terça-feira, 29 de dezembro de 2020

RELATOS PORTENHOS / LATINOS (86)


A LESMA
Moramos todos no Brasil lesma, seguindo em frente nem se sabe como, pois com um desGoverno Federal tocado por gente desqualificada como esse Senhor Inominável, tudo anda não devagar, mas para trás. Foram tantas as marchas rés deste período, travando o país e o fazendo regredir que, cansou já a escrita. Valeria a pena, de verdade, a gente se unir, reunir o que ainda temos de energia e partir pra algo concreto, sacando esses a desgraçar com o país, isso sim seria uma ação alvissareira para 2021, no mais, tudo continuará no ritmo que o cartunista JEAN GALVÃO demonstra com a situação da vacina, mas serve para tudo o que é avanço progressista. Já para destruir esses lá encastelados em Brasília se mostram altivos e rápidos. Já passou da hora de algo ser feito...

PANDEMIA, CHUVA FORTE E COMO É A AÇÃO DE ALGUNS DOS VETUSTOS COMERCIANTES DESTAS PLAGAS
O motoboy atua junto aquele comerciante de lanches há bastante tempo e ali continua, pois foi este o emprego que conseguiu. É entendido como um microempreendedor, pois não possui carteira assinada, obrigatoriamente possui uma MEI, a tal da microempresa e toca seu negócio, sem assistência nenhuma, inclusive a proveniente de acidentes de trabalho ou mesmo falhas mecânicas em sua motocicleta. Tudo por sua conta e risco.

Em tempos de pandemia, tudo agravado. Ele conta que o serviço melhorou, pois com bem menos pessoas indo in loco no recinto do estabelecimento comercial, seu serviço de entrega foi ampliado. A casa onde trabalha possui bom movimento, daí não para, circulando pela cidade até por volta da 1h da manhã, quando finalmente vai pra casa. Por lá, se quiser comer um lanche, tem que pagar ou descontar do auferido no dia. Sem chance de ganhar um dos mais baratinhos no final do expediente.

Dias atrás, uma chuvarada muito forte caiu sobre Bauru e suas entregas despirocaram. O patrão (pera lá, ele não é dono do seu negócio?), aquele que o contrata sem contrato, impõe suas regras e não quer nem saber se chove forte ou fraco, lanche pronto, ele tem que sair para entregar, independente se faça sol, chuva ou raio que o parta. Muitos se molharam naquela noite. Num momento quando a chuva estava no seu grau mais elevado, foi inevitável entrar água no reservatório, que dizem ser inviolável, acoplado nas costas. As embalagens externas de papel, todas se molharam e os escritos nela contidos idem. Além da confusão na entrega, muitos lanches molhados e pouca compreensão das pessoas. Muitos gritaram e o ofenderam, primeiro pela demora, com poucos sacando que o motivo do atraso foi a chuva, depois o ocorrido não foi culpa dele e sim do acaso. Ele engole em seco e continua, instruído pelo instinto de sobrevivência a não reagir.

Voltou com vários lanches para ser refeitos e para piorar, o patrão (sic) já tinha estabelecido como norma da casa, mesmo ela tendo alto movimento, que tudo o que ocorresse do lanche saindo de lá seria por conta e risco do entregador, ops, desculpe, microempreendedor. Nem a chuva naquelas proporções sensibilizou o vetusto empresário e quem arcou com todos os prejuízos foi mesmo a parte mais fraca, o detentor da MEI. Reclamando perde a vaga. Ao final daquele expediente ele relata algo demonstrando como é muito bela a vida de verdade correndo solta aí fora da nossa vã imaginação: "Naquele dia não ganhei nada, pois todo meu lucro foi utilizado para pagar os lanches que tiveram que ser refeitos, ainda sobrando uma quantia para ser descontada no dia seguinte. Desconfiando de mim, assinei que devia e no dia seguinte, ao quitar com novas entregas, zero a conta e recomecei". 

Essa história ilustra muito bem como se dá de fato e de direito as intensas relações entre os andares de cima com os debaixo, nessa muito bem estruturada composição que é o indestrutível capitalismo vigente e possibilitando oportunidades iguais para todos. Na maioria das vezes, regra básica, não pode ocorrer a quebra do prescrito, pois abrindo exceções, criando vínculos e concessões, o empresariado nacional acredita que pode por tudo a perder. A inflexibilidade é a alma do bom negócio. Daí, a insensibilidade é o modal de atuação que mais se vê pela aí, vicejando como mato num terreno baldio após essa chuvarada. Tenham todos boas e frutíferas interpretações e reflexões, são os votos deste mafuento para este final de ano, onde dizem a Economia está se recuperando e daí deixo a pergunta no ar: "Pra quem mesmo? Vale para tudo e todos ou só para alguns, os do alto da pirâmide?".

CUBA, BAURU, UM LIVRO, COMPARAÇÕES E AS DECEPÇÕES*
* Escrito na sequência do caso do entregador de lanche bauruense. Ainda engasgado com aquela história...

Escrevo sobre a insensibilidade na parte do mundo capitalista onde vivemos, tudo acrescido dessa pitada irracional dos tempos atuais, dominado pelo modo miliciano de comandar um país, daí, diante de tanta iniquidade, volto meus olhos para um livrinho que me cai nas mãos assim do nada, ao tentar uma arrumação lá pelos lados do mafuá e começo sua leitura. Viciei, agora em cada ida para tratar do meu cão, leio um novo capítulo e de lá não saio sem o concluir. Trata-se do "Recordações de Amar em Cuba", do mineiro Oswaldo França Junior (adoro ler tudo o esse cara produziu, joia rara, sabe dilapidar as palavras), editora Nova Fronteira RJ, 1986. Foi escrito logo após ele voltar de uma viagem à Cuba para participar do júri do Prêmio Casa de las Américas daquele ano. São as suas impressões da viagem e de como foi observado, anotando e depois, transformando tudo num livro.

Dessa leitura, inevitável a comparação com o país que temos e o que eles vivem. Num certo momento a frase, "...e o fato de não termos visto ainda, em Cuba, ninguém afobado ou tenso". Só ela daria para escrever um tratado. A afobação que temos, inerente a quem vive dentro da própria instabilidade é bem diferente da deles, onde se quiser, a vida transcorre numa boa, com dificuldades, mas sem miséria. Oswaldo e seus colegas, todos convidados daquele ano, estranham tudo o que encontram pela frente, mas aos poucos as diferenças mais gritantes são essas, as deo relacionamento humano e de como encaram a vida. "O relacionamento entre as pessoas era, ali, mais aberto e mais tranquilo", diz num outro momento. 

Essa boa vontade geral, diferente da vivenciada no Brasil, era e continua sendo mais aberta e tranquila. As preocupações inerentes a ter que ganhar a vida, ralar que nem louco, enfrentar o touro à unha nos faz entrar numa cirando quase sem volta e onde o pensamento levanta voo, até sem que agente perceba. Quando nos damos conta já estamos agindo igual aquilo que condenamos. "Impossível preparar um país inteiro para impressionar os turistas", diz num outro momento e faço questão de grifar essa parte, pois por mais que queiram nos impressionar, quem teve o prazer, como tive, de perambular pela ilha, sabe do que estou falando. Falta a eles o que sobra por aqui, a maldade capitalista.

Os cubanos não são ingênuos, são pessoas desarmadas, puras, sem o vício do bem material comandando suas vidas. É compreensível que um brasileiro não entenda como um médico cubano pode deixar seu país para trabalhar mundo afora por tão pouco e do que recebe, a maior parte volta para seu país, tudo para que a roda possa continuar girando. Quem nasceu, cresceu e vive sob os auspícios da acumulação como mola mestra, tem dificuldades em entender esse procedimento pelo coletivo. Quase impossível. Hoje mesmo, a população da ilha é a mesma da grande São Paulo e os bestiais ficam todos boquiabertos em ver como pode lá ter tido tão poucos infectados pelo Covid e aqui esse descontrole.

São tantas coisas e o modo de viver tem tudo a ver. O trabalhador lá ganha o suficiente para viver, sem luxo, mas tendo quase tudo o que precisa a preços subsidiados, quando não gratuitos. Quando algo assim seria pensado pelos milicianos no poder ou mesmo qualquer outro, onde o predomínio das ações são capitalistas? A vida tem tudo para ser levada a cabo sem sobressaltos, mas a gente aprende desde cedo que a ela pode ser anexada benesses, que muitas vezes não precisamos, mas pela propagando, parece não conseguirmos viver sem elas. Brigamos por coisas desnecessárias, enquanto deixamos de lutar pela dignidade da vida. 

Quando em Cuba teríamos motoboys sendo ultrajados no seu ir e vir, massacrados na sua força de trabalho em detrimento de uma minoria que o explora, tudo para se enriquecer mais rapidamente, sem dó e piedade? A essência de um não bate com a do outro. Daí, evidente, fazem de tudo para Cuba se enquadrar e passar a ter o mesmo modo de vida daqui, excludente, discriminatório e desleal para com a vida. O livro que leio em drops, aos poucos me mostra um país de mais de duas décadas atrás, mas ainda tentando de todo modo e jeito não se entregar, pois quando o fizer, será apenas mais um e tudo o que fizeram nesses mais de sessenta anos estará jogado na lata do lixo. Ah, se os que lutam pelas liberdades inexistentes do lado de cá soubessem o mínimo do que ocorre, incessante luta em busca de algo inatingível, talvez entendessem que o caminho trilhado por eles, mesmo longe do ideal, é algo pelo qual ainda os de cá não conquistaram nesse negócio denominado vida.
A humilhação que os pobres de cá passam, difere em muito da pobreza vivenciada pelos cubanos. O livro me faz viajar no tempo e aos 60 anos, almejo e renovo as esperanças de alcançar, ir em busca de algo mais simples, possibilitando viver mais e mais, sem o stress e a tormenta em que vejo a maioria do povo brasileiro atolada. Ah, Cuba, este ódio tem motivo. Viver sem preocupações é mesmo infernal.
OBS.: Escrevo por estes dias sem o gosto de outros dias, daí talvez me falte aquela pitada de algo mais, como a esperança perdida e creio eu, nunca mais recuperada. Impossível não estar mais e mais angustiado.

O LADO BELO DA VIDA
Já contei aqui a história da Duvirges, inquilina ao lado do Mafuá e emérita padeira. Havia dias atrás consegui placa quando do fechamento do Bar Aeroporto e lhe repasso pelo mesmo valor. Hoje ao chegar no final do dia para alimentar meu cão, ela me chama e diz querer me mostrar algo. Chego até seu portão e de lá vejo a placa pintada. Ela foi vender pães ali perto, no Bauru Painéis, disse para um pintor de lá ter ganho uma placa e escreveria nela a mão, com giz. Ele diz querer ver a tal placa e hoje a devolve pronta. Será colocada na esquina indicando sua casa. "Seu Henrique, ele não quis me cobrar nada, mas escolhi um dos mais bonitos pães da fornada e lhe dei de presente", me conta e faço questão de contar pra tudo, todas e todos. E assim ela vai seguindo em frente, cada dia um passo, degrau por degrau, vitoriosa e feliz.

TEM TUDO A VER
DESPUDORADOS NOS RODEIAM
"Aldo Fornazieri: as elites brasileiras, que apoiam Bolsonaro, não têm pudor - Em conversa com Mino Carta, cientista político também aponta o que a esquerda deve fazer para superar o que chama de 'transição transada'", artigo da edição Especial de Final de Ano de Carta Capital e colocado aqui de propósito, pois depois da leitura dos QUATRO itens acima, o ideal fechamento com este, bem conclusivo.

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