Ultimamente tenho reclamado demais da conta pelas perdas de gente revolucionária à minha volta. Sei que para tudo nesta vida, nada é insubstituível, mas para mim, militante de esquerda desde que me conheço por gente, sinto a cada dia uma falta danada de bravos guerreiros partindo, sem que note peças de reposição para compor a equipe na luta e lida. Credito muito aos que possam vir por aí, mas me seguro muito pelas experiências dos que me deram bons exemplos de persistência e insistência inabalável na luta. Darcy Rodrigues um destes.
Darcy se foi hoje aos 81 anos, militar reformado, de uma cepa do Exército brasileiro, onde bravos guerreiros ainda resistiam dentro e fora das tropas. Darcy participou da luta armada contra a ditadura militar e o considero um dos mais autênticos dentro da linhagem de “testemunha ocular da História” brasileira. Fiel escudeiro do capitão Carlos Lamarca, com ele abandonou o quartel e fez a sua luta em prol de dias melhores para o povo brasileiro. Padeceu de tortura, quando capturado no Vale do Ribeira, permanecendo exilado em Cuba por quase dez anos.
No retorno ao Brasil, uma pessoa mais preparada, lúcida e com bastante instrução, se mostrou um profundo conhecedor da História deste país, não se furtando por um só instante de relatar o que passou e de participar de amplos estudos sobre o desenvolvimento do Brasil. Pertencente a uma linhagem de fibra e resistência dentro dos quartéis, fez questão de relatar de como se dava o nacionalismo na tropa no seu tempo e hoje, mesmo com o momento de profundo descrédito das Forças Armadas, era entusiasta em acreditar que, dentro da corporação ainda existe muitas formas de resistência, hoje contida, calada, mas flamejante.
Um conversador por natureza e aos 81 anos, bonachão, palmeirense e irreverente cidadão, emérito contador de piadas e de histórias, a maioria vividas por ele mesmo. Não podia encontrar com um oponente e se punha a tentar convencê-lo. Inquebrantável em tudo o que fazia, quando o telefone tocava aqui em casa e ciente ser ele do outro lado, parava tudo, pois sabia, do outro lado alguém querendo conversar. Ficávamos horas, na maioria das vezes ele me contando causos e casos, destrinchando os acontecimentos de antanho e destes tempos, onde só mesmo, alguém com a sua perspicácia, sabia como ninguém, me convencer de seus pontos de vista. Não era fácil debater com ele, pois sem argumentos, a pessoa ficava pelo caminho. Ele tinha argumentos pra dar e vender.
Sinto desde já sua falta. Tenho lembranças inenarráveis de viagens juntos, quando numa delas foi entrevistado pelo cineasta Silvio Tendler, para um dos seus documentários sobre os desdobramentos e consequências de 64. Noutro, fomos para sua Três Lagoas, reviver seus passos de infância. Na verdade, ele é de Avaí, aqui pertinho de Bauru, onde fomos também algumas vezes em busca de relíquias no museu local. Quando voltei de Cuba em 2007, foi a primeira pessoa a me receber, querendo saber se havia cumprido integralmente o roteiro a mim designado. Ficamos semanas conversando sobre o tema, conversas para uma vida inteira. Não me fale neste momento das polêmicas e enrascadas onde ele já se meteu, pois todos as temos na vida. Sua luta suplanta tudo. Olho para trás e sei ter sido ele um honroso soldado, brioso, corajoso, audaz e persistente. Ciente de sua caminhada.
Tenho centenas de histórias com o danado. Algumas eu ainda declino de contar, mas não deveria, pois Darcy se orgulha de todas onde esteve enfurnado. Esse baixinho espevitado, brigão, cara fechada quando necessário, foi até o fim um fiel amigo, destes onde pude confiar e me abrir por inteiro. Sinto saudade, não só dele, mas de tantos que se foram por estes tempos e quando paro para pensar, sei que meu tempo também está se esgotando e ao olhar para trás, sei que não existe comparação no feito por ele e por mim, daí, tenho que correr atrás do prejuízo e continuar sendo, fazendo e acontecendo, pois tanto ele, como eu, somos da pá virada, dos que não se seguram nas calças. Pavios curtos, pagamos o preço pela ousadia, mas é exatamente isso que nos diferencia dos demais. Darcy não teve medo de lutar por um ideal, o da luta transformadora neste país. Hoje, lamento e tento me revigorar, me recarregar para os embates pela frente, todos os que sei, ele estaria mais do que engajado. Enfim, sabemos muito bem, a luta continua. Darcy é um dos espelhos para não desistir nunca.
Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e professor de História (www.mafuadohpa.blogspot.com).
Olho para estes amigos da foto e hoje, no dia da final, conto algo de cada um destes. Faltou o Roque Ferreira, que certamente neste dia, se vivo fosse estaria conosco. O Gilberto Truijo é destes que marco e busco e devolvo no portão de sua casa. Marcamos antes, compro os ingressos lá na banca do Adilson Chamorro e seguimos e permanecemos juntos. Essa rotina faz parte de nossas vidas e só foi quebrada agora neste campeonato, justamente por ter sido obrigado em permanecer em casa, justamente no final do campeonato, causado por virose e suspeita de covid. Não quiz colocar o amigo em risco e fiquei ouvindo o jogo pelo Jornada Esportiva, equipe do Rafael Antonio, um que se desdobra para continuar narrando futebol com dignidade, o que pouco se vê hoje na outra rádio, a Velha Klan, que transmite futebol como o faz com política, de forma desprezível. Truijo é perceirão, assim como o Aurélio Alonso, jornalista de uma cepa inquebrantável, que conheci mais de perto no estádio, mais de uma década atrás e fomos juntando empatia, nos tornando amigos também fora do campo. São longas conversas, pelas redes sociais e desabafos mais intimistas, no reservado das redes. Como gostamos de convivência em bares, vez ou outra estamos nuns deles a prosear sobre futebol e política. Cláudio Lago é outro, o presidente do PT é hoje um dos mais próximos amigos, confidente e como o assunto entre nós nunca se encerra, o prolongamos e criamos novos lugares e ambientes para poder ir prolongando o papo. O campo do Noroeste é só mais um lugar. Ou ele passa em casa ou eu passo na dele e seguimos juntos. No último jogo por lá o vi comprando uma camiseta nova na loja do Noroeste, neste dia da foto e só foi usá-la no seguinte, um que já não pude ir. E ele também não foi, o que me colocou a matutar: será que só vai ao campo quando o convido?
Esses todos são do meu time, o da boa prosa e noroestinos. Aurélio nem bauruense é, mas se o convidar para ir ver um jogo do seu Santacruzense, que neste ano, na Bezinha, a A4, só perde, bem possível irmos, mesmo tendo que rodar 100 kms. Já pensamos em ir, agora que o campeonato da AIII terminou em prestigiar o XV de Jaú num domingo pela manhã ou mesmo o Novorizontino na B do Brasileiro, em 150 km de distância. Imagina ver um Vasco, um Grêmio, um Cruzeiro ou Sport por lá? Somos loucos o suficiente para irmos nessa e em outras juntos. Essa turma aqui da foto é dos que topam tudo, ou melhor, quase tudo. Ser noroestino é um estado de espírito, algo que nos aproxima e nos fortalece en quanto amigos. A gente não precisa de muitos motivos para voltar a se encontrar e o futebol é só mais um deles - o Fora Bolsonaro outro. Somos assim, pervertidos, pero no mutcho, rueiros e loucos para botar o bloco nas ruas. Hoje o Noroeste é o papo do dia. Nenhum de nós esteve em Ribeirão para presenciar o jogo decisivo, mas sei, todos torceram com o radinho plugado e na sequência, na Copa Paulista estaremos juntos novamente, enfim, a gente precisa estar sempre com um bom motivo para continuar se encontrando e o Noroeste é um dos melhores. Viva o Noroeste e essas possibilidades por ele proporcionadas e aqui revelados.
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