UM BAR AO ESTILO PARANGOLÉ
Bar que é bar deve possuir um diferencial, algo para atrair a atenção e diferenciá-lo dos demais. O Restaurante Barracão, no bairro Geisel, em Bauru, bem que poderia ter outro nome, algo mais com a cara do seu dono, o Baiano. Aquilo é uma loucura de encher os olhos, coisa aos moldes dos parangolés do Hélio Oiticica ou da vestimenta paramentada do imortal Bispo do Rosário. Chegar ali e não se impressionar é praticamente impossível, tal a parafernália espalhada por todos os lugares. Como se fosse uma espécie de museu de quinquilharias, tal o amontoado de peças expostas, frequentar aquele
estabelecimento é desfrutar do inusitado.
Está certo que lá é um barracão (daí o nome), cravado numa esquina periférica da cidade, onde antes funcionava uma oficina mecânica, mas há dezesseis anos abriga o restaurante (sim, lá são servidas refeições no sistema self-service) e bar de Humberto Pérsio de Oliveira, um baiano, mais paulista do que nunca. "Fui fabricado na Bahia e vim nascer no Sul Maravilha. Nos meus 60 anos, sempre fui chamado de Baiano e assim ficou. Gostei do nome, como gosto de juntar coisas. Quando montei o bar, trouxe o que tinha e criei isso aqui. Daí pra frente não pararam de chegar doações. Eu não compro nada. Tem quem viaje já pensando em trazer uma peça nova para colocar aqui. Eu deixo", conta um sempre sorridente Baiano.
E lá tem de tudo. Comecemos pelas cachaças de coloração variada, com sugestivos adesivos
indicando a serventia. Três chamam muito a atenção: Bom para chifre, bom para o pau e bom para o cu. Pergunto a ele, se esse líquido é mesmo afrodisíaco. "Passaram por aqui alguns médicos, participando de um congresso e me disseram que as raízes tem mesmo essa função. Comemos de tudo e entupimos as veias e quando bebemos desses extratos, elas se dilatam e funcionam melhor", me diz. E aí a grande maioria acaba provando um bocadinho do líquido dessas garrafas (num deles, uma cobra está curtida na cachaça), num tira-gosto, nem sempre cobrado, antes de adentrar a comilança nas iguarias da casa.
O mineiro de Sete Lagoas, Marconi, está na cidade há nove anos, tem um trailler defronte o hospital do Centrinho, mas bate cartão por ali e tem uma teoria meio que esquisita para demonstar a frequência diante desse balcão. "Eu não bebo todo dia, bebo toda noite. Quando me perguntam que dia bebo, respondo que aos sábados e
domingos. Nos outros dias eu bebo à noite", explica após encher novamente o copo numa tarde de sábado. "Venho aqui sempre que posso e não quero saber de outro lugar, a comida é boa e encontro gente de tudo quanto é lugar do país, mesmo aqueles, como o Baiano, que afirmam serem de fora, não sendo. O Baiano possui esse nome mais pelas baianadas da casa", conclui.
Outro que atravessa a cidade é Álvaro, morador do Marambá, mas habituê por ali. "Tem um pouco disso, santo de casa não faz milagre. Sou amigo de toda a vizinhança, mas a freguesia vem mesmo de longe", diz o atento Baiano. Álvaro me faz circular pelo salão, mostrando algumas raridades, como um cadeado, que diz ter sido usado para prender escravos e um enbornal de couro para transporte de valores,
todos quase centenários. O caminhoneiro Luiz Carlos deixa o caminhão em casa e nos dias de folga, aparece de bermuda e chinélos. "Eu me recarrego aqui, desestresso das estradas", diz. Baiano interrompe trazendo um morteiro, dizendo ter sido utilizado na revolução de 32. "Um amigo não tinha mais onde colocar isso em sua casa. Trouxe para mim e guardo com muito cuidado", explica.
Continuo circulando pelo salão e do lado de dentro descubro um painel, numa porta fechada, usada para os clientes pregarem recados e cartões,
desde vendedores de leite de cabra a aulas particulares. Numa mesa vazia ao fundo, um passarinho come migalhas, sem ser importunado e parece já conhecer a rotina da casa, tanto que não mais se assusta com o barulho proveniente do burburinho do local. Quase ao lado do balcão do caixa, fotos de Fidel Castro, trazidas diretamente de Cuba e em cima da porta da cozinha, desfraldada uma vistosa bandeira do MST. Olhando para os lados, muito mais, desde um banner do rum Havana Club, um poster do Titãs e placas de ruas, entre peças e móveis antigos. Pergunto ao Baiano se ele não têm mêdo de um pé de ferro postado bem acima de
minha cabeça, cair em cima de algum cliente. "Têm esse risco, mas ele está bem preso. Risco muito pequeno. Isso aqui é uma santa bagunça e o santo da casa é forte", responde entre risos.
Ao pedir mais uma cerveja, sou orientado a ir buscá-la pessoalmente no freezer. Descubro ser essa uma das normas da casa: você adentra o lado dentro do balcão quando quer. E quando abro a garrafa, deixo automaticamente a tampinha num grande monte, criado por um potente imã. Ver aquele monte de tampinhas é mais um dos atrativos da casa, como a garrafa gigante com as sobras de todas as cachaças da casa (nada é
desperdiçado por ali), com um rótulo tendo o nome de "Barake Obama USA". Baiano não soube explicar o motivo do nome de candidato dos EUA estar ali e eu, também não quiz provar aquela mistura de cor indefinida.
Preferi, isso sim, juntamente com Gisele Pertinhes e Alexandra Aiello, minhas convidadas, comer duas suculentas pratadas, primeiro de moela e, depois, de língua de boi. Baiano ainda traz um copo de caldo de piranha, recusado por elas, mas entornado por m
im. Antes da despedida, Gisele descobre um ovo de avestruz bem na nossa frente, Alexandra um poster de Janis Joplin a nos abençoar lá do alto e eu, tomo a última cachacinha, servida pelo prestativo dono do estabelecimento (ele não sossega, não pára de apresentar novidades), dessa vez, junto com umas borrifadas de pura água de côco. Sábado à tarde, é praxe o lugar fechar suas portas por volta das 15h30, só rebrindo no domingo. É a deixa para irmos. Na despedida, Baiano nos leva até a porta e desfere a última: "Amanhã, domingo, tem javali, vocês vêm, né?".
Henrique Perazzi de Aquino, Bauru SP, entre 26 e 27/07/2008.