CINCO HISTÓRIAS DE REGISTROS EMOCIONADOS DE MEMÓRIA ORAL
1.) CUBANO AMÍLCAR FOI INSTRUTOR DE AUTOESCOLA
Cuba é uma palavra mágica por essas plagas paulistas. Atrai atenção de todos os lados e poros. Positivamente pelos que enxergam no regime político cubano uma alternativa para a proposta de que outro mundo é mais do que possível e por outro, dos retrógrados enxergando tudo de ruim ali, pelo simples fato de contrariar os ditames do mundo do deus dinheiro e do capital acima de todas as coisas. Diabolizar Cuba e tudo o que vem de lá é na maioria das vezes, a dita de quem repete tudo, mas pouco sabe de verdade do que se passa por lá. Aqui algo de um cubano vivendo em Bauru e visitando seu país todo ano.
AMÍLCAR TOLON é cubano e aqui veio morar quando sua mãe, a professora universitária Rosa Tolon veio ministrar aulas de Música na USC – Universidade do Sagrado Coração e trouxe com ela o filho e uma sobrinha. Coisa de mais de dez anos atrás, ele chegou já um rapagão, mas hoje está mais do integrado à vida bauruense. Tem duas filhas, uma aqui e outra em Cuba. Uma vez por ano volta para seu país e além de matar saudade e se recarregar com as coisas boas do seu país, visita a filha e a avó. E não vai mais porque a passagem custa caro e seu trabalho por aqui exige muito dele. Falante, agitado e muito ativo, descobriu-se numa profissão onde é um dos expoentes, a de instrutor de autoescola. Por anos trabalhou numa ali na Saint Martin, do ex-vereador Paulo Eduardo Martins e depois foi atuar em outra, sala cheia de alunos e ele comandando equipes e grupos. Hoje está em busca desse algo novo em outras atividades, mas a educação primorosa trazida da ilha é sempre primordial para conseguir ser bem sucedido. Sempre sorridente, só se magoa quando falam mal de seu país, um dos seus amores. Amílcar vive aqui, mas não esquece seu país por nada nesse mundo. Querem conhecer um sujeito alegre, bonachão e de bem com a vida, procurem por ele e saberão do que lhes falo.
2.) EDUARDO CIRCULA JUNTANDO COISAS PELA CIDADE TODA
Quem como eu mora nas barrancas do ribeirão Bauru, proximidades do terminal rodoviário, dos quase abandonados trilhos urbanos, do centro velho bauruense e também do Albergue Noturno aprende a conviver com uma gana de personagens transitando diuturnamente diante do seu portão. Os raivosos espanam e caem em desgraça com os da rua. Eu atendo a tudo e todos e isso também me cria problemas, pois de aproveitadores o mundo está cheio. Mas tento ir levando e contornando os problemas inerentes a algo que não dá para esconder e nem escamotear. Hoje conto algo de um desses tantos pelas ruas, mais um sem eira e nem beira. Um dos rotineiros papeadores.
EDUARDO CARLOS não gosta de divulgar seu sobrenome, preferindo só dizer esses dois iniciais. Com 29 anos, mora lá perto do Geisel e diariamente desce a pé ou de ônibus para a cidade e pede aos conhecidos, algo como uma ajuda, em forma de roupas, alimento e dinheiro. Negro, alto, cabelo sempre cortado bem curto, asseado, roupas constantemente trocadas, fala com certa dificuldade. Embaralha algumas frases, em outras é confuso, mas se faz entender e segue seu caminhar, com as pernas também um tanto embaralhadas, devido a problemas antigos. Todo domingo bate cartão na feira e nos demais circula pelo centro todo. Muito conhecido por todos, uma pessoa calma, introspectiva e querendo participar. Noutro dia lhe deram uma camisa da seleção e ficou boas semanas com ela no peito, mostrando-a em todos os lugares. Passa reto nos lugares onde não lhe dão a devida atenção e em outros puxa conversa, proseia e depois do mesmo jeito que chegou vai-se embora. Essa sua rotina de vida.
3.) GILMAR E SUA CARROÇA, ESSE SEU MEIO DE SUBSISTÊNCIA
A polêmica está estabelecida, mas como em tudo nessa vida existem sempre os dois lados da questão. O uso do animal como tração de meios de transporte foi amplamente utilizado por séculos. Foi até instrumento de guerra, encurtando espaços e mesmo transportando material bélico. O uso das carroças nos centros urbanos também foi amplamente utilizado. Hoje nem tanto, ou quase extinto. Uns poucos ainda fazem uso delas em centros urbanos como Bauru e em sua imensa maioria, os que ainda se utilizam o fazem por extrema necessidade. Entender os dois lados mais do que necessário. Ninguém é a favor de maus tratos com animais, isso abominável, mas no momento da aplicação da coercitividade da lei, muita coisa precisa ser levada em consideração. Apresento uma delas.
GILMAR PEREIRA DE SOUZA é um senhor de alta estatura, com 50 anos de idade, mas aparentando ter bem mais, pois pelo tipo de trabalho e sua situação financeira onde está inserido, o seu desgaste físico foi inevitável. Vê-lo de perto, com a boca desdentada, roupas em frangalhos, pele muito queimada pelo sol é a constatação disso. Circula pela cidade numa carroça e nela o único meio de subsistência dele, da esposa e dos filhos. Dentre tudo no seu entorno, o cavalo parece ser o com melhor tratamento. Não aparenta nenhum mal trato e segue ao lado do seu Gilmar pelos caminhos e descaminhos bauruenses. Ele vive da coleta de reciclados e também de pequenos fretes. Transporta uma coisinha aqui e outra ali. Dessa forma compra a cada dia o que leva para os seus se alimentarem. Tudo em sua casa ele conseguiu de doações e nas andanças pela cidade, sempre tudo sendo carregado pela carroça. Mora na baixada do Bela Vista, rua Olímpio Petroni, imediações da linha férrea, local com muito verde pela frente, onde diariamente colhe o alimento para seu cavalo. Carrega consigo uma cuia para dar água durante o dia para o animal. Essa sua vida, de sol a sol, sem tréguas, pouco descanso e de pura sobrevivência. Se me perguntarem ser contra ele utilizar o cavalo para isso, não saberei responder a contento, pois a questão não é assim tão simples. Antes disso se faz necessário analisar muita coisa no entorno e cada caso é um caso.
4.) JOSÉ HENRIQUE É A PUREZA EM FORMA DE PESSOA
Sim, eu acredito e muito nas pessoas puras, desprovidas de qualquer maldade, simples por natureza e só por isso, encantadoras. Quando me deparo com uma, não existe como não dar-lhes a devida atenção. São as tais pessoas que não conseguem, mesmo que queiram produzir maldades. Até por serem do jeito que são, sofrem em demasia, pois dentro de um mundo recheado de muita maldade, maledicência, o tal do cobra comendo cobra, alguns se aproveitam de sua situação e daí o padecimento nas mãos dos ditos espertos. Vendo como vivem alguns puros, vejo como o mundo poderia ser diferente se tudo fosse simplificado. Eis aqui uma pessoa pura.
JOSÉ HENRIQUE ANTONINI é professor e de Língua Portuguesa, justamente a que auxilia o outro a conhecer mais e mais a sua língua. Ser professor da Rede Pública Estadual hoje, todos sabem, não é tarefa das mais fáceis. Penosa, mas para alguns um bocadinho mais. Conseguir se fixar perto de sua morada, algo cada vez mais difícil. Zé Henrique acabou tendo que ir dar aula na região de Campinas. Na sua pureza, penou na mão de segmentos variados, desde dirigentes de ensino a alunos. Pediu exoneração e voltou para Bauru para não adoecer mais, onde hoje tenta continuar conseguindo aulas, algumas aqui, outras ali. Tudo esporádico, sem fixação, mas com sensível melhora na saúde. Está em casa, perto dos seus, morando ali na rua Inconfidência, no seu último quarteirão, fundos com o novo shopping, ele, a mãe e um irmão. 58 anos, cabelos brancos, voz pausada, calmo até demais, tenta buscar forças para não desistir. E desistir como? Não existe isso. Sua história da sequência de fatos ocorridos em sala de aula é entristecedora. Ele não consegue agir igual ao imposto pelo hoje dito senso comum. Sua forma de ação, de vida é outra. Na pureza de como acredita deveria ser o ensino, como deveriam ser as relações humanas, principalmente entre professor e aluno, ele não consegue se embrutecer, nem perder a ternura e a pureza. Mas como continuar sendo muito puro num mundo onde a rudeza é o que predomina? Daí o confronto e os desencontros.
5.) TAYANO DO DAE, NEM BEM SE APOSENTOU E JÁ SE FOI, UMA PENA
Existem pessoas que te cativam logo de cara, com esse que aqui escrevo foi assim. E como é triste escrever de alguém que você admira e que só ficou sabendo de sua morte algum tempo depois. Esse aqui hoje retratado é também um desses. Quando isso acontece, bate aquela boa lembrança, ainda mais quando o sujeito foi um guerreiro. Com esse mais que isso, trabalhávamos ambos dentro da mesma administração, a de Tuga e estávamos empenhados em fazê-la acontecer mesmo diante de muitas adversidades. E ele sempre se mostrou uma pessoa mais do vibrante, altaneira, um profissional desses que se podia confiar de olhos de olhos fechados.
LUIZ CARLOS TAYANO não conseguiu completar 60 anos. Em fevereiro veio a falecer e com ele mais um daqueles grandes servidores que souberam meio que carregar o DAE – Departamento de Águas e Esgotos nas costas (e também nos ombros). Boa parte de sua vida ele passou ali na autarquia e soube dignificar as funções todas que ocupou ao longo do tempo. Lembranças dos tempos da última administração Tuga Angerami, quando foi galgado de motorista para um cargo de confiança e chefia. Permaneceu por mais de quatro anos como Chefe de Transporte na DAL – Divisão de Automóveis Leves, tomando conta desses que saem para tudo quanto é lado pela cidade, atendendo pedidos mil. Um baixinho mais do que espevitado, sempre com a barba por fazer, franzino, mas com uma resistência de causar inveja. Sabia tudo o que tinha que ser feito e na execução, certamente, pelas histórias que ouço de boca em boca, fazia mais e mais. Tayano queria ter uma participação mais ativa na política, mas sua função o impedia de ousar e dessa forma, ousava no trabalho, suando muito a camisa, resistindo e não permitindo que o DAE entregue os pontos, como muitos querem e forçam a barra. Nem sei dos motivos de sua morte, mas sei que deve ter deixado baita saudades em todos que o conhecem. Quer coisa mais triste do que após conseguir se aposentar, não ter tido tempo de desfrutar meses na boa vida? Com Tayano foi assim. Fica na lembrança o guerreiro que sempre foi.
quarta-feira, 22 de abril de 2015
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