quarta-feira, 28 de maio de 2008

MEMÓRIA ORAL (35)

UMA NOITE NO RIO
Não sei porque cargas d'água, toda vez que retorno ao Rio, nessas rápidas viagens, ao estilo bate-volta, acabo lembrando de um velho livro do escritor mineiro Oswaldo França Junior, o "Um dia no Rio" (editora Codecri, 1981). Já o li umas 3 ou 4 vezes. Ali está retratado um dia na vida de um mineiro no Rio, os compromissos todos no horário comercial e o voltar para "Belzonte" no final da tarde. Já fiz muito disso, pegando o ônibus aqui em Bauru a noitinha, aportando lá na Cidade Maravilhosa pela madrugada (via Reunidas) e o retorno no mesmo dia, no começo da noite. Em todas as vezes, aquela sensação de ter deixado para trás um monte de coisas por serem feitas, afinal, é impossível desfrutar daquilo tudo em poucas horas.

Dessa vez, se não foi por um dia, não passou longe disso. Chego em um e volto no outro. Pelo menos, passo uma noite por lá. E é sobre isso o meu relato. Resolvi perambular pelas ruas do centro, no começo da noite de sexta, 9/5, observando a movimentação dos que estão deixando o seus serviços e caindo de boca no início de mais um final de semana. O carioca desce do prédio onde trabalha e quando chega na calçada se depara com uma transformação na cidade, algo que não ocorre todos os dias da semana. A sexta é sempre especial, tudo se transforma, o clima é diferente e o visual das ruas está mais alegre e contagiante. E é nessa que eu vou, pois também adoro essa transformação, vendo as pessoas afrouxando o nó das gravatas e adentrando o que essa cidade tem de melhor, o clima de cordialidade e festa.

Terminei o trabalho mais cedo. Estava só e queria olhar, ver as pessoas, fotografar, escutar as conversas e para fazer tudo isso, só adentrando dentro do espírito da coisa. Foi o que fiz. Ainda com uma bolsa pendurada nos ombros, circulo de um lado para outro. Como tenho um velho conhecido na rua do Ouvidor, atravesso o centro e quando o escuro da noite se faz presente chego por lá, bem no cruzamento com a Travessa do Comércio. Havia passado ali durante o dia e as estreitas ruas estavam liberadas. Agora o visual é bem outro, cadeiras tomam conta das ruas e das calçadas. Tudo é ocupado quase que ao mesmo tempo. Um clima de alegria no semblante e cerveja em todas as mesas.

Paro na livraria do velho amigo Rodrigo "Boa Pessoa", a Folha Seca, no nº 37, onde ele se esforça no que melhor sabe fazer: vender cultura, num espaço onde o tema principal são a cidade e o futebol. Livros e mais livros sobre isso contagiam a clientela e estão mais do que irmanadas com o espírito que emana das ruas. "Que bom te ver. Hoje a noite o samba é patrocinado pelos vizinhos, amanhã é minha casa e lá pelas dez da manhã já estarei por aqui. Venha", me diz ao me ver adentrando aquele sagrado lugar, venerado por uma legião de admiradores.

Folheio algo, conversamos um pouco e saio para bebericar uma gelada. Não têm como resistir por muito tempo e não aderir. Sento num botequim no estilo "pé sujo", onde bem na minha frente rola um animado carteado. Beberico e observo, todos riem e isso contagia. Mato uma garrafa e com uma lata na mão, circulo pela rua, passo defronte o Boteco Casual onde um grupo de samba toca espremido na calçada. Vou subindo e na Avenida Antonio Carlos, os pontos de ônibus estão cheios. É o retorno para a Zona Norte, a Baixada. Cruzo a rua e nem uns 200 metros adiante me deparo com um cercado em plena Rua da Quitanda. É uma espécie de curral, um reservado, um bar no meio da rua, com direito a churrasquinho assado ali mesmo. Um luxo. Não é difícil ir cruzando com gente ainda com penduricalhos do trabalho numa mão e garrafas em outra. É mais um efeito da noite de sexta.

Passo por dentro do Conjunto Nacional, saio da Rio Branco, cruzo o Largo da Carioca, com os camelôs desmontando suas barracas e no caminho para a Lapa, na Evaristo da Veiga, uma senhora sentada na calçada, encolhida, me faz ver que nem tudo é alegria na sexta. Ao avistar os Arcos vejo tudo lotado, som alto e um grande palco, com barracas espalhadas pela praça. É uma grande concentração show dos adeptos da carismática Canção Nova. "Desculpe, acabou os condimentos, são só pão, salsicha e batata palha", me avisa um barraqueiro, ao adentrar a fila para um cachorro quente. Do palco ecoa o refrão, cantado por todos: "Cuida de mim, ó meu Senhor!". O cantor grita após a música: "Você já adquiriu esse CD? São só dezoito reais". Lembro-me novamente da mulher na calçada e quando me dou conta, quem sobe ao palco é o ídolo lá deles, Dunga. "Pode parar de pecar", é o que mais repete, como se fosse uma ordem, ecoando de todas as bocas por ali.

Continuo minha caminhada, passo pelo Circo Voador e adentro na Lapa, rua Mem de Sá. Tomo mais uma no Bar Brasil e observo a grande fila para adentar o Carioca da Gema, do outro lado da rua. Na minha frente para o 433, o famoso ônibus no sentido de Vila Isabel. Não tem como não se lembrar da música do Bebeto Alves: "Ai essa louca ilusão/ Que embala o meu coração/ Num 433, Barão de Drumond/ Pra Vila Isabel/ Lá do fim do Leblon/ Que rola da noite/ De alguma mesa...". Isso eu ouvia nos anos 80, quando nem pensava em me casar, mas já sonhava com o Rio. A Lapa ferve, gente e mais gente, um monte de barzinho chic. Virou point da cidade e espantou a prostituição para outro lugar.

Retorno e paro na Calçada da Lapa, ao lado da Sala Cecília Meirelles. Tomo a última lata da noite (Skol, viu!) e vejo tudo tomado, gente de bermuda por tudo quanto é lado. Não são nem 23h e já alcancei minha cota. Tomo o rumo do hotel, não sem antes dar uma espiada no que está passando no Odeon. Carrego uns jornais distribuidos por lá (adoro o Bafafá e o Plástico Bolha) e adentro o Itajubá, bem atrás da Cinelândia. Só essa perambulada já me dá uma revitalizada na alma. Adoro repetir circuitos iguais a esse quando estou por lá. Saio de todos sempre recarregado.

Henrique Perazzi de Aquino, 26 de maio de 2008

segunda-feira, 26 de maio de 2008

UMA MÚSICA (24)
EU NÃO QUERO CRESCER - CARLOS CAREQA
De tudo o que rolou na última Virada Cultural aqui em Bauru a grande sensação de ter perdido um show dos bons, senti quando não pude ir assistir o do Careqa. Esse curitibano é meu velho conhecido. Já assisti um belo show dele junto com Arrigo por lá e sua voz anasalada é marcante. Dessa vez ele lançou um CD revivendo as músicas do Tom Waits, em versões bem ao seu estilo ("À espera do Tom", independente, 2006). Gostei demais do estilo que ele deu na interpretação. Foi o que mais ouvi nesses dias de feriado. Escolhi uma, com uma letra bem caliente:

Quando eu tiver mentindo para você/ eu não quero crescer/ nada que me lembrea ter que votar/ eu não quero crescer/ como você sai deste mundo fedorento/ que sempre te trata como um animal/ cachorro vive melhor que muita gente./ O preço é alto para ser adulto/ eu não quero crescer/ não quero encontrar nenhum caminho/ eu não quero crescer/ as pessoas vão virando coisas/ que elas não querem ser/ o importante é viver o agora./ Eu vou destruir a minha TV/ eu não quero crescer/ joguei fora minha farmacinha/ eu não quero crescer/ eu não quero mais calar a boca/ não quero mais ser careca/ não quero mais ser inseguro/ não quero ser um bom escoteiro/ nem quero ter contaem banco/ eu não quero contar dinheiro/ eu não quero crescer./ Quando eu vejo os meus pais brigarem/ Eu não quero crescer/ eles bebem a noite inteira/ eu não quero crescer/ eu fico bem aqui no quarto/ não vou fazer vestibular/ eu não quero nenhum mausoléu/ na consolação./ Quando eu assisto o Jornal Nacional/ eu não quero crescer/ fazer a barba e apartar a gravata/ eu não quero crescer/ ficar perdido na cidade natal/ aposentar-se e perder a razão/ eu não quero nenhumadoação/ correndo atrás de um lugar ao sol/ para ter um filho e ser um vovô/ casar de novo ou ser um vereador/ é muito chata a vida de um doutor/ eu não quero crescer.

domingo, 25 de maio de 2008

DICA DE LEITURA (20)

CAROS AMIGOS ESPECIAL - SÉRGIO DE SOUZA (1934-2008)

SEMEADOR DE REVISTAS
Sou leitor de Caros Amigos desde o seu lançamento e dela não abro mão. Aos poucos fui conhecendo mais sobre o seu idealizador, o Serjão, recentemente falecido. Esteve à frente de grandes revistas brasileiras e com uma abnegação dificilmente encontrada na grande maioria dos jornalistas dos dias atuais: "pertence à categoria daqueles que precisavam inventar seu emprego para sobreviver" (Mino Carta sobre ele). Um guerreiro, daqueles que viveu dentro de trincheiras e delas não abria mão, maestro de um jornalismo que não engole sapos.
Sua revista é das poucas que sobreviveram tendo como pauta o ser de esquerda, naquilo que o termo tem de mais objetivo: "Ser de esquerda é ser comprometido com valores humanistas e com o povo, com o interesse da maioria" (Fernando Morais, sobre a revista). Acabo de comprar a revista hoje pela manhã, quando sai para ir à feira. Com ela debaixo dos braços, parei tudo o que estava fazendo e deixei a organização do mafuá para depois. Fui ler a edição especial e só consegui parar, cheio de emoção, na última linha. Essa vou guardar até meus últimos dias dentro dessa abençoada bagunça, que é o meu mafuá particular. Não empresto, mas deixo ler, sentadinho aqui, para depois papearmos sobre ética irretocável, coerência, humanismo, sensibilidade, respeito pelo diferente, senso de justiça, generosidade, etc e etc. Isso tudo Serjão tinha pra dar e vender. Continuo com a Caros Amigos, agora sem a sua presença, pois o cargo de editor foi passado para outro da mesma estirpe, Mylton Severiano.
Em tempo: a revista acaba de sair e numa tiragem não muito grande. Quem não se apressar, corre o risco de ficar sem.
UM AMIGO DO PEITO (7)



MARCÃO, UM VERMELHO DE CORPO E ALMA

Marcão, ou simplesmente Marcos Paulo Caselachi Resende é essa grande figura aí da foto, ocupando todos os espaços, pois é grande no tamanho e no amor à causa que defende e professa. Não é uma pessoa de fácil convivência, pois todos os idealistas deveriam ser assim mesmo e não abrir mão no caminho pela conquista do que acreditam. Marcos é um teórico como poucos, lê tudo o que tem a ver com a causa comunista e poucos conseguiram atingir o nível de pensamento desse stalinista convicto e inveterado. Põe a cara para bater e não esconde suas convicções. Fiz duas viagens maravilhosas ao seu lado, uma para Buenos Aires, quando fomos ver in loco o "Fuera Bush", com Cháves, em março do ano passado e os vinte dias passados em Cuba (a viagem de minha vida), em março desse ano. Quando as coisas não vão lá muito bem entre amigos, os poucos que ainda lutam pelos ideias libertários, recordo algo que li, de um indignado com certos distanciamentos, mais ou menos assim: "Somos tão poucos e vamos brigar entre nós?". Marcão é esse meninão de 27 anos, um bravo, daqueles que não esmorece e que, mesmo quando estamos sem papear por uns tempos, continua privando de algo único, uma amizade sincera, como poucas que tive na vida.
PS.: Essa foto aí em cima é um acontecimento, registrando quando Marcão rasgava a revista Veja, aquela que tentava desqualificar Che Guevara. Se fossemos rasgar as Vejas atuais, acho que toda semana teríamos que fazê-lo, pois essa revista anda num nível tão baixo, que nem de graça quero tê-la em minha casa. Marcão pensa do mesmo jeito.

ALGO DA INTERNET (1)
Quero, nesse novo espaço, ir disponibilizando algo que fui descobrindo na rede de computadores. Socializar as descobertas faz parte de uma prática salutar. Vou, pouco a pouco, repassando mais um pouco do que faz a minha cabeça. Começo com algo bem latino, o problema passado por nossos irmãos bolivianos que, sofrem pressões oligárquicas para dividirem o país. Algo que, precisa ser melhor entendido, para, como sempre, não comermos gato por lebre. Esse site boliviano é precioso nesse sentido, simples e objetivo. Já me inscrevi nele (obrigado pela dica, amigo Arthur Monteiro Jr).
Estimado amigo,
A continuacion el llamamiento Denunciamos la Conspiracion para Dividir aBolivia que fue distribuida en la conferencia de prensa ofrecida por elpresidente Evo Morales Ayma el 21 de abril de 2008 en la sede de laOrganizacion de Naciones Unidas.Considerando la critica situacion por la que esta pasando este paishermano, como resultado de las acciones subversivas de los gruposoligarquicos y la injerencia del imperio en sus asuntos internos, lesolicitamos ofrezca apoyo personal con su valiosa firma.El sitio para adherirse es Todos con Bolivia,

y la dirección de correos

Todos con Bolivia!Nuestro mas caluroso saludos,
Red de Redes En Defensa de la Humanidad

sexta-feira, 23 de maio de 2008

MEMÓRIA ORAL (34)
A MADRUGADA DA VIRADA NA ESTAÇÃO
Como havia ocorrido ano passado, novamente entra no circuito da II Virada Cultural realizada em Bauru, um dos locais mais visados pelo público jovem, o hall de entrada da famosa estação ferroviária da antiga NOB –Noroeste do Brasil. O local é cult e promove um revival para o passado da cidade, cuja história está entrelaçada com os trilhos férreos. Quando da definição dos locais, nos acordos entre a Secretaria de Estado da Cultura e o secretário municipal da pasta, um previamente definido sempre foi a estação. O secretário José Augusto Ribeiro Vinagre discutiu um nome de peso para a apresentação no local, que ano passado teve como atração, João Gordo num evento como DJ. O local bombou e foi assunto por meses na cidade. Até hoje tem aqueles que se arrependem de não terem estado por lá. Para esse ano, o escolhido foi Edgard Scandurra, ex-Ira, que iria preceder o DJ, André Juliani. O primeiro acionando suas picaps por volta das 1h30 e o segundo às 3h30, num show denominado “Scandurra Live P.A”.

Os preparativos começam bem antes. A estação pertence hoje aos trabalhadores ferroviários, entregue a eles numa pendência trabalhista do Governo Federal, que os pagou entregando-lhes a edificação mais famosa da cidade. Como não são comerciantes do ramo imobiliário, estão com o “elefante branco” na mão e toda vez que o pessoal da Cultura local necessita fazer algum evento, uma autorização é conseguida junto ao Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários. Tudo é conseguido sem problemas, pois eles são parceiros do vizinho, parede meia com a estação, o Museu Ferroviário Regional de Bauru. Após esse primeiro passo, vem a questão social envolvendo a estação. Ela está fechada há mais de dez anos e no seu entorno dormem mendigos e andarilhos, principalmente debaixo de sua marquise central. Um trabalho de limpeza necessita ser feito a cada liberação, pois o cheiro de urina é forte e o lixo acumulado pelos vidros quebrados das portas é grande.

Vencida mais essa etapa, vem outra, a da adequação do espaço para o evento que irá se realizar. Cada caso é diferente do outro, necessitando de uma condição diferente. Nesse, com um evento musical de grande concentração de equipamentos, ocorre um reforço de fiação e um cuidado especial na parte elétrica, para não ocorrer sobrecarga. O servidor municipal, também eletrecista, Antonio Sérgio de Paula, fica encarregado de dar retaguarda aos técnicos que não conhecem a realidade do prédio. “Muita coisa é improvisada e quem chega tem que entender isso, pois isso aqui não foi feito para shows dessa natureza. No final, fazemos tudo e mais um pouco, seguimos algumas regras, sem maiores problemas e sem as famosas gambiarras”, relata Sérgio.

A estação está localizada bem no coração da cidade, na sua região central mais degradada, justamente pelo abandono causado após a privatização da ferrovia. A praça onde está inserida é um deserto à noite e sua movimentação até bem pouco tempo ocorria até por volta das 21h, quando terminava um culto da Igreja Universal, num dos seus cantos. A igreja inaugurou templo novo e o aspecto de abandono só aumentou. Na noite do show, 17 para 18 de maio, a calmaria persiste pelo início da madrugada e só é quebrada pelo barulho da montagem e dos testes de som, além do pessoal que instala um bar no local. Algo um tanto surreal para a penumbra das madrugadas por ali. Quem dorme debaixo das marquises acorda no meio da noite e é obrigado a procurar outro local para esticar o corpo, pois o entra e sai é um prenúncio de que algo muito estranho está prestes a acontecer.

Passa da uma hora da manhã e os preparativos internos estão mais do que prontos. O tédio toma conta de todos, pois o sono chega para quem fica até essas horas numa paredeira de dar gosto. Do outro lado da cidade, no teatro chega ao fim o último show da noite e no parque Vitória Régia, como término do show da banda gaúcha Cachorro Grande, tem início o último por lá, com o Funk Como Le Gusta. Público mesmo só alguns por volta das 2h equando o DJ Juliani vê que tem mais gente fora do que dentro, pede que sejam permitidos a entrada dos sem convites, pois “sem público fica difícil, necessito de um clima para tudo pegar legal”. Com umas cem pessoas o evento começa com meia hora de atraso e desde o começo aglutina diversas galeras da cidade, desde os habituais frequentadores de raves, de discos, os do hip-hop e também os de pagode, além dos curiosos em busca dedivertimento variado. Estão todos por lá, sob o olhar apreensivo de uma equipe de segurança, coordenada por Cofrinho, proprietário da Nossa Segurança. “Não tem como fazer revista nessa noite, pois faltam muitos vidros nas portas de entrada da estação. Se alguém quiser passar algo, entra sem e outro lhe passa pelos buracos. Vamos ficar atentos é em garrafas e mais vigilantes do que a conta”, conta o experiente segurança, adorado por artistas, como Ivete Sangalo, que lhe exige nas apresentações pelo interior paulista.

Edgard Scandurra chega com a empresária e se instala no improvido camarim, previamente montado dentro de um vagão dormitório de uma composição turística, do Projeto Ferrovia para Todos, pronto para circular na cidade na manhã que se aproxima. “Estive aqui, acho que em 1982, num outro momento de minha vida, quando estava a caminho do Festival de Águas Clarase me lembro da grande movimentação que era isso aqui. Ouvia histórias variadas acontecidas no tal Trem da Morte, aquele que ia para Bolívia e isso tudo me voltou à mente nessa noite”, conta Scandurra, sentado num vagão, dentro de uma sala com varanda, enebriado com o clima criado e pelo local escolhido. Chegou no meio da noite, vindo de um show em Campinas e não se furtou a adentrar o hall, lotando aos poucos e tirar fotos com quem o reconhecia. Do lado de fora quem estranhava a movimentação era Jorge, um morador de rua, vestido com uma surrada ceroula, catando bitucas pelo chão e ganhando bebida de alguns, num gesto de simpatia partilhado entre os dois lados envolvidos com o inusitado da noite.

Com o final do último show da noite, do outro lado da cidade, todos vieram para a estação e o local antes calmo, começa a ter uma brutal transformação. De um momento para outro a praça enche e circulam muito mais gente que os 350 convites distribuidos. A galera dos “sem convites” faz uma pressão e pouco a pouco vai conseguindo adentrar o local, uma vez que tudo é grátis. “A idéia é acomodar todo mundo, desde que o pessoal da segurança nos dê o aval. Se der, ninguém vai ficar de fora”, relata Vinagre. Com meia hora de atraso, Scandurra adentra o palco e com sua guitarra contagia a maioria do público. A casa bombou em questão de poucos minutos e continuava cheia lá fora. Até os músicos do Cachorro Grande e do Funk Como Le Gusta vieram para curtir o final da festa. Logo estavam enturmados e totalmente integrados. “Estou rodando todos os locais e esse é imperdível. A festa mais diferente da noite, estilo trash, gerando fotos maravilhosos”, conta Edward Albiero, arquiteto e nas horas vagas, participando de um grupo de fotógrafos, envolvidos com a retratação da cidade nos seus mais diferentes momentos. Já Tatiana Calmon, radiante com a movimentação, trouxe a filha, Dandara, de 14 anos e juntas, esbaldaram-se com o agito: “Ela se perdeu, ou sei lá se fui eu que me perdi. O fato é que revivi meus áureos tempos e gostei de voltar ao requebro. Dancei até”.

O clima foi esse até o final, por volta das 6h da manhã. No meio do show as portas foram todas abertas, mesmo com alguns receios, porém tudo transcorreu dentro da normalidade, sem nenhum incidente. Quando Scandurra parou de tocar definitivamente, após um bis onde improvisou com a guitarra o som de um trem, as luzes foram logo acesas e em meia hora, tudo estava vazio novamente. Na saída, ele de depara com uma cena surreal, a locomotiva Maria Fumaça, a do passeio matinal estava sendo acesa e deve ter saído pensando no seu dia que se encerrava e o de outros que se iniciavam. A desmontagem foi imediata e às 7h, quando as grandes portas foram fechadas, a rotina do lugar voltou novamente ao seu habitual, aquela do silêncio provocado pelo abandono.


Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 19 de maio de 2008.
RETRATOS DE BAURU (23)
LUIS VITOR MARTINELLO

Esse é um dos nossos maiores poetas e professores. Fonte de inspiração de toda uma geração. Continua na ativa, praticando das suas e preenchendo nossas expectativas. Seus livros circulam de mão em mão e fazem o maior sucesso, além de causar uma certa polêmica, como um de 1985, "Final feliz, Natal!", gerando debates acalorados até na Folha de SP. O seu livro mais famoso, para mim, continua sendo "Os anjos não mascam chiclete", se não me engano de 1983. Vitor é uma pessoas das mais agradáveis e sensatas que conheço. Após algumas desilusões, ficou descrente de um monte de coisas, dentre elas da política. Está mais cético do que nunca e não se faz de rogado quando precisa colocar o dedo na ferida, que não cicatriza nunca, dessa nossa vida política. Acho até que já está aposentado, mas não consegue parar e continua a nos brindar com belos textos (saudades de suas colunas semanais no Bom Dia) e poesias. Hoje, com um pouco mais de tempo, ando o vendo circular com mais desenvoltura pelos quatro cantos da cidade e produzindo como nunca. Agora mesmo, sei que está envolvido com a criação do seu site. Ele possui coisas maravilhosas para escrachar para todos nós. Vitor sempre bateu um bolão.
UMA ALFINETADA (27)
Na edição d'O Alfinete, lá de Pirajuí, que sai amanhã, sábado, publico meu textro de número 400 por lá. Escrevo sobre isso e fui rever nessesdias tudo o que já enviei de escritos para eles. Tem coisas boas, outras nem tanto, algumas hilariantes, sérias, picantes e desvairadas. Vou procurar, dentro das próximas semanas ir postando um pouco disso.
QUATROCENTÃO
Estou que não me aguento! Repararam aí em cima na numeração cronológica onde esse Alfinete registra os meus textos semanais. Chego com essa edição ao de número 400. Imaginando 50 edições por ano, completo 8 anos ininterruptos de colaboração, “picando e não ferindo”. E isso não é pouco. Acho até que ainda tinha cabelo quando comecei a escrevinhar por essas plagas. E fui tomando gosto, ninguém me colocou freios, continuei e deu no que deu. Agora, para me tirarem desse reduto, só com mandato judicial. Não sei se me entendem, mas tenho adquirido uma espécie de usucapião.

Sei que esse negócio de ser quatrocentão é meio aristocrático e logo me faz pensar que o termo é utilizado para designar aquelas famílias paulstanas com quatro centenários de poder e pompa na vida da maior cidade brasileira. Mesmo quatrocentão, por favor, não me confundam, nem por brincadeira com aquela “thurma”. Nossos interesses e forma de ação são antagônicos. Meu negócio aqui é bem outro. Quando convidado por Marcelo Pavanato, esse me passou carta branca e a utilizo moderadamente até hoje.

Confesso ser daqueles eco-chatos, metido a falar de tudo, criar caso, cutucando a onça com a vara curta e, em muitos casos, fazendo questão de remar contra a maré. Isso cansa, mas fui criado assim, aprendi a viver desse jeito e não será agora, cinquentão, que mudarei de postura. Estou muito velho para aderir aos modismos, ainda mais hoje, quando a mais nova mania do paulista é a devotar com cabresto. Aquilo que reclamávamos do nordestino, hoje ocorre por aqui, com um segmento político no comando do estado há mais de 15 anos e o povo, como manada, cegamente continua votando neles. Quer mais cabresto que isso?

O quatrocentão aqui não gosta de briga, aliás acho que nem brigar sei mais e não me proponho a essas excentricidades. Possuo alguns desafetos, mas se precisar sentar e conversar, estou sempre disposto. Quando a polêmica não resvala para aquela baixaria de agressões gratuitas, discuto à exaustão, mas com quem possua argumentos. Não tolero o uso de termos chulos e aqueles que se vendem, pregando algo hoje e amanhã outra coisa completamente oposta. Pior são aqueles que vendem seu espaço a troco de migalhas, umas cervejinhas num boteco de ponta de vila. São descartáveis, desnecessários e um tanto desmiolados. Faço minha pregação em outra paróquia.

Estou sempre proposto a ir levantando questões interessantes, fazer pensar, gerar debates e na reflexão, não se deixar levar por mensagens enganosas. Procuro sempre entender o que quer nos dizer as entrelinhas de um texto. Sempre existe algo embutido. Quero sempre mostrar a possibilidade da existência de um outro lado, pois nada está pronto e deve ser aceito como irrevogável. Se quizerem, continuo por aqui, mas alerto, só sei fazer desse jeito.

Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos, esclarecendo aos que reclamam de minha sisidez: prometo retornar ao humor assim que conseguir alforria do trabalho escravo ao qual estou hoje submetido (www.mafuadohpa.blogspot.com).

quarta-feira, 21 de maio de 2008

FRASES DE UM LIVRO QUE JÁ LI (13)
SOCOS NA PORTA - FERNANDO MORAIS

Puxa! Essa eu tirei do fundo do baú. Fui revirar uns escritos antigos aqui dentro do meu mafuá e localizei um antigo caderno de anotações, carcomido pelo tempo e lá estavam algumas anotações que fiz ao terminar a leitura desse livro do escritor Fernando Morais. Isso foi no ano de 1980, quando tinha 20 anos e Fernando publicou esse livreto com os discursos pronunciados na Assembléia Estadual, em sua experiência como deputado estadual. O período vai de sua posse, em março de 1979, a março de 1980. Vivenciei bem esse período e trago boas recordações de todas as leituras que fiz naqueles anos. Todas ajudaram sensivelmente na minha formação. Esse é um livro que, infelizmente não tenho mais. Perdeu-se pelo tempo. Vamos a algumas frases do livro:


- "O Brasil não será jamais dos mansos, dos fracos, dos conformados. O futuro não pertence aos omissos e muito menos aos silenciosos. É preciso deixar claro, de uma vez por todas, que nós não temos medo".

- "A mão estendida do general Figueiredo é uma mão que esconde um soco inglês".

- "Temos uma ditadura levada na mordomia, para qual a política de privilégios, antes de ser um programa de governo, começa em casa, mais exatamente na despensa de seus ministros".

- "Maluf é um homem de negócios que está hospedado no Palácio dos Bandeirantes, como um penetra, sem ter sido convidado pelo dono daquele palácio, o povo de São Paulo".

- "Quinze anos de exercício de jornalismo me ensinaram uma coisa: preservar a fonte".

_ "A democracia dos patrões é da porta da fábrica para fora, é democracia lá na matriz das multinacionais, é democracia para chanceler alemão ver".

- "A força de uma greve está nos enormes prejuízos quer traz as empresas".

- "...não haverá democracia nesse país sem democracia para a classe trabalhadora".

- "Vai chegar o dia em que até uma réstia de sol terá que ser conquistada atrás de uma barricada".

- "O que para o povo, o que para todos nós são justas reivindicações, o que para todos nós é uma questão social, o sr Paulo Salim Maluf já disse, publicamente, tratar-se de caso de polícia".

- "Não podendo designá-la pelo seu legítimo nome, de Revolução de 1º de Abril, os golpistas inventaram um 31 de março para salvar as aparências".

- "Delfim Neto está para a distribuição de renda e para a justiça social deste país, como estava o delegado Fleury para os Direitos Humanos".

domingo, 18 de maio de 2008

UMA CARTA (8)

VAMOS VIAJAR DE TREM COM SEU ARCÔNSIO NESSE DOMINGO
Com esse título enviei para alguns amigos e também do seu Arcônsio (motivo de minha penúltima Memória Oral), algo que ele havia me solicitado, um desejo de viajar de trem antes da mudança de Bauru para São José do Rio Preto. Da carta, resultou a viagem, realizada hoje, domingo, 18/05, dentro do passeio matinal com a composição Maria Fumaça, do projeto Ferrovia para Todos, aqui de Bauru, no qual estiveram envolvidos, além de mim, a vereadora Majô, Dino Magnoni, Darcy Rodrigues, Maria Luiza Carvalho e a esposa de Arcônsio, a Zuleide. A TV Tem, que estava gravando sobre o evento, registrou a viagem e fez uma bela matéria com o velho ferroviário. A tal carta, publico logo abaixo:

AMIGOS DO SEU ARCÔNSIO
Como todos ficamos sabendo pela imprensa, nosso querido militante, seu Arcônsio estará deixando Bauru em breve, talvez logo no início de junho. Ele havia manifestado uma intenção de voltar a passear de trem antes de sua partida, de mudança para São José do Rio Preto. Dessa forma, como nesse final de semana estaremos realizando mais um passeio com a composição Maria Fumaça, estamos convidando todos os amigos do seu Arcônsio para fazer essa viagem nostálgica ao lado dele, quando poderemos bater um papo e rever o amigo.

Marcamos para as 11h esse passeio, ocorrendo no próximo domingo, 18/05, com saída ocorrendo da plataforma da Estação da Paulista, com entrada pelo portão no cruzamento entre as ruas Julio Prestes e Rio Branco, bem junto à Feira do Rolo. Ao adentrarmos o pátio, onde estará ocorrendo o encerramento da X Semana dos Museus de Bauru e a 3ª edição da feira Estação Arte, todos nos reuniremos, para juntos fazermos o passeio com ele.Gostaria que esse convite fosse repassado para todos seus amigos, propiciando um encontro bastante agradável na manhã do próximo domingo. Contamos com sua presença por lá
DIÁRIO DE CUBA (3)

Escrevi esse texto que, deve sair publicado na revista JÁ, aqui de Bauru em uma de suas próximas edições, sobre Cuba, a pedido do seu editor e faz tudo, o Sílvio. Publico em primeira mão aqui no mafuá, com mais algumas fotos, dentre as mais de mil que tirei quando lá estive em março último.
A VISÃO QUE TEMOS DE CUBA E A REALIDADE LÁ ENCONTRADA
Estive em Cuba justamente 30 dias dias após Fidel Castro deixar o Governo daquele país. Fui realizar um sonho acalentado por mais de 30 anos. Se tivesse ido, baseando-se no que lia por aqui, influenciado pela intensa propaganda negativista, encontraria somente miséria e ditadura. Para mim, confesso, não sofri choque nenhum, pois nunca me deixei influenciar pela dita "grande imprensa brasileira", muito pelo contrário, sou fervoroso adepto de buscar outras fontes de informação. E dessa forma sigo me informando.
Fiquei por lá 20 dias e o que vi foi exatamente o contrário de tudo o que nos querem fazer crer como a sua realidade, a imprensa neoliberal do mundo atual. Ainda hoje, com quase 50 anos de Revolução Cubana, a experiência cubana continua um osso atravessado na garganta do sistema capitalista. Encontrei um povo com um nível cultural bem acima da média do brasileiro, pois todos podem estudar (se quiserem) até a universidade, com tudo gratuito. A saúde é mais do perfeita e atende, também gratuitamente a todos, indistintamente, com uma perfeição que me fez invejar e desejar o mesmo para o lado de cá. Ninguém paga aluguel e todos estão instalados em casas confortáveis, que podem até não possuir um visual externo bonito, mas por dentro não deixam nada a desejar aos de nossa classe média. Se o salário que ganham é baixo, saem na frente, pois não possuem os mesmos gastos que temos aqui. E como são alegres, tocam suas vidas com uma simplicidade, sem o luxo e o excesso de coisas desnecessárias, o tal consumismo do mundo capitalista. Com certeza, vivem com um padrão melhor do que o nosso, mesmo Cuba sendo infinitamente mais pobre do que o Brasil.
Percorri o país todo, primeiro conhecendo Havana, onde fiquei a maior parte do tempo (8 dias) e o restante, indo de ônibus, com uma mochila às costas, por Santa Clara, Cienfuegos e Santiago de Cuba, já no outro extremo da ilha. Não vi nada relativo com a nossa violência urbana. Circulei livremente, conversei com todo o tipo de pessoas e acompanhei o dia-a-dia em escolas, hospitais, locais de trabalho e quando leio que só agora estão sendo liberados a internet e os celulares, tenho que discordar, pois muitos já estavam com esses equipamentos há um bom tempo. Eles possuem o mesmo direito de ir e vir daqui, com a mesma restrição nossa, a financeira. Não viajam por falta de grana. Conheci muitos que sairam e decepcionados com o que encontraram do lado de cá, voltaram mais do que correndo. Haviam sido picados pela "mosca azul", mas quando se depararam com a realidade capitalista, não tiveram dúvidas em voltar na primeira oportunidade. Fui a Cuba não em busca de encontrar grandes avanços tecnológicos e científicos, serviços turísticos de primeira linha e um primor em tudo. Preenchi todas as minhas expectativas, principalmente constatando que um outro mundo é mais do que possível. Cuba está aí para provar isso e só por isso, essa pequena ilha, tão perto do tão poderoso EUA, não tem o direito de fracassar, pois para milhões de habitantes do planeta (nos quais me incluo), continua sendo a esperança viva de que a utopia não é um mero sonho. E lutar por esse sonho continua sendo nossa tarefa diária. E assim toco minha vida, buscando a realização do sonho socialista do viver como sinônimo de amor, ao próximo e a si mesmo.
Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos, professor de História, funcionário público
DICA DE LEITURA (19)
Todos leram a exaustão os desdobramentos do envolvimento do Ronaldo com travestis num motel carioca. Vi muita hipocrisia em tudo o que li e dentre o que salvo, bem dentro de minha linha de pensamento estava um texto do ex-jogador Sócrates (lúcido, como sempre). Publico aqui alguns trechos, pois reflete minha linha de pensamento:

MÍDIA INFAME
12/05/2008 13:15:20 Sócrates
Na semana passada, estarreceram-me as interpretações dadas por alguns meios de comunicação sobre o episódio em que se envolveu Ronaldo na belíssima noite carioca. Que o fato foi pitoresco ninguém tem dúvida alguma, mas querer extrair do acontecido definições equivocadas a respeito das opções comportamentais do craque é um claro exagero. Quando não, sensacionalismo. Podemos admitir que ele tenha sido ingênuo ao não discernir entre uma mulher e um travesti, mas me digam: quem nunca se enganou em uma questão como esta? Sem pretender comparar as qualidades físicas das que com ele estiveram naquele motel com a que passo a me referir, diria que uma das mulheres mais lindas que já vi na vida foi Roberta Close. A qual, apesar da aparência mais que feminina, de ter sido escolhida a mais bela do País em determinada ocasião e capa das principais revistas masculinas nos anos 80, era definida como Homem em sua carteira de identidade no espaço dedicado ao sexo. Feliz ou infelizmente, jamais tive a chance de me aproximar dela, pois erraria feio, como Ronaldo.

Depois da escolha equivocada, o cidadão Ronaldo foi claramente vítima de uma tentativa de extorsão, como, aliás, vários brasileiros já o foram nas mesmas condições, inclusive e, eventualmente, pelas mesmas pessoas. Agora, querer levar o assunto para outras plagas é pretender destruir um ser humano que em várias ocasiões demonstrou ser alguém muito maior do que a pequenez dessas ridículas linhas editoriais.
Levantar suspeitas de consumo de cocaína ou de qualquer outro tipo de droga e de homossexualismo é de extrema maldade, pois quem o acompanha, por jornais e revistas, que seja, sabe que em momento algum se viu em seu olhar qualquer sinal de estar drogado. E quem saiu e casou com as belezas que ele conquistou não pode gostar de travestis. Esta mesma mídia careta que o quer derrubar foi aquela que não soube valorizar o gesto de Leandro, em 1986, que abdicou de seu posto no Mundial do México, e por conseqüência de sua carreira, em solidariedade a um colega. A mesma mídia que não sabe participar da educação do nosso povo, pois a ela não interessa que isso aconteça. É infame, ridícula e absolutamente irracional. Que se dane!
UM COMENTÁRIO QUALQUER (12)
Escrevi esse texto para uma palestra que ministrei semana passada no Museu de Lençóis Paulista SP, dentro da programação da 6ª Semana dos Museus. Preparei um esboço e apresento aqui um resumo do que falei lá. Tudo foi preparado para jovens de aproximadamente 14 anos.

MUSEU, O CAVALEIRO ANDANTE DO SÉCULO XXI
Todos aqui conhecem, já ouviram falar ou leram algo sobre Miguel de Cervantes, o grande escritor espanhol e sua mais importante obra “Dom Quixote de la Mancha”. Quem foi esse personagem? O que representa a sua ação? A lança contra os tais moinhos de vento, o que afinal seria isso? Vamos todos fazer um pequeno exercício e transportar aquilo tudo para nossos dias: o que vem a ser a ser luta, a saga do Quixote? É a nossa própria luta, a do mais fraco enfrentando o mais forte. Exemplos: a luta do povo palestino com paus e pedras contra o armamento pesado de Israel, a ira do iraquiano contra o invasor norte americano e o levantar a voz contra os desmandos cometidos contra a natureza, as injustiças todas desse mundo. Agora mesmo, estamos vendo o julgamento do mandante da missionária Dorothy, no Pará. Quer luta mais quixotesca do que essa?

Esse atirar lanças contra tudo isso é algo quixotesco. Recorro a fala de Cervantes, enquanto Cavaleiro Andante. O museu deve ser o “cavaleiro andante que, pelos desertos, pelas soledades, pelas encruzilhadas, pelas selvas e pelos montes, anda procurando perigosas aventuras, com a intenção de lhes dar ditoso e afortunado termo, só para alcançar glória e perdurável fama”. Que a semelhança do tal cavaleiro, o museu devasse “todos os cantos do mundo, entre os mais intrincados labirintos, acometa o impossível a cada passo, resistas nos ermos páramos aos ardentes raios de sol de um pleno estio, e no inverno áspero ao influxo dos ventos e dos gelos”.

O que seriam essas perigosas aventuras, devassando todos os cantos do mundo. É a ousadia, seria o museu retrarar de tudo um pouco. Não somente o lado dos vitoriosos, dos poderosos, dos endinheirados, mas o do povo mais simples, das massas, dos trabalhadores, dos explorados e dos perdedores. Explicar cada lado, dar voz a todas as vertentes e resgatar a história de
cada pedaço de nossa história, principalmente a da nossa aldeia, o nosso mundinho. Paro aqui para falar sobre os Museus de Bauru:

1.Museu Ferroviário ontem: bela exposição, retratando o lado imponente da ferrovia, móveis da chefia, quase nada do trabalhador. Tudo estático, sem alterações e com muitos avisos: Não isso e não aquilo. Não por todos os lados. Por mais bonito que isso possa ser, ninguém gosta de ir num lugar onde não se pode fazer nada, tudo é proibido. Foi uma vez, não precisa mais voltar, tudo continua como dantes. Sabe que tudo continuará comoantes.

2.O Museu de hoje é a uma renovação constante, tudo para que não ocorra a perda de interesse. Quixote foi assim, inquieto e fez disso o grande motivador de sua vida. Essa busca de outros caminhos, outras possibilidades é o grande poder transformador dos museus atuais. Tudo possibilita várias abordagens, enfoques e pontos de vista, nada deve ser definitivo. Uma exposição sobre um tema pode gerar outra, com outro enfoque e material. Isso faz pensar, gera debate e educa.

Hoje, a grande maioria dos museus latinos passa por essa movimentação, comum a grande renovação no campo museal. Tudo isso é muito benéfico, propicia o entendimento do que realmente acontece no campo social. Volto para Museu Ferroviário Bauru que, hoje mostra o lado do trabalhador, suas peças, vestuário. Cito também o Museu Histórico que hoje expõe uma MostraUmbandista, dentro do centenário dessa religião. Fizemos uma sobre documentos extraídos do DOPS, desenhos de alunos japoneses, o passado do carnaval, preparamos uma sobre mangás japoneses, a história da imprensa de bar na cidade e muitas outras. Isso tudo é muito quixotesco e movimenta a equipe. Saliento algo: não basta também expor sem fundamentação, sem aprofundamentos, pois isso não leva a reflexão nenhuma.

HENRIQUE PERAZZI DE AQUINO – PROFESSOR DE HISTÓRIA - 15/05/2008

sexta-feira, 16 de maio de 2008

MEMÓRIA ORAL (33)

DUAS FEIRAS, DUAS IDÉIAS MUITO PARECIDAS











A primeira é famosa e acontece há mais de trinta anos no mesmo local, embaixo do viaduto da Perimetral, num espaço que abrange mais de 600 metros, indo da estação das Barcas até as imediações do Museu Histórico Nacional, na famosa Praça Quinze, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Inicialmente era denominada de Feira do Troca-Troca e depois, quando foi conquistando maior consistência ganhou o nome definitivo, "Feira de Antiguidades da Praça Quinze". Ela acontece semanalmente, das 7h30 até por volta das 16h, todo sábado, contando com aproximadamente 150 expositores, com uma ampla variedade de bancas, vendendo as coisas mais inusitadas possíveis.
Sua fama e abrangência só cresce e dentre os seus habituais frequentadores está o economista Carlos Lessa, ex presidente do BNDES e um dos maiores incentivadores da recuperação do patrimônio histórico do Rio Antigo. Ele comparece quase todos os sábados e não circula por todo o espaço, possuindo algumas barracas de sua preferência, dentre elas uma de selos, postais, fotos antigas e similares. Conta com a amizade dos expositores, pois adentra a parte interna das barracas, onde já encontra uma pré-seleção do que procura. Ali, faz suas escolhas e paga, quase sempre em cheque. Depois, acaba se informando das novidades e sai meio na surdina. No sábado, dia 10/05, uma manhã chuvosa, fez o trajeto habitual e antes das 10h já estava de partida, quase sem ser notado. E saia satisfeito, com variadas compras efetuadas. Assim como Lessa, muitos vão para a feira sabendo exatamente o que querem e onde o encontrarão. Numa animada banca, um grupo de quinze pessoas discutem sobre filmes antigos e demonstram todo o conhecimento, diante de verdadeiras raridades, opções das mais inusitadas. Ouço de Nonato, um habituê no local: "somos um grupo não muito grande, todos nos conhecemos e amantes de filmes antigos, temos aqui um espaço para conversar com quem também conhece o assunto". Isso acontece por todo o espaço e as bancas refletem a diversidade encontrada por ali. Tem para todos os gostos e preferências. Desde tampinhas de garrafas, pins de eventos famosos, discos e CDs, moedas, selos, obras de arte, instrumentos musicais, móveis, latas de embalagens, facas, cartões telefônicos, livros, até os inusitados capacetes de guerra, perucas e bonecas importadas.
"Pense em algo e procure por aqui, certamente você vai acabar encontrando. A grande atração é exatamente essa diversidade, o encontrar de tudo um pouco. A maioria vem para comprar, mas tem muita gente que vem para passear, andar e voltar ao passado. Andando por aqui, você encontra sempre gente em lágrimas", diz Rafael Barbeito, o responsável pela organização daFeira, sentado numa confortável cadeira, daquelas tipo "do papai", observando o fluxo agitado do local, mesmo com o frio e a persistente garoa daquela manhã. "Nosso local é maravilhoso, pois abrange uma extensa parte coberta, justamente embaixo do viaduto. Aqui ninguém toma chuva e pelo próprio espírito do evento, a segurança é feita pelos próprios expositores. Todos nos conhecemos há muitos anos e somos unidos para o que der e vier", conclui Rafael.
Se a feira não é propriamente uma fonte de referência turística na capital carioca, não está longe disso, pois além do público local, muitos são proveninetes de outros estados e até países. Não é difícil observar estacionados nas imediações ônibus de turistas e muitas vans. Táxis chegam e partem a todo instante com gente vindo exclusivamente para o local. E andar pelos corredores formados pelas barracas é ir se deparando com diálogos emocionantes, como o de um antigo marinheiro que, diante de uma banca com instrumentos de sopro, pede para tocar um pouco, é atendido e executa canções, principalmente as militares. Junta pessoas e alegremente conclui: "Mesmo na reserva, não me esqueço disso e muitos também gostam". O bate papo descontraído entre vendedor e comprador prevalesce por todos os cantos e contagia a todos.
Esse espírito é o mesmo espalhado por feiras similares acontecendo nos mais diferentes locais do mundo. Em muitos locais são também conhecidas como "Mercado das Pulgas" e além da venda, o troca-troca também é um grande diferencial. Em Bauru não é diferente e já na segunda edição, a feira Estação Arte, acontecendo no prolongamento da conhecida Feira do Rolo, com a abertura de um amplo estacionamento da antiga Estação da Cia Paulista, hoje sendo ocupado e recuperado pela Secretaria Municipal de Cultura, que pretende instalar no local dois museus municipais, o Histórico e o MIS – da Imagem e do Som. A idéia de trazer pessoas ao local e aproveitar o público da conhecida Feira do Rolo é antiga e só foi colocada em prática com a união de uma equipe de trabalho totalmente envolvida com essas questões. Orlando Alves, RicardoIlha, Neli Viotto e Alex Gimenes estiveram à frente dos trabalhos de revitalização do local e de idealização da feira.













"Ela é um sucesso, reunimos os artesãos da UBÁ, para encorpar o evento e junto dela trouxemos muitas outras iniciativas, como as exposições dos museus e uma banca de livre circulação de livros. Muitas outras virão, como um artesão que apareceu no último domingo, com um carro de boi e um casinha de barro. Arrumamos um espaço para ele expor seu trabalho", conta Orlando Alves. Junto a tudo isso não poderia faltar manifestações artísticas e elas aconteceram e já conquistaram o público. O teatro de rua, com dois artistas da cidade, Ezequiel Rosa e Marisa de Oliveira atrai muita gente e interage com o público das ruas. Não têm como não dar uma parada e ficar observando o trabalho deles. "Estar aqui é algo que faço com gosto, pois a feira dominical é um dos lugares mais movimentados da cidade e ela lota sempre", conta Ezequiel.
Uma feira nesse sentido atrai muita gente e principalmente os envolvidos com a questão artística. Na primeira edição quem estava por lá foram o poeta Luis Vitor Martinello, o idealizador do Grupo de Estudos Folclóricos Yauaretê, Tito Pereira e o membro da Academia Bauruense deLetras, escritor José Perea Martins. Esse último acabou levando seus livros para a banca livre na segunda edição e entusiasmado relata: "Fiz um carimbo próprio informando que os livros poderiam ser levados gratuitamente e após lidos, com a recomendação de que sejam passados para a frente". Ficou ao lado da banca por um bom tempo distribuindo os seus e tudo o mais que estava disponível naquele momento.
A idéia está vingando e entusiasmando. Todos os envolvidos sabem do trabalho incessante despontando no horizonte, pois de duas edições previstas, uma já aconteceu de forma extraordinária e o número de interessados só cresce. Com muito trabalho pela frente, algo está bem definido com essas primeiras experiências, a feira vai crescer, ganhar cada vez mais corpo, tomará mais tempo de todos e propiciará uma nova opção de difusão de lazer e cultura para a cidade. E quem ganha é a própria cidade num todo e por tudo o que representa, já é uma espécie de alento para a reduzida equipe de retaguarda, desdobrando-se eletricamente e sendo recarregada com o entusiasmo recebido do público presente. Tanto que é sempre maravilhoso ouvir da boca de Neli Viotto, uma das pessoas envolvidas até o pescoço com o evento, algo que personifica tudo o que está sendo realizado: "Como é bom trabalhar em equipe. Tudo flue e acontece". Parece que essa é mais uma bela iniciativa que veio para ficar.





Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 14/05/2008