UMA NOITE NO RIO
Não sei porque cargas d'água, toda vez que retorno ao Rio, nessas rápidas viagens, ao estilo bate-volta, acabo lembrando de um velho livro do escritor mineiro Oswaldo França Junior, o "Um dia no Rio" (editora Codecri, 1981). Já o li umas 3 ou 4 vezes. Ali está retratado um dia na vida de um mineiro no Rio, os compromissos todos no horário comercial e o voltar para "Belzonte" no final da tarde. Já fiz muito disso, pegando o ônibus aqui em Bauru a noitinha, aportando lá na Cidade Maravilhosa pela madrugada (via Reunidas) e o retorno no mesmo dia, no começo da noite. Em todas as vezes, aquela sensação de ter deixado para trás um monte de coisas por serem feitas, afinal, é impossível desfrutar daquilo tudo em poucas horas.
Dessa vez, se não foi por um dia, não passou longe disso. Chego em um e volto no outro. Pelo menos, passo uma noite por lá. E é sobre isso o meu relato. Resolvi perambular pelas ruas do centro, no começo da noite de sexta, 9/5, observando a movimentação dos que estão deixando o seus serviços e caindo de boca no início de mais um final de semana. O carioca desce do prédio onde trabalha e quando chega na calçada se depara com uma transformação na cidade, algo que não ocorre todos os dias da semana. A sexta é sempre especial, tudo se transforma, o clima é diferente e o visual das ruas está mais alegre e contagiante. E é nessa que eu vou, pois também adoro essa transformação, vendo as pessoas afrouxando o nó das gravatas e adentrando o que essa cidade tem de melhor, o clima de cordialidade e festa.
Terminei o trabalho mais cedo. Estava só e queria olhar, ver as pessoas, fotografar, escutar as conversas e para fazer tudo isso, só adentrando dentro do espírito da coisa. Foi o que fiz. Ainda com uma bolsa pendurada nos ombros, circulo de um lado para outro. Como tenho um velho conhecido na rua do Ouvidor, atravesso o centro e quando o escuro da noite se faz presente chego por lá, bem no cruzamento com a Travessa do Comércio. Havia passado ali durante o dia e as estreitas ruas estavam liberadas. Agora o visual é bem outro, cadeiras tomam conta das ruas e das calçadas. Tudo é ocupado quase que ao mesmo tempo. Um clima de alegria no semblante e cerveja em todas as mesas.
Paro na livraria do velho amigo Rodrigo "Boa Pessoa", a Folha Seca, no nº 37, onde ele se esforça no que melhor sabe fazer: vender cultura, num espaço onde o tema principal são a cidade e o futebol. Livros e mais livros sobre isso contagiam a clientela e estão mais do que irmanadas com o espírito que emana das ruas. "Que bom te ver. Hoje a noite o samba é patrocinado pelos vizinhos, amanhã é minha casa e lá pelas dez da manhã já estarei por aqui. Venha", me diz ao me ver adentrando aquele sagrado lugar, venerado por uma legião de admiradores.
Folheio algo, conversamos um pouco e saio para bebericar uma gelada. Não têm como resistir por muito tempo e não aderir. Sento num botequim no estilo "pé sujo", onde bem na minha frente rola um animado carteado. Beberico e observo, todos riem e isso contagia. Mato uma garrafa e com uma lata na mão, circulo pela rua, passo defronte o Boteco Casual onde um grupo de samba toca espremido na calçada. Vou subindo e na Avenida Antonio Carlos, os pontos de ônibus estão cheios. É o retorno para a Zona Norte, a Baixada. Cruzo a rua e nem uns 200 metros adiante me deparo com um cercado em plena Rua da Quitanda. É uma espécie de curral, um reservado, um bar no meio da rua, com direito a churrasquinho assado ali mesmo. Um luxo. Não é difícil ir cruzando com gente ainda com penduricalhos do trabalho numa mão e garrafas em outra. É mais um efeito da noite de sexta.
Passo por dentro do Conjunto Nacional, saio da Rio Branco, cruzo o Largo da Carioca, com os camelôs desmontando suas barracas e no caminho para a Lapa, na Evaristo da Veiga, uma senhora sentada na calçada, encolhida, me faz ver que nem tudo é alegria na sexta. Ao avistar os Arcos vejo tudo lotado, som alto e um grande palco, com barracas espalhadas pela praça. É uma grande concentração show dos adeptos da carismática Canção Nova. "Desculpe, acabou os condimentos, são só pão, salsicha e batata palha", me avisa um barraqueiro, ao adentrar a fila para um cachorro quente. Do palco ecoa o refrão, cantado por todos: "Cuida de mim, ó meu Senhor!". O cantor grita após a música: "Você já adquiriu esse CD? São só dezoito reais". Lembro-me novamente da mulher na calçada e quando me dou conta, quem sobe ao palco é o ídolo lá deles, Dunga. "Pode parar de pecar", é o que mais repete, como se fosse uma ordem, ecoando de todas as bocas por ali.
Continuo minha caminhada, passo pelo Circo Voador e adentro na Lapa, rua Mem de Sá. Tomo mais uma no Bar Brasil e observo a grande fila para adentar o Carioca da Gema, do outro lado da rua. Na minha frente para o 433, o famoso ônibus no sentido de Vila Isabel. Não tem como não se lembrar da música do Bebeto Alves: "Ai essa louca ilusão/ Que embala o meu coração/ Num 433, Barão de Drumond/ Pra Vila Isabel/ Lá do fim do Leblon/ Que rola da noite/ De alguma mesa...". Isso eu ouvia nos anos 80, quando nem pensava em me casar, mas já sonhava com o Rio. A Lapa ferve, gente e mais gente, um monte de barzinho chic. Virou point da cidade e espantou a prostituição para outro lugar.
Retorno e paro na Calçada da Lapa, ao lado da Sala Cecília Meirelles. Tomo a última lata da noite (Skol, viu!) e vejo tudo tomado, gente de bermuda por tudo quanto é lado. Não são nem 23h e já alcancei minha cota. Tomo o rumo do hotel, não sem antes dar uma espiada no que está passando no Odeon. Carrego uns jornais distribuidos por lá (adoro o Bafafá e o Plástico Bolha) e adentro o Itajubá, bem atrás da Cinelândia. Só essa perambulada já me dá uma revitalizada na alma. Adoro repetir circuitos iguais a esse quando estou por lá. Saio de todos sempre recarregado.
Henrique Perazzi de Aquino, 26 de maio de 2008
Não sei porque cargas d'água, toda vez que retorno ao Rio, nessas rápidas viagens, ao estilo bate-volta, acabo lembrando de um velho livro do escritor mineiro Oswaldo França Junior, o "Um dia no Rio" (editora Codecri, 1981). Já o li umas 3 ou 4 vezes. Ali está retratado um dia na vida de um mineiro no Rio, os compromissos todos no horário comercial e o voltar para "Belzonte" no final da tarde. Já fiz muito disso, pegando o ônibus aqui em Bauru a noitinha, aportando lá na Cidade Maravilhosa pela madrugada (via Reunidas) e o retorno no mesmo dia, no começo da noite. Em todas as vezes, aquela sensação de ter deixado para trás um monte de coisas por serem feitas, afinal, é impossível desfrutar daquilo tudo em poucas horas.
Dessa vez, se não foi por um dia, não passou longe disso. Chego em um e volto no outro. Pelo menos, passo uma noite por lá. E é sobre isso o meu relato. Resolvi perambular pelas ruas do centro, no começo da noite de sexta, 9/5, observando a movimentação dos que estão deixando o seus serviços e caindo de boca no início de mais um final de semana. O carioca desce do prédio onde trabalha e quando chega na calçada se depara com uma transformação na cidade, algo que não ocorre todos os dias da semana. A sexta é sempre especial, tudo se transforma, o clima é diferente e o visual das ruas está mais alegre e contagiante. E é nessa que eu vou, pois também adoro essa transformação, vendo as pessoas afrouxando o nó das gravatas e adentrando o que essa cidade tem de melhor, o clima de cordialidade e festa.
Terminei o trabalho mais cedo. Estava só e queria olhar, ver as pessoas, fotografar, escutar as conversas e para fazer tudo isso, só adentrando dentro do espírito da coisa. Foi o que fiz. Ainda com uma bolsa pendurada nos ombros, circulo de um lado para outro. Como tenho um velho conhecido na rua do Ouvidor, atravesso o centro e quando o escuro da noite se faz presente chego por lá, bem no cruzamento com a Travessa do Comércio. Havia passado ali durante o dia e as estreitas ruas estavam liberadas. Agora o visual é bem outro, cadeiras tomam conta das ruas e das calçadas. Tudo é ocupado quase que ao mesmo tempo. Um clima de alegria no semblante e cerveja em todas as mesas.
Paro na livraria do velho amigo Rodrigo "Boa Pessoa", a Folha Seca, no nº 37, onde ele se esforça no que melhor sabe fazer: vender cultura, num espaço onde o tema principal são a cidade e o futebol. Livros e mais livros sobre isso contagiam a clientela e estão mais do que irmanadas com o espírito que emana das ruas. "Que bom te ver. Hoje a noite o samba é patrocinado pelos vizinhos, amanhã é minha casa e lá pelas dez da manhã já estarei por aqui. Venha", me diz ao me ver adentrando aquele sagrado lugar, venerado por uma legião de admiradores.
Folheio algo, conversamos um pouco e saio para bebericar uma gelada. Não têm como resistir por muito tempo e não aderir. Sento num botequim no estilo "pé sujo", onde bem na minha frente rola um animado carteado. Beberico e observo, todos riem e isso contagia. Mato uma garrafa e com uma lata na mão, circulo pela rua, passo defronte o Boteco Casual onde um grupo de samba toca espremido na calçada. Vou subindo e na Avenida Antonio Carlos, os pontos de ônibus estão cheios. É o retorno para a Zona Norte, a Baixada. Cruzo a rua e nem uns 200 metros adiante me deparo com um cercado em plena Rua da Quitanda. É uma espécie de curral, um reservado, um bar no meio da rua, com direito a churrasquinho assado ali mesmo. Um luxo. Não é difícil ir cruzando com gente ainda com penduricalhos do trabalho numa mão e garrafas em outra. É mais um efeito da noite de sexta.
Passo por dentro do Conjunto Nacional, saio da Rio Branco, cruzo o Largo da Carioca, com os camelôs desmontando suas barracas e no caminho para a Lapa, na Evaristo da Veiga, uma senhora sentada na calçada, encolhida, me faz ver que nem tudo é alegria na sexta. Ao avistar os Arcos vejo tudo lotado, som alto e um grande palco, com barracas espalhadas pela praça. É uma grande concentração show dos adeptos da carismática Canção Nova. "Desculpe, acabou os condimentos, são só pão, salsicha e batata palha", me avisa um barraqueiro, ao adentrar a fila para um cachorro quente. Do palco ecoa o refrão, cantado por todos: "Cuida de mim, ó meu Senhor!". O cantor grita após a música: "Você já adquiriu esse CD? São só dezoito reais". Lembro-me novamente da mulher na calçada e quando me dou conta, quem sobe ao palco é o ídolo lá deles, Dunga. "Pode parar de pecar", é o que mais repete, como se fosse uma ordem, ecoando de todas as bocas por ali.
Continuo minha caminhada, passo pelo Circo Voador e adentro na Lapa, rua Mem de Sá. Tomo mais uma no Bar Brasil e observo a grande fila para adentar o Carioca da Gema, do outro lado da rua. Na minha frente para o 433, o famoso ônibus no sentido de Vila Isabel. Não tem como não se lembrar da música do Bebeto Alves: "Ai essa louca ilusão/ Que embala o meu coração/ Num 433, Barão de Drumond/ Pra Vila Isabel/ Lá do fim do Leblon/ Que rola da noite/ De alguma mesa...". Isso eu ouvia nos anos 80, quando nem pensava em me casar, mas já sonhava com o Rio. A Lapa ferve, gente e mais gente, um monte de barzinho chic. Virou point da cidade e espantou a prostituição para outro lugar.
Retorno e paro na Calçada da Lapa, ao lado da Sala Cecília Meirelles. Tomo a última lata da noite (Skol, viu!) e vejo tudo tomado, gente de bermuda por tudo quanto é lado. Não são nem 23h e já alcancei minha cota. Tomo o rumo do hotel, não sem antes dar uma espiada no que está passando no Odeon. Carrego uns jornais distribuidos por lá (adoro o Bafafá e o Plástico Bolha) e adentro o Itajubá, bem atrás da Cinelândia. Só essa perambulada já me dá uma revitalizada na alma. Adoro repetir circuitos iguais a esse quando estou por lá. Saio de todos sempre recarregado.
Henrique Perazzi de Aquino, 26 de maio de 2008
3 comentários:
Henrique, teus relatos estão cheios de vida. Adorei!
MEU CARO
ME DEU VONTADE DE IR AO RIO E PERAMBULAR PELAS RUAS (NUMA SEXTA, VIU!)
ROSE
Henrique,como a sua maneira de escrever retrata com fidelidade o belo Rio. Consegui fazer o passeio através do seu relato ( você escreve muito bem ) detalhado e pontuado pelo encontro com as pessoas . Há muito tempo não vou lá, que saudade ! Sabe , me sinto assim quando vou a São Paulo, lá , andando , quase sempre sózinha , pelas ruas centrais, relembro minha infância, revisito as praças e analiso o rosto das pessoas.Me sinto feliz e com a energia revitalizada , adoro a minha São Paulo.Sempre leio seus textos, apesar de nem sempre respondê -los . Precisamos nos encontrar para falarmos de tudo que gostamos. Abraços
Vera T.
Postar um comentário