sábado, 4 de junho de 2016
CENA BAURUENSE (148)
CHOVE, UMA PRAÇA E LÁ UMA MOÇA SENTADA NUM BANCO DEBAIXO DE UMA ÁRVORE Che Guevara tem uma frase que não esqueço jamais e é como um mantra de minha vida: “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”. Uma das injustiças dessa vida é essa tremenda desigualdade existente dentro do sistema capitalista, onde uns tem condições de fazer as coisas, uns muito mais que os outros e uma imensa legião, quase nada. Os mais sensíveis sofrem um bocado diante de um quadro como o que me deparei hoje. Impossível estar ali num restaurante, feliz ao lado de amigos queridos, mas inquieto por observar uma cena diante dos olhos e dessas de doer.
De um lado da rua uma praça, bem arborizada lá nos altos da rua Bernardino de Campos e do outro um restaurante , sempre movimentado. O dia foi todo de garoa, chuva fraca, intermitente, dessas que molha devagar e aliada com frio, nada como fugir dela. Eu e amigos almoçando no restaurante e do outro lado da rua, logo ao chegar a abordagem para cuidarem do carro. Aceitamos e ao passar pela praça lá está ela, uma moça sentada num dos bancos, com aquela carinha triste, roupas já molhadas, com um chinelo gasto nos pés, imóvel e ali sob a proteção da frondosa árvore. Ao passar e olhar para ela, pronto, ela levanta os olhos e a cena não sai mais da cabeça. Como se divertir totalmente, ouvir um bom samba, encher a pança e logo ali, do outro lado da rua, ao olhar para fora do restaurante, a moça sentadinha no banco e a garoa caindo.
Olho outras vezes e percebo ser ela a companheira do guardador de carros. Ele vai de um lugar para outro, segue a chegada e saída dos carros e no vai e vem fica ao lado dela. O que a teria feito sair do seu habitat e ali estar nesse dia frio e chuvoso? Comento com meu companheiro de mesa da situação e ele me diz: “Será que o banco da praça não é melhor do que o lugar onde vivem?”. Isso tudo fervilha dentro de minha cabeça e me faz voltar o pescoço a todo instante na direção do banco da praça. A cena não se altera, ele em movimento e ela ali, inerte, estática, sempre no mesmo lugar e posição. Uma moça bonita, magra, alta, desgastada pelo tempo, aquele jeitão de muito sofrimento e de gente a viver nas ruas.
Tiro fotos primeiro à distância e depois me aproximo quando da saída do restaurante. Puxo conversa com seu companheiro e ele me conta de estar ali todos os dias do funcionamento do restaurante. Ele tomando conta dos carros no entorno praça e mais dois guardadores em outros espaços, todos delimitados, cada um no seu quadrado. Peço para tirar uma foto deles juntos e me permitem. Tiro, ela não abre a boca, fica em pé, abraça o companheiro meio cabisbaixa e quando dou o combinado por olharem o carro, aquele agradecimento de praxe: “Fique com Deus”. Deus está na boca de quase todos os que pedem nas ruas, sempre agradecem o citando, mas pouco devem refletir sobre dos motivos desse mesmo deus os manterem nessa situação. Eu sei que isso vai muito além da religião e tem tudo a ver com esse sistema desigual, injusto e perverso onde vivemos. Saio meio trôpego quando ouço ele me dizer que, dormem por aí, vivem por aí, mas estão sempre ali pela praça.
Sento diante do computador ao chegar em casa e o máximo que consigo é isso: a cena dela debaixo da árvore não me sairá da cabeça tão já. Isso tudo me faz tremer de indignação. Nada mais conseguirei escrever além disso no dia de hoje, pois sei que o restaurante funciona até tarde e ambos devem estar ainda lá na praça e eu, já aqui no quentinho do meu mafuá. Tirei outra foto, de um muro bem defronte o tal bar e lá a inscrição: "Os bares estão cheios de almas tão vazias... devolva minha vida!!"
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2 comentários:
Sempre é culpa de Deus e do capitalismo.
E viva o marxismo cultural.
COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK:
Sebastiana De Fátima Gomes Engraçado, pois sempre que estou neste bar sou atraída por esta frase que fica a martelar em minha cabeça. Não concordei, pois minha alma não é vazia. Então pensei que se eu fosse seu autor escreveria que "... estão cheios de mentes acríticas diante da realidade que passa a sua frente.
Henrique Perazzi de Aquino Ótimo, Sebastiana De Fátima Gomes, mas nem todos possuem a percepção do mundo rolando ali diante de nossos olhos, a indignação diante das aberrações.
Sebastiana De Fátima Gomes Gostei muito dessa sua matéria pois chama a atenção para a realidade diante da qual mostram insensíveis , talvez por desconhecer a teoria capitalista.
Adilson Talon Henrique Perazzi de Aquino..Bom dia...belo texto..real...duro de entender/compreender...abçs caro amigo
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