ABORDAGENS POLICIAIS – BRANQUELO SOFREU POUCO AO LONGO DO TEMPOLi na edição do mês passado na revista mensal Piauí – agosto 2020, o artigo “A gente tá de olho em vocês”, do Jeferson Tenório (link a seguir: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/gente-ta-de-olho-em-voces/), onde ele relata cinco histórias de abordagens policiais, a maioria envolvendo negros e no mínimo, muito constrangimento. Todas elas fazem parte de trecho do livro “O Avesso da Pele”, que a Companhia das Letras lança neste começo de setembro. Das histórias, a revolta de sempre e algo mais do que já é por demais conhecido de todos: os negro sempre sofreram muito mais que os brancos nas tais abordagens, pois a desconfiança para com os de pele negra é mais que reveladora de um racismo, que dizem não existir, mas se apresenta neste país em cada virada de esquina. Leio o texto e me ponho a pensar – sonhei com as abordagens que já sofri na vida -, juntar onde a polícia já me parou e na sequência alguns destes relatos, todos abrandados, pelo simples fato de ser branco e não levantar suspeitas.
1 – Trabalhava no Bradesco Marília SP e um dia fui em Oriente, cidade vizinha, fazer um seguro para um cliente, ele agricultor de melancias. O gerente da agência, Madeira, foi comigo e mais duas pessoas. Lotamos meu velho Opala e nos embrenhamos na zona rural. Fecho o seguro, o gerente garante novos negócios e somos presenteados com muitas melancias. O carro lotado voltou devagar, bufando e com os pneus arriados. Não deu outra, na entrada do asfalto levantamos suspeita de um carro da polícia, que por azar cruza nosso caminho. Dão a volta, ligam a sirene e nos obrigam a todos levantar as mãos, pernas abertas e depois mão encostadas no carro. A princípio não ouvem nossas justificativas, mas depois a confirmam e nos liberam. Queriam algumas melancias e o gerente, muito puto da vida, virou a mesa e em voz alta, só aí disse do abuso. Por fim, eles se foram e Madeira, praguejou a história, depois motivo de risos, por um bom tempo. E olha que todos os envolvidos eram bem branquelos.
2 – Outra abordagem foi também em Marília, da mesma época, quando lá morava numa república, quase vizinha da Padaria Orly, centro da cidade. Anos 90, eu na flor da idade, um dia convidei a vizinha da frente para dar uma volta, um namorico sem compromisso, também meu como dela. Paramos num local onde todos paravam em fila, amasso generalizado. Nem me lembro direito do local, mas sei que era um tanto ermo, afastado de movimentação. Foi aí que chegaram os tais fardados e a maioria dos até então animados, percebendo a chegada foram picando a mula. Eu e minha companheira demoramos para perceber a presença e quando demos com a luz dentro do carro, num ato intempestivo, coloquei a mão pra fora e fiz um gesto com um dos dedos levantados. O que veio a seguir foi um horror. Já éramos só nós no local e o carro foi revistado por todos os lados e jeitos. Nada foi encontrado para justificar a ida para delegacia, que não aconteceu por pouco. Claro, pedi desculpas, mais pela presença feminina e o constrangimento causado a ela. Ligaram várias vezes para a delegacia e ficamos ali por pelo menos umas duas horas, até que nos liberaram com os sermões de sempre. A vizinha, não sei porque cargas d’água perdeu o interesse por mim.
3 – Vendia minhas chancelas lá pelas bandas do Rio de Janeiro, estava indo embora depois de uma semana de trabalho, chegando mais cedo no terminal rodoviário Novo Rio. Mala nos pés, sentei e me pus a ler. Foi quando dois brucutus se aproximaram assim do nada, me cercaram e disseram para abrir a mala, pois queriam ver o que trazia dentro. Não vieram com jeito, ou melhor, foi com mal jeito, mas como não tinha nada a esconder, prontamente abri. O chato dessas abordagens é a situação em que te deixam, pois despejam tudo no chão e reviram tudo com a ponta da baioneta. Pediram meus documentos, conferiram e ao ver a passagem e nada de suspeito, me liberaram sem ao menos um mero pedido de desculpas, me deixando ali, no meio de muitos me olhando e tentando recolocar minhas coisas na mala com alguma ordem. Antes de irem, disseram somente tratar-se de abordagem de rotina e para o meu próprio bem.
4 – A última não foi bem uma abordagem, mas sim uma blitz policial, quando tempos atrás voltava pra casa num final de noite, já com Ana Bia me esperando, dirigindo um Palio branco de saudosa memória. Ao passar defronte o Amantini Veículos dei de cara com os homens da lei. Parei e ali fiquei, pois estava com os documentos vencidos – muito vencidos. Vivia na época driblando comandos policiais. Deste não escapei e levei multa e tive o carro apreendido. Fiquei ali bem mais que meia hora, entre o preenchimento dos papéis e a chegada do guincho. O comandante da operação se aproximou e foi quando, já não tendo mais o que argumentar para permanecer de posse do carro disse a ele: “O sr me desculpe, mas estou aqui há mais de meia hora e percebo que só abordam carro velhos. Nenhum novo, esse é o procedimento?”. O cara ficou emputecido, falou alto comigo e só faltou me botar o dedo na cara, mas era isso mesmo, sem tirar nem por, todos os sendo levados para o guincho com muitos anos de asfalto e os novos, liberados só no olhar. Ele ficou tão puto, que ao ver Ana chegando para me buscar com seu carro bem mais novo que o meu, virou pra mim e disse: “Quer ver como não pedimos documento só para carros velhos?”. E pede o da Ana, que ainda sem saber, mas com tudo em dia, quase entra numa fria por minha causa.
Não me lembro de mais nada. 60 anos e essas quatro abordagens. Sei de histórias escabrosas, bem fora da rotina normal, tudo por não terem a pele alva como minha. Muitas delas são bem parecidas com as que terminei de ler na Piauí. Enfim, quem souber de alguma que conte e troquemos figurinhas. Já passei muitos apuros com carros velhos, andando em lugares ermos pela aí, andando pelas quebradas, documentos vencidos, sem dinheiro nos bolsos e longe de casa, manifestações políticas e sociais variadas, mas de abordagens só isso mesmo. Não tenho pessoalmente do que reclamar e ao aqui postar as minhas, demarco neste momento algo mais que perigoso e muito em voga nos últimos tempos, ampliadas com a chegada de governos autoritários, onde a violência é não só incentivada como patrocinada.
OBS.: As fotos são meramente ilustrativas.
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Ele chega com essa conversinha e o recepciono de forma agradável, compreensiva. O ouço e vejo que, como ele, a ficha cai para outro tanto. Isso me maravilha e vejo como estes podem ir sendo absorvidos, não rejeitados, pois podem ajudar - e muito - na reconstrução tão necessária. Não quero parecer pedante, nem dono da verdade, portanto não cago regra com ele e somente lhe digo que é ótimo que tenha conseguido mudar de opinião e que ela só é mesmo possível, após a dor da perda. Perdemos todos, o país hoje em frangalhos, estraçalhado e da conversa, extraio algo bem evidente.
Cá estamos nós, dito também como campo progressista, esquerdista, comunista para muitos e petralha para outros. Nosso discurso não consegue chegar para a maioria da população. Não deixamos de tentar, mas os resultados foram pífios no passado, tanto termos perdido a eleição e alijados do poder, acéfalos de tudo, parecemos muito com nave sem rumo, desgarrado da realidade. Que canais de comunicação temos nós? Poucos, talvez só os alternativos, das redes sociais e dele fazemos uso, mas na prática mesmo, colocando o bloco na rua, indo à luta junto da população, pouco foi feito e perdemos muito do bonde da história. Impossível negar que quando o que falamos chega, ainda o faz gerando muita desconfiança. Depois de tudo o que foi feito contra esse campo progressista, muito coisa terá que ser feita na recuperação, pois estamos mais mal vistos que pau de galinheiro.
De início acreditar ser possível ago suprapartidário, envolvendo todos numa frente ampla, onde combateríamos o Grande Mal, todo representado inicialmente em Bolsonaro e nos que o ladeiam e apoiam, mas hoje, não mais cético, deixei de acreditar em algo conjunto, pois não só não vai acontecer, como no atual jogo de egos e interesses, tudo continuará sendo feito cada qual com suas ideias, propostas e ações. Ou seja, tudo muito difícil e complicado. Vai ser assim e pronto, sei disso. Não adiante sonhar com algo impossível de acontecer. Esse tal de impeachment não tinha como dar certo diante de conluio montado desde 2016 e em pleno funcionamento.
Árduo trabalho pela frente e pouco a pouco surgem gatos pingados, gente como este meu conhecido, que conseguiu rever, comparar o que tínhamos e o que temos, mas são poucos. a pandemia veio para nos distanciar ainda mais e mesmo sem ela, não consigo avaliar das forças que teríamos para demonstrar, mostrar e provar para a nação dos erros de continuar se perfilando com o projeto Bolsonaro. Ele mesmo já se mostra diferente do que era e também com essa mutação tenta vender uma imagem melhorada, mais sensível, presente no atendimento do que o povo mais precisa, a continuidade do Auxílio Emergencial, o novo Bolsa Família, etc. Não sei como vai ser essa transformação, mas não quero me manter ilhado, isolado aqui no meu bunker, aguardando pacificamente a pandemia passar e a carruagem continuar desfilando na minha janela e eu inerte. Esses pouco desistentes de Bolsonaro ainda são poucos para tudo o que precisa ser feito, primeiramente em quantidade de gente nas ruas - quantos estariam dispostos a isso/ -, pois só no bla-bla-bla pela redes sociais é impossível desconstruir o conluio golpista. Enfim, o que estamos mesmo fazendo e propondo para mudar isso tudo, além de só se mostrar aqui pela internet?
Proibido divulgar
Tá proibido falar que o banco BTG Pactual [onde um dos fundadores é o ministro Paulo Guedes] comprou uma carteira de crédito do Banco do Brasil no valor R$ 371 milhões de reais, quando o real valor é de quase R$ 3 Bilhões. Copia Cola e posta você também! #somostodosNassif
Um comentário:
CENSURA: Quando a gente para de gritar de horror, a gente aceita tudo
A censura ao JornalGGN e ao jornalista Luis Nassif está naquele rol de obscenidades a que o Brasil se acostumou.
Se nem Deus mais se respeita (olha o padre e a evangélica que gabaritam em todos os pecados), se nem médico mais se respeita (veja as invasões de hospitais insufladas por Bolsonaro), se advogado agora leva socos na boca quando vai a presídios (e quem os dá são os policiais), se uma criança estuprada de 10 anos é xingada de “puta” e querem obrigá-la a levar a gestação a termo, mesmo que ela morra…
Se num dia é uma patroa praticamente jogando um menino das alturas de um prédio e, no outro, é o surgimento instantâneo da Máfia dos Respiradores (enquanto o País sufoca com cento e picos mil mortos). Se morrem cento e picos mil e o presidente que perguntou “E daí?” está praticamente reeleito… Se tudo isso é verdade, por que não censurar o JornalGGN e o jornalista Luis Nassif?
Dino Magnoni
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