Loyola, como já afirmei aqui recentemente é um mago da escrita bem elaborada e proporcionou a Bauru uma grande surpresa em sua crônica semanal publicada no Caderno 2, do jornal O Estado de São Paulo, edição de sexta, 25/4, com uma crônica falando de Bauru, da estação e citando meu nome. Estou num contentamento de dar gosto, tanto que até já emoldurei a página do jornal. Não tenho palavras para agradecer o carinho. Suas generosas palavras com referência ao nosso Museu Ferroviário, com 15 linhas, tratam-se de algo valoroso e demonstram todo o carinho do público em geral para com quem olha para a ferrovia com olhos esperançosos. Hoje, em homenagem ao Dia do Ferroviário, ocorrido dia 30/04, publico aqui o texto dele.
Bauru, museu ferroviário nacional?
Ignácio de Loyola Brandão
Na viagem entre Araraquara e Vera Cruz, a primeira emoção era a baldeação em Itirapina. Descíamos do trem que ia para São Paulo e esperávamos o que vinha da capital rumo a Marília. A espera em Itirapina era cheia de ansiedade. Haveria lugar sentado? Conseguiríamos, meu irmão e eu, lugar junto aos nossos pais? Havia um botequim e os adultos tomavam café. Durante anos o café de Itirapina foi lenda, motivo de conversas. Era fraco, frio, ruim. Nós, moleques, achávamos mais graça quando passávamos pelo morro Pelado. Imagine, dar esse nome a um morro! Seguindo viagem, vinha Brotas, com o paredão de rochas negras e úmidas, impressionante, Torrinha, nome poético, Jaú, onde se trocava a locomotiva elétrica pela à vapor, Pederneiras e a travessia do Rio Tietê, com a ponte que parecia gigantesca, o rio, amedrontador. Então, Bauru. Que sensação!
A estação era gigantesca (aos meus olhos), elegante, o teto em curva, altíssimo. Como as estações européias que víamos na Enciclopédia Jackson. De tremer de emoção. Majestoso, o trem entrava, apitando, tocando o sino. Cerimonial de arrepiar! Usando uma palavra velhíssima, na estação uma azáfama. Gente por todo lado. Na plataforma em frente, com vagões de madeira, pintados em vermelho e preto, estava a composição da NOB. Sigla que queria dizer Noroeste do Brasil, a dona da estação. Eram os trens que iam para a Bolívia, lugar longíssimo.
Ignácio de Loyola Brandão
Na viagem entre Araraquara e Vera Cruz, a primeira emoção era a baldeação em Itirapina. Descíamos do trem que ia para São Paulo e esperávamos o que vinha da capital rumo a Marília. A espera em Itirapina era cheia de ansiedade. Haveria lugar sentado? Conseguiríamos, meu irmão e eu, lugar junto aos nossos pais? Havia um botequim e os adultos tomavam café. Durante anos o café de Itirapina foi lenda, motivo de conversas. Era fraco, frio, ruim. Nós, moleques, achávamos mais graça quando passávamos pelo morro Pelado. Imagine, dar esse nome a um morro! Seguindo viagem, vinha Brotas, com o paredão de rochas negras e úmidas, impressionante, Torrinha, nome poético, Jaú, onde se trocava a locomotiva elétrica pela à vapor, Pederneiras e a travessia do Rio Tietê, com a ponte que parecia gigantesca, o rio, amedrontador. Então, Bauru. Que sensação!
A estação era gigantesca (aos meus olhos), elegante, o teto em curva, altíssimo. Como as estações européias que víamos na Enciclopédia Jackson. De tremer de emoção. Majestoso, o trem entrava, apitando, tocando o sino. Cerimonial de arrepiar! Usando uma palavra velhíssima, na estação uma azáfama. Gente por todo lado. Na plataforma em frente, com vagões de madeira, pintados em vermelho e preto, estava a composição da NOB. Sigla que queria dizer Noroeste do Brasil, a dona da estação. Eram os trens que iam para a Bolívia, lugar longíssimo.
Nós que viajávamos pela Paulista éramos esnobes, considerávamos a CP (iniciais da empresa) a melhor, a mais organizada, a mais batuta (como se dizia) do mundo. Mas a Paulista não tinha uma estação como a de Bauru. Logo chegava outro trem, o da Sorocabana. A cidade foi dos mais importantes entroncamentos ferroviários do Estado de São Paulo, superagitado, rico. Unia várias regiões, ligava-se com o Brasil inteiro. Eu ficava na janela vendo passageiros que, saindo de um trem, penetravam num buraco, passavam por baixo dos trilhos, emergiam do outro lado. Era a única estação com passagens subterrâneas sob os trilhos. Nem a estação da Luz tinha isso. Meu sonho de criança era passar por baixo do trem, descendo as escadas. Como seria? Sinos, apitos, gritos, chamados, alto-falantes. Bauru tinha alto-falantes comunicando chegadas e partidas. Meu Deus! Coisa mais moderna! Por que meu pai não se mudava para Bauru como meu tio Neno que trabalhava na Noroeste?
Do lado esquerdo do vagão - de costas para Marília - víamos o pátio ferroviário com seis, sete pares de trilhos reluzentes. E a garagem de locomotivas, em meio círculo. Rezávamos para os outros trens saíssem antes, nada mais incrível do que o trem saindo de Bauru e começando a virar para a direita, uma cobra imensa vermelha. Em seguida a Sorocabana, cujos vagões prateados brilhavam ao sol da tarde. Quem disse que a estação aquietava? Continuava cheia, um burburinho excitado, passageiros aguardavam outros trens, era movimento o dia inteiro. Finalmente a Paulista partia. Cada estrada de ferro saía numa direção. Agora, no vagão, era esperar a chegada do funcionário de uniforme azul-marinho, impecável, bem passado, a camisa branca alva, que trazia uma cesta com sanduíches, maçãs, bananas, chocolate Diamante Negro.
Essas imagens rodaram pela minha memória enquanto passeava pela estação de Bauru na semana passada, quando fui à cidade para a 8ª Feira do Livro Infantil e para uma visita e palestra na Tilibra, onde vi como cadernos são feitos e conversei com gráficos no pátio. Acordei às 7 da manhã com Henrique Aquino, da Secretaria de Cultura, setor de Patrimônio Cultural, à minha espera. Voamos à estação menina dos olhos dele e do Valter Tomás Ferreira, diretor do Museu Ferroviário Regional, lugar cuidado, limpo, cheio de detalhes, que exibe de quepes de funcionários a chaves de linha, maquetes, ferramentas de trabalho, telégrafos, telefones, estafes (um aparelho fundamental, o que liberava a linha para o trem circular), uma mesa posta do restaurante com pratos e talheres originais, fotografias, livros, passagens, uma grade de bilheteria, assim por diante. Um breve panorama do que foram as ferrovias. Numa plataforma, um vagão de passageiros dos anos 40. Dali, passamos para a velha estação. Um choque. Não se pode dizer que é uma ruína, mas caminha para. Soturna, tristonha, deprimente. Sem a manutenção, mato entre os trilhos, muito lixo, poeira, algumas locomotivas e velhos vagões de passageiros abandonados. A imponência e o luxo se deterioram.
Do lado esquerdo do vagão - de costas para Marília - víamos o pátio ferroviário com seis, sete pares de trilhos reluzentes. E a garagem de locomotivas, em meio círculo. Rezávamos para os outros trens saíssem antes, nada mais incrível do que o trem saindo de Bauru e começando a virar para a direita, uma cobra imensa vermelha. Em seguida a Sorocabana, cujos vagões prateados brilhavam ao sol da tarde. Quem disse que a estação aquietava? Continuava cheia, um burburinho excitado, passageiros aguardavam outros trens, era movimento o dia inteiro. Finalmente a Paulista partia. Cada estrada de ferro saía numa direção. Agora, no vagão, era esperar a chegada do funcionário de uniforme azul-marinho, impecável, bem passado, a camisa branca alva, que trazia uma cesta com sanduíches, maçãs, bananas, chocolate Diamante Negro.
Essas imagens rodaram pela minha memória enquanto passeava pela estação de Bauru na semana passada, quando fui à cidade para a 8ª Feira do Livro Infantil e para uma visita e palestra na Tilibra, onde vi como cadernos são feitos e conversei com gráficos no pátio. Acordei às 7 da manhã com Henrique Aquino, da Secretaria de Cultura, setor de Patrimônio Cultural, à minha espera. Voamos à estação menina dos olhos dele e do Valter Tomás Ferreira, diretor do Museu Ferroviário Regional, lugar cuidado, limpo, cheio de detalhes, que exibe de quepes de funcionários a chaves de linha, maquetes, ferramentas de trabalho, telégrafos, telefones, estafes (um aparelho fundamental, o que liberava a linha para o trem circular), uma mesa posta do restaurante com pratos e talheres originais, fotografias, livros, passagens, uma grade de bilheteria, assim por diante. Um breve panorama do que foram as ferrovias. Numa plataforma, um vagão de passageiros dos anos 40. Dali, passamos para a velha estação. Um choque. Não se pode dizer que é uma ruína, mas caminha para. Soturna, tristonha, deprimente. Sem a manutenção, mato entre os trilhos, muito lixo, poeira, algumas locomotivas e velhos vagões de passageiros abandonados. A imponência e o luxo se deterioram.
Tempos atrás um prefeito quis desapropriar o imóvel, pagar a dívida trabalhista existente com antigos ferroviários e reativar a estação como centro de cultura. Entrou no meio, para empatar, uma empresa privada que ofereceu mais. Para facilitar e querendo ajudar a causa dos ferroviários, a prefeitura retirou o processo de desapropriação. No entanto, a empresa rolou, enrolou e caiu fora. Agora, está tudo estagnado, na estaca zero e o prédio ameaçado de ruir. O que será uma catástrofe, perda imensa. Passeando por ali, aturdido com as imagens do passado, com o apogeu que se foi, desolado, lembrei-me de algumas estações do Brasil que têm sido recuperadas e sobre as quais tenho falado neste espaço. Como a de Araguari, em Minas Gerais, que retomou o estilo palaciano, que ostentou no passado. A estação de Bauru continua imponente, grandiosa, ainda que ferida. De repente, a nostalgia desapareceu, engolida pelo projeto de futuro. Por que não transformá-la em um museu ferroviário nacional, unindo-se prefeitura e empresas privadas da cidade? Tem espaço, atmosfera, ambiente, história, foi ponto de convergência fundamental, tem gente com muito amor e paixão disposta a dar o sangue, a trabalhar! Memória nacional que as ferrovias vêm exigindo. Será possível? Acho que sim!
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