebol". Guardo o ensinamento comigo e hoje, com o empate do Noroeste em Ribeirão Preto, 2 x 2, gol no último minuto, ganhamos o título na casa do adversário, o Comercial e somos os campeões da Série AIII. Nem me lembro quanto tempo estávamos marcando passo e sem sair do lugar na penúltima série do futebol paulista, mas hoje subimos de degrau e ano que vem, na AII, algo novo, maior proximidade com lugar de destaque. Continuarei indo ao campo, de olhos fechados para os bastidores, pois como me mostrou Roque, vou ao campo para torcer e não para me informar do que ocorre nos bastidores da bola, mesmo a gente sabendo que por lá pouca coisa é edificante. Vale a emoção de poder continuar torcendo e se emocionando. Melhor do que o futebol que a gente sendo jogado nas quatro linhas do gramado é o que acontece nas arquibancadas do estádio Alfredo de Castilho. As conversdar e os reencontros são a cereja deste bolo. Eu me delicio é pelas fotos que tiro com as pessoas que vou trombando pelos cantos do estádio e dos papo que presencio e também participo. Isso vale muito, me recarrega, reconforta e me faz seguir voltando todo dia de novo jogo.

Olho para estes amigos da foto e hoje, no dia da final, conto algo de cada um destes. Faltou o Roque Ferreira, que certamente neste dia, se vivo fosse estaria conosco. O Gilberto Truijo é destes que marco e busco e devolvo no portão de sua casa. Marcamos antes, compro os ingressos lá na banca do Adilson Chamorro e seguimos e permanecemos juntos. Essa rotina faz parte de nossas vidas e só foi quebrada agora neste campeonato, justamente por ter sido obrigado em permanecer em casa, justamente no final do campeonato, causado por virose e suspeita de covid. Não quiz colocar o amigo em risco e fiquei ouvindo o jogo pelo Jornada Esportiva, equipe do Rafael Antonio, um que se desdobra para continuar narrando futebol com dignidade, o que pouco se vê hoje na outra rádio, a Velha Klan, que transmite futebol como o faz com política, de forma desprezível. Truijo é perceirão, assim como o Aurélio Alonso, jornalista de uma cepa inquebrantável, que conheci mais de perto no estádio, mais de uma década atrás e fomos juntando empatia, nos tornando amigos também fora do campo. São longas conversas, pelas redes sociais e desabafos mais intimistas, no reservado das redes. Como gostamos de convivência em bares, vez ou outra estamos nuns deles a prosear sobre futebol e política. Cláudio Lago é outro, o presidente do PT é hoje um dos mais próximos amigos, confidente e como o assunto entre nós nunca se encerra, o prolongamos e criamos novos lugares e ambientes para poder ir prolongando o papo. O campo do Noroeste é só mais um lugar. Ou ele passa em casa ou eu passo na dele e seguimos juntos. No último jogo por lá o vi comprando uma camiseta nova na loja do Noroeste, neste dia da foto e só foi usá-la no seguinte, um que já não pude ir. E ele também não foi, o que me colocou a matutar: será que só vai ao campo quando o convido?

Esses todos são do meu time, o da boa prosa e noroestinos. Aurélio nem bauruense é, mas se o convidar para ir ver um jogo do seu Santacruzense, que neste ano, na Bezinha, a A4, só perde, bem possível irmos, mesmo tendo que rodar 100 kms. Já pensamos em ir, agora que o campeonato da AIII terminou em prestigiar o XV de Jaú num domingo pela manhã ou mesmo o Novorizontino na B do Brasileiro, em 150 km de distância. Imagina ver um Vasco, um Grêmio, um Cruzeiro ou Sport por lá? Somos loucos o suficiente para irmos nessa e em outras juntos. Essa turma aqui da foto é dos que topam tudo, ou melhor, quase tudo. Ser noroestino é um estado de espírito, algo que nos aproxima e nos fortalece en quanto amigos. A gente não precisa de muitos motivos para voltar a se encontrar e o futebol é só mais um deles - o Fora Bolsonaro outro. Somos assim, pervertidos, pero no mutcho, rueiros e loucos para botar o bloco nas ruas. Hoje o Noroeste é o papo do dia. Nenhum de nós esteve em Ribeirão para presenciar o jogo decisivo, mas sei, todos torceram com o radinho plugado e na sequência, na Copa Paulista estaremos juntos novamente, enfim, a gente precisa estar sempre com um bom motivo para continuar se encontrando e o Noroeste é um dos melhores. Viva o Noroeste e essas possibilidades por ele proporcionadas e aqui revelados.

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