MEMÓRIA ORAL (133) e DIÁRIO DE CUBA (59)
UMA FESTA CUBANA NO RIO, ENCONTROS E REENCONTROS
O convite chegou por e-mail e o evento acontece pelos menos duas vezes ao ano. Trata-se da “Festa Cubana” e quem a patrocina é a Associação Cultural José Martí (
www.josemartirj.webnobe.com), uma entidade carioca de congraçamento entre cubanos residentes, em trânsito e simpatizantes da causa cubana na cidade do Rio de Janeiro, com apoio da ANCREB – Associação Nacional dos Cubanos Residentes no Brasil. Algo marca definitivamente esse motivador a unir gente em torno da causa cubana, uma frase no rodapé do convite: “Cuba não está só! Junte-se a nós!”. Convites vendidos a R$
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50,00, com direito a um jantar, com comida típica cubana, mojito, sangria e muita dança com o Conjunto Salsa Klave. O local é sempre o mesmo, a sede social da SEAERJ, rua do Russel nº 1, Glória, muito próximo do famoso Hotel Glória. Junto a tudo isso, um detalhe significativo a mais, sempre boníssimo em se tratando de Rio de Janeiro, o estacionamento foi gratuito.
Na portaria um dos associados mais famosos, reconduzido recentemente como tesoureiro da Associação, Pasqual Macariello, militante da esquerda ao
seu modo, conduz todos ao salão. “Não gosto da esquerda que baba ovo para a situação atual, nem posso concordar com aquela que desmerece tudo. Prefiro o meio termo”, diz cheio de orgulho, apresentando o jovem militante, Arthur Alves, 15 anos, uma espécie de revelação da novíssima geração do velho e ainda valente PCB. Numa distração, meio de uma conversa, as siglas são confundidas e o próprio
Arthur rebate de bate pronto: “PC do B não, não fazemos o que eles fazem. Somos aqui do PCB”.
O predomínio no local era de gente a admirar Cuba e repudiar o embargo dos EUA. Na camiseta de um militante petista (Pasqual faz questão de lembrar: “Sujeito muito bom, bravo guerreiro, mas ainda não conseguiu se desligar do PT”), a inscrição sobre os cinco heróis cubanos detidos injustamente nos EUA. Quem chegou tarde perdeu a convivência de gente ilustre, como Anita Prestes, a filha do
velho líder comunista Luís Carlos Prestes e de João Luiz Pinaud, nome dos mais famosos ligados à causa dos Direitos Humanos no estado e no país. Gente dessa envergadura circulou pelo salão e abrilhantou a causa de defesa da pequena e instigante ilha caribenha.
Entre os convidados, o cônsul geral cubano, Lázaro Méndez Cabrera, lotado na capital paulista e no Rio especialmente para
rever patrícios queridos, militantes e pessoas com grande apreço por seu país. “Essa reunião me traz grande contentamento. A causa cubana é das mais nobres, por tudo o que conseguimos fazer não só para nosso povo, como para muitas outras nações”, diz embalado pelo som da famosa música reverenciando os feitos do “comandante Che”. A comida era servida ao estilo self-service e repetida várias vezes. Num balcão na entrada do salão, um barman preparava na hora, com uma folhinha de hortelã em cada copo, os bem aceitos mujitos.
O balcão manteve-se sempre muito movimentado, tanto que a bebida foi um dos primeiros itens a acabar antes do previsto.
Um grande simpatizante da causa é o jornalista Arthur José Poerner (www.arthurpoerner.blogspot.com), com seu inconfundível cabelo despenteado e grisalho, escritor de textos antológicos sobre a América Latina e os movimentos sociais mundiais. Pasqual diz dele: “Um baluarte das esquerdas brasileiras. Hoje, bate cartão no Fiorentina, no Leme onde produz a maioria dos seus textos”. Arthur
confirma tudo: “Ando com um bloquinho, escrevo tudo a mão, praticamente indico onde vai se encaixar no contexto do livro. Uma assessora bate para mim no computador e me apresenta o texto final, que revejo e só depois autorizo a publicação”. Faz questão de mostrar sua ficha no DOPS, quando, como diz, era “considerado um elemento dos mais perigosos”. Estar ali, falar de Cuba, rever amigos e conversar é algo que não abre mão. “Ainda mais quando tenho a possibilidade de conhecer novas pessoas, idéias próximas”, conclui.
Outro na mesma situação era o também escritor e jornalista Mário Augusto Jacobskind, um conhecido nome na imprensa
nacional, desde os áureos tempos da resistência à ditadura militar. Fez fama na Tribuna da Imprensa e hoje escreve regularmente para o Direto da Redação (www.diretodaredacao.com). Na irreverência da noite não se fez de rogado e chegou a dançar embalado pela salsa. Muitos seguiram os mesmos passos, como Rita Alves, funcionária do Banco do Brasil e diretora do Sindicato dos
Bancários do RJ. “Além de reencontrar pessoas, o clima alegre cubano, uma união de gente pensando na mesma direção. Uma conversa é engatada em outra, tudo produtivo”, diz.
No final da apresentação musical, um dos músicos, o cubano e hoje professor de Química Analítica da UFF – Universidade Federal Fluminense, Sérgio Jerez, 49 anos é um dos poucos ali com algo destoando do discurso predominante no local, pois mesmo
não sendo um dissidente, diz ter tido problemas nos retornos à ilha. “Fiquei dez anos sem poder retornar e hoje, não posso mais lá residir. Posso permanecer no máximo um mês, com pequena prorrogação. Vou agora, rever meu filho e parentes. Cuba mudou muito, eu também. Canto junto do grupo, pois os laços nunca se desfazem. Aqui têm cubano e brasileiro, nossas reuniões são em festas, encontros e todos sempre dançam bastante”, diz.
A festa tinha hora para terminar e alguns passaram do previsto, luzes foram apagadas e permaneceram mais um tempo no estacionamento, papeando e terminando conversas iniciadas e já remarcadas para outros reencontros. Arthur Poerner foi um desses, o garoto Arthur e Rita, sua mãe outros. Quem fecha o salão, faz os acertos finais e praticamente apaga a luz é Pasqual. Na despedida de todos, já na calçada, um grupo saiu caminhando a pé no sentido do Palácio do Catete, outros se juntaram em caronas e todos com a certeza de Cuba ser mesmo um bom motivo para continuarem se revendo. É o que fazem várias vezes ao longo dos anos.
Em tempo: A festa ocorreu no último 21/12,sexta, das 19 às 23h30.