quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

CENA BAURUENSE (167)


CHEGO DE SAMPA 3H30 DA MANHÃ, RODOVIÁRIA DE BAURU E LÁ...

O cenário do terminal rodoviário de Bauru é o do desalento. Um lugar que já foi mais viçoso, porém hoje, não vive seus melhores dias. Diria, piores. Os motivos são muitos. Chego por volta das 3h30 da madrugada passada e a primeira impressão é a do abandono, sem viva alma e tudo na penumbra. Tudo muito escuro. Desço a rampa e já no seu pé, observo dois homens sentados na escada ao lado da banca de revistas. Estão acordados, ou aparentam estar. São os tais dignos representantes dos tantos mortos-vivos perambulando pela aí, sem eira nem beira. Ao verem Ana sacando um cigarro da bolsa, logo a rodeiam. Fico na espreita. Ela dá o cigarro, mas os vejo insistindo com algo mais. Pedem dinheiro e ela nega. Não reagem, não regateiam, voltam a sentar e fumam ali mesmo. Não existiu violência, aliás a violência é eles estarem ali, naquela hora da madrugada, acordados, sonolentos, sem banho e pessimamente alimentados. Vivem da perambulância pelos espaços permitidos de se apoiarem e encostarem o corpo, dentre os poucos navegando aberto durante a noite toda na adormecida cidade.

Olho para dentro do vidro de uma espécie de sala particular para os clientes do Fran’s Café e tudo meio na penumbra. O caixa fica aberto a noite toda e lá dentro, algumas mesas ocupadas, poucos a conversar. Numa delas, uma pessoa desabada, dormiu sentada e apoiou o corpo na mesa. A luz é fraca, tornando o ambiente algo um tanto noir e triste. Detesto luz fraca, ruim em todos os aspectos, principalmente num lugar daqueles e a mesma coisa num lar. Ninguém consegue ler num lugar desses. Falta só fumaça para completar a tristeza. Borrachas são postadas cruzando o espaço central da gare. Em instantes serão ligadas e o lugar será limpo, higienizado, lavado. Ainda bem. Talvez o ar de limpeza mude o aspecto do lugar.

Seguimos caminhando até o ponto do táxi e naquelas cadeiras dispostas na entrada, quase ao lado da guichê onde se paga o estacionamento, vejo muita gente ali sentada. Muitos passam a noite ali, alguns por perderem o último ônibus e aguardarem o primeiro da manhã, mas triste é notar os que para ali se dirigem para dormir sentados, sem terem para onde ir. A TV permanece ligada o tempo todo, num filme que, acredito, ninguém consiga assisti-lo inteiro. Corpos arriados nas cadeiras e algumas pessoas em pé, circulando não sei fazendo o que, de um lado a outro.

Numa dessas cadeiras vejo uma pessoa conhecida. Não sei o que fazer, ele ali acordado naquela hora da noite, olhos abertos, a pasta de trabalho de um dos lados, nenhuma mala. Ele não está ali aguardando viajar, nada disso. Seu destino é ali permanecer sentado, meio dormindo, meio acordado até o dia clarear, levantar e pensar no que poderá fazer durante o dia. Acho que ele não me viu. Já tendo dormido no ônibus, sigo com minhas malas, voltando pra casa após uns dias num hospital paulistano. No táxi, comento com minha cara metade do ocorrido. Nada fiz, segui adiante, fiquei inerte diante da cena. Ele não é meu amigo, mas conhecido de longa data, amigo de muitos amigos e só de saber ser este o lugar que lhe resta para passar suas noites, deito e não consigo mais dormir. Sua fisionomia não me sai mais da cabeça. Outros tantos como ele na mesma rodoviária, sentados e sonolentos, com a mente não se sabe aonde.

Ainda na rodoviária, segui até o ponto de táxi e ao passar por um senhor o cumprimento. Ele automaticamente se levanta e vem em minha direção. Ameaça contar sua história, diz ser de longe e da falta de grana para completar a viagem, mas é impedido pelo taxista, que o afasta com palavras enérgicas. Ele segue seu caminho de cabeça baixa, eu adentro o táxi e ali ouço outra versão dos fatos, a de alguém ali trabalhando e convivendo com a transformação do que já foi um dia o terminal e no que é hoje. Lhe digo: “O país também já foi uma coisa, hoje é outra”. Percebo que age intempestivamente até por não saber como tratar com essa gente toda perdida por ali. Crê que aqueles atrapalham a freguesia e conta a história da moça que desceu também do mesmo ônibus e chegou no ponto sozinha antes da gente. “Não fosse os taxistas lhe protegerem, certamente seria roubada. Um segurança que ninguém sabe onde se encontra e só aparece no clarear do dia. O lugar é perigoso para todos”, diz.

Não busco culpados ou inocentes, pois certamente todos os personagens ali daquele cenário noturno de Bauru sejam, até sem o saberem, inocentes. Com isso tudo na cabeça, mais aquilo tudo que trazia comigo neste retorno para minha aldeia, abro a porta de casa, tomo um banho e tento dormir. O sono não vem, levanto e escrevinho esse texto, aqui agora escrachado, divulgado e compartilhado.

OBS.: As fotos são meramente ilustrativas e foram giletadas da internet.

Um comentário:

Mafuá do HPA disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK:
Marco Antônio Souza Perfeito HPA. Como sempre na tua missão de repórter do cotidiano. Com muito humor, leveza e sentimento.

Duilio Duka QUE LINDO TEXTO HENRIQUE Perazzi de Aquino! FAÇO MINHAS AS PALAVRAS DO AMIGO Marco Antônio Souza.

Rui Francisco Martins Como motorista de um dos táxis da rodoviária, meu amigo, posso com certeza te afirmar, a rodoviária de Bauru, cartão de visita da cidade,na os mostra o que realmente é nossa administração, tanto dessa autarquia ENDURB,como da nossa prefeitura que virá as costas para um problema que nos mostra como esta nossa cidade, sou da época que se nos pegasse na rua depois das 23:00 horas se não tivéssemos carteira de trabalho registrada e residência fixa, éramos detidos por VADIAGEM, hoje a polícia de Bauru passa próximo a esses indivíduos sentados nos pontos mais escuros de nosso terminal, e nada fazem, no período que trabalho aqui no terminal, já vi pessoas esfaqueados, e rebentadas por Paulada, roubada, meu carro mesmo foi arrombado três vezes e não adianta chamar polícia, d a última vez que estouraram o vidro lateral do meu carro particular, chamei a polícia e estou esperando até agora.
Resumindo, só conhece os problemas do terminal quem vive no terminal.

Ana Paula Cosmo meu amigo a 18 anos trabalho na Emburb ja vivenciei muita coisa o que vc descreveu foram e noites noites e nada muda isso tambem acontece durante o dia com a movimentação caba passando desapercebido


Rui Francisco Martins Sim, onze anos de táxi na rodoviária tanto de dia como a noite vinte e quatro horas diá sim dia não dá pra ver e sentir na pele

Ana Maria De Carvalho Guedes Lindo relato, Henrique, pena que os personagens não sejam fictícios. 😥😥😥😥

Rui Francisco Martins Quando se vive a realidade e não se esquece da vida real se espanta mesmo

Rui Francisco Martins Desculpa meu amigo HPA, mas não sou de meias palavras, principalmente quando existe a demagogia

José Eduardo Avila a cidade cresce caminha a passos largos para aproximadamente 400 mil habitantes, porém notamos pelo seu texto e relatos de outros amigos incluindo taxistas e trabalhadores do terminal que estamos definhando a muitos anos em nosso cartão de visitas chamado terminal rodoviario ou rodoviária em compararação ao passado nos idos de 1960, 70 e 80 quando essa movimentação era na praça Machado de Mello, a vida noturna era ativa com restaurantes, pizzarias, padarias, mercado, bancas de jornais e revistaas, pensões, hoteis enfim existia um certo glamour noturno, hoje porém entregue as moscas e viventes chamados zumbis noturnos, é o fim dos tempos, grande abraço HPA....

Siva Tiba Rubro Ptz fora o boneco do "bauruzinho" que assusta qualquer um!

Marilene Souza · 5 amigos em comum
Eu vejo o seu texto como o retrato de todas as rodoviárias do Brasil , cada uma com seus ' frequentadores ' noturnos ... Um país sem esperança, daquele tempo que não ter carteira assinada era sinal de vadiagem, hoje ter carteira as...Ver mais

Vanda Silvia Novelli Os tempos mudaram, hoje a maioria das pessoas tem seu próprio carro e viajam neles,