sábado, 20 de março de 2010

MEMÓRIA ORAL (83)
A SAGA EM BUSCA DA ESTAÇÃO DE TABOCA
O chargista Carlos Henrique Latuff de Souza, ou simplesmente, LATUFF, 42 anos veio para Bauru palestrar para estudantes do colégio particular D’Incao (indicado por mim, convidado pelo professor Paulo Neves e confirmado/pago pelo diretor Carlos D’Incao) sobre um tema dos mais instigantes, “Um outro mundo é possível”. Encantou estudantes e alguns bauruenses, procurando aliar seu ativismo político, com suas charges espalhadas mundo afora, sempre focadas em temas na defesa dos explorados e menos favorecidos. Faz isso maravilhosamente bem, mas seu ativismo não se resume somente nisso, pois outra grande paixão lhe move a percorrer os mais escondidos caminhos no interior brasileiro. Mantém um blog com temática ferroviária (http://www.ferroviasdobrasil.blogspot.com/) e seu interesse é por garimpar vestígios de estações férreas sem registro fotográfico e reunir histórias em torno delas.

Chegou na hora do almoço de terça, 16/03 e alguns compromissos pelo caminho, como entrevistas para a imprensa local. No trajeto para uma delas, pede para parar o carro, queria fotografar um muro cujo morador havia grafitado ali um trem. Fez questão de conhecer o Museu Ferroviário, onde a diretora, Néia Pires, acabou ficando muito além do horário do expediente, só para lhe mostrar fotos e uniformes antigos na reserva técnica. Dali, uma parada obrigatória na famosa estação da NOB, onde em pouco mais de dez minutos desenhou a gare em bico de pena. “Se morasse aqui, certamente faria amizade com os seguranças e passaria horas e horas, com uma garrafa térmica de café e leite, desenhando cada detalhe”, diz. A noite chega e antes de ir para o local da palestra, uma parada obrigatória numa padaria ali na praça da estação. “Não fico sem um copo de leite, café e bolachas Maria quebradas e dissolvidas no líquido quente, comidas com colher. As melhores são as da marca Vitarella”, explica. Ao lado a balconista Ana Paula, piauiense de Picos, três meses de Bauru, entra na conversa, pois também adora as “marias” da Vitarella. Desponta um papo longo, interrompido por um só motivo, aproximava-se o momento de sua fala noturna.

Da palestra só elogios e a promessa de um retorno em junho. Um lanche noturno, com papos ainda revolucionários e o dia seguinte todo reservado para a questão férrea. Veio com uma pauta pronta, a de conhecer um ramal desativado há aproximadamente trinta anos. Nele, nove estações e duas sem registro fotográfico, tudo para colaborar com Ralph Mennucci, um pesquisador que mantém um site onde constam registros de todas as estações brasileiras, o http://www.estacoesferroviarias.com.br/oesferroviarias.com.br/ . Uma delas, segundo dados em seu poder, a de Taboca, na área de Bariri. Aciono antes da ida, Renato Dias dos Passos, assessor cultura da Prefeitura daquela cidade e pesquisador sobre questões históricas. A recepção foi calorosa, colocando à sua disposição um carro oficial da Prefeitura, afinal o ilustre visitante iria citar o nome da cidade nacionalmente. Antes do garimpo ao campo, uma passada no que restou da própria estação da cidade, onde os antigos barracões, hoje são todos ocupados por órgãos municipais. No largo da antiga estação, algo a chamar a atenção, uma inscrição numa velha casa de turma e trilhos fincados no chão, talvez usados no passado como suporte de cobertura para saguões. Trilhos no vellho percurso, nenhum e fotos, muitas fotos disponibilizadas por Renato.

Cidade pequena, autoridades tomaram conhecimento de quem era o visitante pela internet e por uma matéria que o Jornal da Cidade de Bauru publicou na capa do seu Caderno Cultural, “Arte Engajada”. Foi o suficiente para movimentar a imprensa local que queria entrevistá-lo e o presidente da Câmara de Vereadores, que veio lhe dar as boas vindas. Duas entrevistas ocorreram, mas devem ter fugido do que esperavam seus realizadores, pois nelas, a defesa intransigente de uma revolução como meio de mudar o sistema vigente. “Latifundiário, grande empresário, capitalista não muda e com esses só a bala. Revolução são feitas, em primeiro lugar com idéias, depois com bala”, veio numa fala e logo a seguir outra, “compra-se celular como se troca de cueca e isso leva o ser humano à destruição”. Atônicos alguns ficaram, mas tudo foi encerrado com uma salva de palmas.

Logo após o almoço, fomos, eu, Latuff, Renato e seu João, motorista da Prefeitura à procura da estação de Taboca. Na estrada que liga a cidade à Bocaina uma pequena placa. Adentramos o canavial e lá na frente, após vários quilômetros percorridos alguém a nos orientar. “Quem pode te dar essa informação é o seu Altivo, só que ele está em Bocaina”, diz um tratorista pelo caminho. Seguimos para lá e no local indicado e um cordial funcionário vai de moto chamar a pessoa a nos orientar. Ele chega desconfiado, demora para se abrir e só depois de muita conversa, aceita nos levar até o local, onde para nossa desilusão, diz existir somente ruínas, meras pedras. Altivo Goldoni, 72 anos é administrador de fazendas por ali e conhece aquilo tudo como a palma de sua mão.

Já bastante falante, segue conosco no carro. “A antiga estação estava no meio do canavial. Ficou aquela ruína lá por mais de vinte anos. Uma igrejinha, o salão grande da estação, o pátio e uma imensa palmeira. Questão de uns meses derrubaram tudo. A terra é do grupo Atalla e está arrendada para a Cosan. Na época do fim do trem eu fiquei muito bravo, pois não tinha que parar, tinha é que conservar, mas agora, nem tanto. A cada novo plantio, uma pedraria dificultava tudo e os homens decidiram por tudo abaixo”, conta pelo caminho. E o que havia nos dito foi a mais pura verdade. O que encontramos foi um monte de pedras e pequenos vestígios da estação, como cacos de telha, piso, tijolos, uma provável placa de sinalização e uma barra de ferro, que seu Altivo nos explica: “Ela era usada uma de cada lado do trilho, parafusada nas ligações”. Renato junta tudo e diz que aquilo tudo passa a ser acervo do futuro museu de Bariri.

De lá seu Altivo nos leva até a presença do memorialista e bancário aposentado, Walmir Furlaneto, 68 anos, uma espécie de guardião do museu de Bocaina. No portão de sua casa nos mostra seu livro, emoldurado num quadro. “Esse é o último exemplar, aqui tem fotos de tudo, mas se tirar e emprestar some também esse e fico sem nenhum. Um novo, reunindo o que já estava publicado e histórias novas está no prelo, falta grana para terminar a impressão. O deputado federal Milton Monti ficou de arrumar um dinheiro e sem isso não consigo terminar”, nos conta. Por fim confirma a data de fechamento da ferrovia, 1965 e algo novo: “Meu pai morou na Taboca. Meses atrás passei por lá com minha filha e disse a ela que voltaria para fotografar. Quando o fiz já haviam derrubado tudo”, conta meio que desolado. Quando demos por conta, Latuff e Renato haviam sumido e fomos encontrá-los defronte a estação da cidade, hoje transformada em biblioteca. Estavam numa lanchonete e ficamos sabendo, Latuff quis desenhar dentre todos os jovens que o rodeavam um que estava ali a trabalho, um entregador de gás, o William. Bebiam um refrigerante da região, o guaraná Quinze, de Jaú, ali pertinho, uma exigência do chargista: “Vim até aqui e não quero beber nada que já conheço. Queria algo da terra”.

Missão cumprida, mesmo com a decepção de só encontrar pedras no lugar onde antes havia uma estação. Voltamos para Bariri e de lá, eu e Latuff, já no retorno passamos no último local de pesquisa do dia, o que restou de uma ponte de concreto, ainda com a inscrição da Cia Paulista, bem defronte a fábrica da Itabom, em Itapuí. Quando pedimos informações, quase no final do expediente, fomos informados de que deveríamos abrir o site da empresa ( http://www.itabom.com.br/_/historia.php ), pois o “dono gosta muito de ferrovia. Esse lugar onde está a fábrica hoje era a estação da cidade, chamada Bica de Pedra e hoje não mais existe, sendo derrubada para a construção da indústria”.

Engolimos em seco e no retorno, uma balsa para atravessar o rio Tietê, entre Itapuí e Boracéia. Emmanuel, um funcionário da embarcação nos leva até a casa das máquinas e conhecemos o coração de uma balsa fluvial. “No blog só publico algo sobre ferrovia, mas abrirei exceção para a história da balsa, pois nunca havia estado numa e pela gentileza do funcionário”, me diz. No retorno, quase 21h, passando ao lado da linha férrea, já em Bauru, ele me faz parar, pula uma cerca e vai fotografar um auto de linha funcionando e logo a seguir nossa última parada, essa obrigatória, na padaria da estação ferroviária de Bauru para nova sessão de bolachas Maria molhadas em leite e café, comidas com colher e o papo com a balconista Ana. Como ainda não encontramos a da marca Vitarella, difícil por essas bandas, dessa vez comemos a Zabet. Dia seguinte, logo cedo, Latuff volta ao Rio de Janeiro e a história da estação de Taboca deve ir ao ar em breve no seu site.

17 comentários:

Vinagre disse...

Henrique,

A grafitagem citada é de autoria do Silvio Selva, nosso amigo e funcionário da SMC...

Ralph Mennucci Giesbrecht disse...

Caro Henrique: ainda acho que derrubar uma estação e uma vila em volra, por menor que seja, é um absurdo total. Há espaço suficiente para cana ali, alguns metros quadrados não fariam falta. É insensibilidade dos proprietários que deveriam manter a vila e a estrada de acesso. Atrapalha? Ora, atrapalha o que? Levar o que sobrou para o museu é apenas um pequeno paliativo. Infelizmente muitas estações continuam sendo demolidas pelo Brasil afora; com elas, vai-se uma grande parte da memória ferroviária. Uma pena. Eu, realmente, apesar de manter um site sobre estações, não tinha nenhuma informação dessa estação após o final das atividades da linha (que foi em 1966, não 1965, de acordo com documentação oficial). Na página de meu site referente a essa estação, coloquei parte do texto transcrito de seu blog. Abraços

Roque Ferreira disse...

Foi uma pena não ter encontrado o Latuff. Nos conhecemos de longa data, quando era o chargista do Trilhando, jornal do Sindicato dos Ferroviários da Zona Central do Brasil. Grande Cara.

Mafuá do HPA disse...

Caro Ralph
Acompanho seu trabalho e penso igual a ti, temos que denunciar quem não possui um mínimo de sensibilidade por manter um pé uma estação, que pouco representa de espaço físico para grandes áreas canavieiras. Que o texto tenha esse papel.

Caro Roque
O Latuff lembrou de ti e disse que queria muito tê-lo encontrado. Disse que estaria fora de Bauru no dia da palestra. Um alento: quase certo para ele retornar à cidade em junho, também trazido pelo D'Incao que adoraram suas intervenções.

Caro Vinagre
Isso mesmo, o grafite é do Silvio Selva. Muito bem lembrado.

Abracitos a todos
Henrique, hoje fora do mafuá, viajando ao Rio

Anônimo disse...

Alô Aquino: acabei de ler a matéria, ficou ótima. Eu enviei quase 30 fotos da ferrovia e matérias ao Latuff. Ele já me respondeu e deu tudo certo.
Qual é o seu e-mail? no mafuadohpa eu não consigo enviar nada.
Gostaria de fazer uma correção, foi falha minha. A desativação da ferrovia foi em 15.09.1966 e não em 1965.
Um abraço
Walmir Furlaneto
Um abraço

Ralph Mennucci Giesbrecht disse...

Henrique, há muitos outros casos pelo Brasil afora. Lembrando no momento, algumas estações demolidas em Santa Rita do Passa Quatro e em Guariba. A estação de Remanso, em Araras, idem. Perto desta, uma vila de fazenda foi arrasada em 1996, mas a capelinha foi salva: o ex-proprietário desmontou-a e remontou no seu sítio ali perto...

Anônimo disse...

Vc é um jornalista, Henrique, acho que nem vou precisar entrar muito
em detalhes quando for tratar da expedição a Taboca, vou publicar o
link para seu post, porque ele é pra lá de completo

Carlos Latuff

Anônimo disse...

Henrique!
Cara...é um filme fantástico ler suas narrativas.
O dia que passamos juntos com o Latuff,será inesquecível.
Obrigado pelos conhecimentos adquiridos,durante a nossa aventura.
Parabéns pelo excelente trabalho.
Abraços e viva o Mafuá do HPA.
Renato Dias dos Passos.

Anônimo disse...

Caríssimo Henrique
Sua mensagem sobre a estação TABOCA. Grato e parabens pela sua constante luta pela ferrovia e parabens também por esse apôio ao pessoal da escola D Incao. Esse é um pessoal maravilhoso que conheço de longa data. São amigos do meu filho Daniel. Estou muito contente com eles nessa experiência escolar, especialmente por se tratar de uma moçada engajada e bastante politizada que fazem a diferença em nossa cidade. Um abraço Isaias Daibem

Flavio disse...

Muito bom Henrique parabens pelo post acompanho as aventuras do latuff no blog dele e acabei achando o seu ,tambem faço minhas viagens de vez enquando acho muito interessante saber a historias das ferrovias brasileiras e suas estações, no caso desta ai concordo com o Ralf apesar de ele ser um ignorante e imbecil na maioria de suas opiniões, quando se trata de ferrovias ele entende um pouco ,tem q entender um kra q foi um filhinho de papai a vida toda tem tempo de sobra para estudar este assunto. mas no caso da estação concordo que ela teria que ser preservada pra ser usada com outros fins até, mas vamos pensar um pouco... não tem sinal nenhum de ferrovia na região a estação fica no meio do nada ,pra que eles deixariam ela de pé? pra que eles reformariam ela, pra quem ver? o lugar pelos relatos fica no meio do nada pra que o proprietario das terras deixaria ela de pé ? só se ele for um entusiasta oque concerteza ele não é portanto aquela estação teve um fim triste mas devido a sua localização é oque concerteza deveria ser feito.

Ralph Mennucci Giesbrecht disse...

Caro Henrique: Acho que uma postagem como essa do Flavio - o qual não conheço, mas que andou mandando mensagens malcriadas para o meu blog também - deveriam ser canceladas. Não estou aqui para ser ofendido. Todos aqui merecem respeito, afinal, o trabalho de vocês é justamente para ajudar aos outros. Procuro colaborar. Grato

Mafuá do HPA disse...

caro Flávio e Ralph:

Flávio: Não existe motivo para algo intempestivo e malcriado num post como o feito. Portanto, uma coisa deixo claro aqui. Críticas são sempre bem vindas, mas fundamentadas e com sentido. A sua mensagem postada aqui permanece, mas nas próximas vindo com o mesmo teor, serei obrigado a deletá-las. Por outro lado, a estação estava praticamente às margens de uma rodovia e sua preservação poderia ser transformada num centro cultural ou até repassado para alguma entidade privada, mas nunca derrubada, pois eram vários barracões.

Ralph: O recado está dado acima e o principal de tudo isso é que o Latuff, citado por todos nós, te respeita muito, tanto que fez essa investigação "tabótica", motivado por informações que seriam repassadas a ti sobre fotos não existentes da tal estação. Tudo para você atualizasse os dados lá no seu site.

Abracitos bauruenses do
Henrique - direto do mafuá

Ralph Mennucci Giesbrecht disse...

Obrigado, Henrique. Eu e o Latuff também já tivemos nossas discussões. Mas ficou tudo em casa. Abraços - Ralph

Flavio disse...

Pensei que estivesse no meio de um canavial ou em uma estrada de terra longe de tudo(pelos relatos que li foi o que parecia), no caso de meu comentario fui pelo ponto de vista do empresario não pelo meu.
No caso do Ralph foi minha opinião ue esse blog e livre eu escrevo o que eu quiser, depois de acompanhar seus post tomei esta conclusão a respeito dele se ele se sentir ofendido problema dele ele que me mostre o contrario pq vou continuar falando e criticando ele sim em qualquer blog.Se quiser apagar meu comentario fique avontade mas isso não muda nada minha opinião .

Ralph Mennucci Giesbrecht disse...

Flavio - já sei seu IP e já prestei queixa de você na Delegacia. Prepare-se para provar o que disse. Prepare o bolso também para um processo.

Flavio disse...

a por favor provar oque ? não vou continuar esta discussão isso ja fugil do assundo do blog. e fique tranquilo depois daquele meu ultimo comentario a alguns meses atras não senti vontade mais de visitar o seu.

Renato Dias dos Passos disse...

Memorável!