sexta-feira, 12 de novembro de 2021

COMENDO PELAS BEIRADAS (110)


TEM PESSOAS QUE A GENTE GUARDA BOAS RECORDAÇÕES PARA UMA VIDA TODA - SUELI LIMA UMA DESTAS
Já faz uns dez dias que ela se foi para sempre de nossa convivência e dela trago comigo boníssimas recordações. Trabalhei por quatro anos junto da Prefeitura Municipal de Bauru, 2005/2008 e por lá conheci muitos servidores municipais, alguns de inesquecível valor, fibra, resistência, abnegação e sempre na lida, luta. SUELI LIMA uma destas. Eu já convivia com ela das lutas sociais pelas ruas, embates quando nos encontravámos e ela sempre disposta. Assistente social, atuou por muito tempo também na Saúde Municipal, sempre ao lado do comprido e querido Aurélio, ambos residindo ali no coração do Beija Flor, bem defronte a um espaço público dedicado aos moradores. Sua casa era uma espécie de Quartel General, onde todos se acercavam quando precisam se juntar para partir pra algum embate. Ela nunca se furtou de lutar e disponibilizar sua casa para reuniões, quando lá nos reuníamos para depois partir pro pau, enfrentar os touros à unha. Demorei um bocadinho para escrever dela, pois demorei para digerir sua partida tão cedo, aos 59 anos. Guardo dela aquela cara de quem não foge da luta. Nos quatro anos que estive do lado de lá, atuando junto do poder público, ela sempre me acompanhou em tantas andanças, disponibilizada que estava pelo prefeito Tuga para fazer exatamente o que sabia fazer, ajudar na organização e enfrentamentos aos contrários, os representantes do poder local.

Ela chegava com seu sorriso franco, aberto, altiva e com uma couraça, sem medo de por a cara para bater. Poucos são os que, hoje em dia, saem de sua zona de conforto, colocam a cara a tapa, pois temem um algo mais, uma perseguição ou algo parecido. Sueli nunca foi cagona. Ela tinha a coragem dentro de si. Foram tantos os embates, algo dessa luta que nunca termina. Essa foto que tirei dela numa viagem que fizemos com a Maria Fumaça, daqui até Lençóis Paulista, ela como boa timoneira, fez questão de ir ter com o maquinista, entrona como poucos, pediu para ir ali, na cabine, vendo tudo, desbravando o caminho. Essa a imagem que terei dela para todo o sempre, uma desbravadora. Mais uma que se vai antes da hora. Minha amiga desde o primeiro momento quando a conheci. Daqui envio baita abracito para Aurélio e todos os familiares, a filha e todos que estiveram à sua volta nos difíceis momentos por que passou. Ela dignifica nossa luta e sua trajetória nos conduz a continuar esgrimando.

FAMÍLIA COSMO LEVA MATRIARCA DONA IRENE PARA REVER A ANCESTRALIDADE E ACENDER CHAMA DO "ESTRELA DO SAMBA"
Coisa mais linda do mundo, assim denomino o que os Cosmo, lá de Tibiriçá proporcionaram para a matriarca da família, propiciando a ela um passeio desses mais do que alvissareiro pela Salvador, terra dos ancestrais, das crenças e também do samba e do Carnaval. Quando aqui em Bauru estão a discutir os destinos da festa carnavalesca no ano de 2022, num jogo de queda de braços com a fundamentalista prefeita, a família Cosmo se antecipa e vai galhardamente desfilar a sapiência de quem já decidiu, a festa começa por lá e só termina aqui, com o bloco Estrela do Samba nas ruas e, como sempre, tendo dona IRENE COSMO como epicentro de tudo.

E lá estava ela, a mãe de todos, a que presenciou de tudo lá pelos lados de Tibiriçá, aquela que vive hoje numa redoma, cuidada, amparada e paparicada por todos. Tudo foi festa nessa estada de alguns dos Cosmos por Salvador. Desde o avião, onde para sacramentar o grande feito, conseguiram levar dona Irene até a cabine do piloto e ali, com certeza, não foi ela quem visitou a cabine de comando, mas a cabine de comando que foi agraciada com a visita de tão ilustre personagem.

Os passeios todos, todos os pontos turísticos visitados e em todos, lá estava dona Irene, esbanjando simpatia e resistência. O peso da idade é algo pelo qual ela tira de letra, quando junto dos seus, num lugar onde deve lhe trazer recordações imensas, assim como um filme passando pela cabeça, pois muita coisa, ela sabe, começou por ali. Imagino a cabeça de todos percorrendo todos os lugares carregados de tanta crença, algo que certamente já pensam em transpor para um dos enredos do Estrela do Samba. Eu mesmo, admirador de carteirinha dessa família, sabedor de toda garra e disposição para a luta, algo nunca abandonado por nenhum deles, quando lá no reduto, no terreiro, no palco onde tudo teve início, a imaginação deve ter subido pelas paredes.

Na volta, todos carregados com muito além da bagagem, muitas histórias, algo mais desse inebriante e necessário contato, troca de experiências, tudo visando a implementação de algo mais para o que virá pela frente. Como já definiram aqui por Bauru que vamos ter Carnaval em 2022, não não Sambódromo, mas nas ruas, creio que o enredo do Estrela do Samba já foi definido e sacramentado nessa viagem. Tem que vir algo dessa união mais do que feliz e soberana, entrelaçando os Cosmos com a Bahia, a festa que viram por lá com a festa que só eles sabem fazer por aqui. Quando os vi por lá, fiz questão de ir acompanhando todas as postagens e imaginando Dona Irene desfilando numa das avenidas aqui de Bauru, em cima de um carro alegórico, a baiana mais bonita do mundo, ela contando com o samba no pé algo do vivenciou pela Bahia. Digam se não seria a coisa mais linda do mundo, o ponto alto do Carnaval de Bauru em 2022?


EU E A MÁSCARA*
* 39º texto deste HPA, com exclusividade para edição do semanário DEBATE, de Santa Cruz do Rio Pardo SP:

Recebo sinais quando saio pela aí portando minha máscara vermelha com a inscrição “Tô com Lula”. Foi o que fiz hoje e pela quantidade deste sinais, achei melhor juntá-los num texto. Enfim, merecedores de nota.

Na farmácia chego e entro na fila, pego a senha e sento para aguardar minha vez. Uma senhora, lá com seus oitenta anos, olha para os lados e como querendo me dizer algo meio que escondida, oculta, sem que ninguém note me diz assim do nada:

- Tá difícil, né filho! Tá cada vez mais complicada a vida e antes não era assim. Eles tentam botar a culpa do Lula, mas a dificuldade com ele era bem menor. Sobrava algum, hoje falta, a geladeira está vazia. Se eu chegar viva até a eleição, também voto nele.

No posto de combustível, estaciono junto da bomba, desço do carro e o frentista parece não acreditar:

- Onde consigo uma máscara dessa? Sabe, aqui no posto não posso nem pensar, mas se chegar em casa e presentear uma dessas para minha esposa, ela vai me encher de beijos. Ela fica mais na TV, chego tarde da noite e isso seria um presente pra ela, pois todo dia me conta tudo de ruim que o Bolsonaro aprontou para cima de nós, os pequenos trabalhadores.

Por sorte, tinha mais uma no carro. Dei para ele, mas pedi para ele lavar antes de entrega-la, pois estava usada. Ele quis mesmo assim e sai de lá cheio de contentamento. O dia estava prometendo e na padaria, último lugar antes de ir pra casa, lugar quase fechando, eu o último cliente, a moça do caixa, pergunta assim como quem não quer nada:

- O sr conhece o Genaro?

Digo assim sem pestanejar:

- Ganhei a máscara dele, lá no bar que leva seu nome. Essa aqui ele é quem distribui para seus clientes e amigos. Claro que conheço, meu amigo, militamos juntos na resistência contra esse desgoverno.

Ela sorri, me leva até a porta, pois vai fechá-la ao sair e desfere:

- Preciso voltar mais vezes lá. Espero reencontrá-lo por lá, lugar onde posso conversar sem problemas, pois aqui, a recomendação é para não tocarmos nesse assunto de eleição de jeito nenhum. Com o sr senti segurança, quebrei a regra, pois teremos que ir com Lula para recuperar esse país de volta.

Estava me esquecendo no cara do estacionamento, quando parei o carro para ir cobrir a conta corrente. O valor ali cobrado é de R$ 2 reais por hora. Desço quase em cima da hora e na volta, pouco mais de dez minutos lá dentro, quando lhe digo quando devo:

- O sr não precisa pagar nada. Só de ver o que está escrito na sua máscara, me encheu de esperança. Está mais do que pago ver que a gente vai desmontar essa arapuca que montaram contra nós. A gente tá calado, cheio de dificuldade, mas sabe muito bem em quem deve e não deve votar.

Tudo nesta sexta. Sem tirar nem por. Sim, percebi alguns olhares atravessados, outros desviando olhar, alguns querendo dizer algo, contrariados, mas destes, percebo que, antes bufavam e espumavam, hoje estão mais contidos. Os tempos estão mudando e mesmo os mais empedernidos capirotistas já percebem que os ventos sopram contra eles. Diante deste quadro todo, minha reação é somente uma: não saio mais sem minha máscara e se não converso com que a vê pela minha cara, sei que a mensagem está mais do que transmitida. Na reação sentida, algo pulsante pelas entranhas do Brasil, a de que a maioria da população não aguenta mais a desgraça onde nos enfiaram. Luzes, sinais, esperança...

Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e professor de História (www.mafuadohpa.blogspot.com)

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