sábado, 30 de maio de 2015

MEMÓRIA ORAL (181)


O INCRA E OS LÍDERES DOS ASSENTAMENTOS – UM POUCO DE PRESSÃO NÃO FAZ MAL A NINGUÉM
A cidade de Bauru está rodeada de acampamentos e assentamentos de origem fundiária. A existência desses é tratada de forma diferenciada pela população. Alguns entendem perfeitamente da real necessidade do homem do campo estar assentado, produzindo e em terra de sua propriedade, algo de uma secular luta, a pela efetiva necessidade da reforma agrária no país. Porém, viceja hoje e até em ascensão os que, vendo essa movimentação toda, ocupações (ditas pela maioria da mídia como invasões), barreiras em estradas, caminhadas e predominância da cor vermelha em suas vestes e nos seus símbolos, enxerga tudo como “coisa de comunista” e pior ainda, como uma “cambada de desordeiros e desocupados”. Entender um bocadinho do que realmente se passa com a luta do homem do campo contra o latifúndio e buscando seu espaço é algo buscado por uma Audiência Pública ocorrida no último sábado, 29/05 na Câmara Municipal de Agudos, 14 km de Bauru.

A dita Câmara está localizada no centro daquela cidade, prédio novo, espaçoso e arejado, algo até grandioso demais para uma cidade com pouco menos de 30 mil habitantes. Na manhã do sábado estava tomada pelos tais acampados e assentados, todos para ali conduzidos com o intuito de presenciar mais uma rodada de negociação com o Incra, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que para lá enviou seu representante maior no estado, o Superintendente Regional Wellington Diniz Monteiro, há alguns anos no cargo e muito inteirado e porque não, solidário com a causa ali discutida. O tema da audiência dizia tudo: “Reforma Agrária: Acampamentos e Assentamentos na região de Bauru” e com o slogan, “melhorias e avanços na execução de políticas públicas voltadas para a reforma agrária”. Sim, uma bela discussão, mas a casa não estava lotada para ver flanar e continuar somente presenciar um blábláblá. Queriam mais que isso, queriam ver o que o Incra fez de fato desde a última vez em que estiveram reunidos. Foi esse o ponto alto da discussão.

Um dos princípios da luta é além de fazê-lo conhecer dos motivos de sua luta. Um pouco de história e de conhecimento de causa não faz mal a ninguém. É o que faz Francisco Lopes de Luca, Chefe da Divisão de Obtenção de Terras do Incra SP. Trouxe sete slides e falaria em cima das imagens expostas, mas diante de pequenas TVs distribuídas no salão, mais fala, pois a visibilidade estava prejudicada. “O Núcleo Colonial Monção, reivindicado por muitos daqui, tem uma longa história. Tudo começa nos idos de 1909, com uma fazenda envolvendo uma extensa área compreendendo onde hoje estão localizados os municípios de Agudos, Borebi, Iaras e Águas de Santa Bárbara. Naquela época o presidente era Nilo Peçanha e ele dá início ao que é hoje o Ministério da Agricultura. O tempo corre e essas áreas são adjudicadas, com sentenças, decisão passando pela União e desmembramentos. Muita terra pública não foi destinada, titulada e não tiveram nenhum documento definitivo. E tudo chega aos dias de hoje quando o Incra faz o estudo de documentação, a União define, formaliza e solicita a área. Só estamos hoje esperando as decisões favoráveis na Justiça para pedir a demarcação das terras e ver o fim disso tudo. Essa nossa estratégia, ganhando corpo e dando a tacada final”, diz no microfone.

Na sequência quem tem a palavra é o padre Severino Leite Diniz, lotado em Promissão e proveniente de um dos assentamentos mais antigos do estado de São Paulo, além de velho guerreiro das causas sociais e tendo sempre à cabeça, sem nenhum tipo de receio, um inseparável boné do MST. Sua fala é a primeira da manhã e feita de forma mais contundente contra os bonitos discursos com pífia ação. “As reivindicações feitas em cima das áreas privadas são centenas e o Incra precisa dar respostas. Nós elegemos um Governo não para explicar porque não fez. Para isso, a séculos a direita vem dando suas explicações. Queremos é que o Incra e o Governo Federal nos diga porque vai fazer a reforma agrária. A coisa não está andando porque não estamos indo para cima. Quando não fazemos nada a coisa não anda. Terras griladas e confiscadas só voltam para mão do povo quando formos para cima. Essa é a única maneira da coisa andar. É preciso que nós vençamos a nós mesmos e não fazermos nada de forma dividida. Temos que ir todo mundo nos atos, pois se tiver muita gente a polícia não dá conta. Com pouco não conseguimos nada”, diz inflamando a plateia.

Luiz Salles é o representante do Porcinos Quilombo, talvez o único no país onde todos seus membros estão dispersos, devido à última desapropriação ocorrida, quando todos foram desalojados. Daí por diante, a luta é para reconquistar parte da área pertencente a eles por direito, pedaço imenso de chão abrangendo cinco munícipios. Seu pleito pode ser resumido nesse trecho de sua fala: “Quero fazer uma proposta desse encontro passar a ser mensal. A gente não tem condição de ir ao Incra, mas eles tem de vir até nós. Além da dívida com todos aqui, o Estado tem uma dívida antiga com as comunidades tradicionais, os quilombos e essa dívida eles não tem como pagar. O começo da luta se faz aprendendo geografia. Antes das monções já tinha o Quilombo. O Governo sabe muito bem onde estão as terras para a reforma agrária. Hoje a gente consegue colocar 70% de comida na mesa do trabalhador e somos taxados de baderneiros e vagabundos. Nós não podemos ficar com o pé em duas canoas e o poder público também não. As prefeituras não podem ir dando terra em concessão para empresários, pois nós também queremos. Precisam ceder para plantação e colheita. Precisa parar com isso da gente por a demanda e vir sempre um entrave na sua execução. Temos uma equipe hoje peso e luta ao nosso lado, mas nunca os quilombos tiveram atuação voltada para seus interesses. Exigimos isso agora”.

Uma tomada de posição interessante de alguém representando o poder executivo, justamente o da maior cidade da região, Bauru, o atual Secretário da Agricultura do município, Chico Maia, quando no momento de sua fala deixa claro, de forma bastante corajosa e arrojada o posicionamento seu e diz que o mesmo é também o de sua cidade em relação aos movimentos sociais. “Trabalho para estreitar o relacionamento de Bauru com os assentamentos. Na cidade temos o Horto Aymorés e nossa equipe está pronta para auxiliar o Incra na viabilidade dos assentamentos de reforma agrária. Nós não temos medo de estar ao lado dos trabalhadores que lutam pela reforma agrária. Temos convênio com o Incra onde abrimos uma série de feiras da reforma agrária em Bauru. E por que? Muitas das pessoas conhecem os assentamento e acampamentos só por meio da imprensa. Nós estamos mostrando em Bauru serem eles viáveis. Há muita gente trabalhando neles e muitas outras precisam de auxílio. Somos solidários aos que estão na luta pela reforma agrária. Quero ver cada projeto para ver onde podemos ir ajudando”, disse e nem bem acabou de pronunciar essas palavras, recebeu uma efusiva salva de palmas de toda a plateia.

A partir daí todos os demais foram na mesma linha. Sem tirar nem por, elogiaram o Incra, mas cobraram soluções e de forma imediata. Paulo Rodrigues, um dos representantes do Assentamento Irmã Doroty, de Agudos pega um pouco mais pesado. “Se não assentar, nós o povo dos acampamentos viraremos oposição. Estamos cansados de ser marcados como gado. Sabemos de todas as dificuldades. O Incra possui somente oito peritos para o estado de São Paulo inteiro. Para não ver a nossa cara na TV como vândalos, vagabundos e bandidos, eu quero acreditar nesse Governo, o que eu votei, mas quero ver as coisas andando. Se o Governo não ouvir o nosso clamor, nós vamos ter que ir para cima”, acentua. As falas são todas dirigidas diretamente com os olhos voltados para o representante maior do Incra ali presente, nada feito de forma acintosa, mas dura, como devem ser as cobranças de algo sendo empurrado ao longo do tempo, sem algo de muito concreto ocorrendo.

O próximo a fazer uso da palavra e ser conduzido ao microfone é Japonês, um dos coordenadores do MST na região. “Sendo bonzinho nada conseguimos nessa região. Muita difamação já foi feita contra nós. Tudo o que conseguimos vem a partir da nossa luta. Nesses 30 anos de MST não se construíram covardes. Cada vez mais são possibilitadas as condições de diálogo com a organização, porém sabendo que cada assentamento possui sua autonomia. Não temos nenhum problema em ser taxados de vândalos se dessa forma algo for conseguido. Nada cai do céu, tudo até agora ocorreu por causa da pressão dos movimentos sociais. Para tudo sair creio que muita luta ainda vai ocorrer, pois as áreas só saem a partir da luta. No processo de enfrentamento muita história ainda vai ser contada e nós vamos continuar pressionando cada vez mais. Não estamos mais dispostos a só ouvir e depois voltarmos para casa e nada acontecer. A pressão vai continuar. Estamos dando dez passos e voltando vinte e isso é ruim. Nossa conversa aqui hoje deve ser pouca e já ouvimos muito. Basta de ouvir, queremos solução”, essa sua muito aplaudida fala.

Outros vieram e de vários outros acampamentos. No meio deles, o ex deputado Tito, sempre presente nesses atos, diz em poucas palavras algo mais ou menos assim, antes pedindo para todos os presentes manterem-se em alerta das coisas vindas da Assembleia Legislativa Paulista: “O deputado Telhada, o mesmo que estão colocando nos Direitos Humanos está montando uma CPI para criminalizar os movimentos sociais. Muita atenção e cuidados especiais”. A cada momento que o microfone ia ser entregue para Wellington responder o grande número de perguntas, outros surgiam na frente da plateia e pediam a palavra. Eram representantes de assentamentos diversos, como Ezaú de Votuporanga, Abel o líder dos trabalhadores rurais de Duartina, outro de Gália, depois outro de Cafelândia e mais alguns. Houve também agradecimentos por benefícios recebidos e outro tanto de pedidos de ajuda. Diante do adiantado da hora percebia-se que para alguns, já existia algum incomodo. O próprio vereador de Agudos, o Batata, presidente da Câmara, encarregado de coordenar e organizar o uso do microfone tinha estampado claramente em sua fisionomia o descontentamento pelo adiantado da hora. Nesses eventos isso sempre ocorre, quando num momento todos os presentes querem demarcar diante da autoridade o fato de ali estarem e também fazer uma prestação não de contas do já realizado, mas até para cobrarem do que não falta ser feito.

Por volta das 12h30, finalmente o microfone é entregue para a maior autoridade ali presente, o que iria prestar conta e responder a todos os questionamentos. Deu para sentir aquela respirada fundo, uma última olhada sobre suas anotações e mesmo conhecendo a maioria dos líderes ali presentes, sabe ser cada vez mais complicado dar-lhes a resposta que todos querem ouvir. Começa falando dos quilombos e para esses é altamente positiva sua fala, pois determina uma espécie de prazo, uns três meses para o início de uma solução definitiva. Os demais queriam algo da mesma forma o que veio foi a seguinte fala, aqui resumida: “Avançamos bastantes, mas continuamos tendo muita injustiça no campo. De 15 anos para cá fomos nós, eu na equipe que pautamos a reforma agrária em São Paulo. São doze mil famílias assentadas. Pouco se levarmos em conta o muito ainda a ser feito, mas considerável quando se leva em conta a questão fundiária no estado e o quadro conservador predominante. Daí ela representa muito. Junto disso levem em consideração o conjunto de contas públicas para favorecer o pequeno produtor. Hoje não é só destinar terra, mas qualificar o processo. A sustentabilidade do acampamento depende também das parcerias feitas com as prefeituras e temos incentivado isso. Ainda ocorre muita desinformação no que a mídia passa para a frente, parecendo até que todos os acampamentos são uma bagunça. Essa é uma impressão muito errada. E muito mais estará sendo feito nos próximos meses”, conclui. 

De sua fala, prazos novos e a demonstração de que estar em curso uma estratégia, a de aguardar sair as deliberações na Justiça, para na somatória ganhar força e poder assim consolidar definitivamente a maioria possível de áreas baseado em decisões judiciais. Não era a melhor resposta que a imensa maioria queria ouvir, mas foi, segundo ele, o que se tem para o hoje. Por fim foi-lhe dado mais um voto de confiança, mas com muita pressão.

Um comentário:

Mafuá do HPA disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK:

Paula Ribeiro · 15 amigos em comum
Eu como moradora de Agudos aconselho essas pessoas a Trabalharem, conquistarem um terreno efetuando compra dele e aí sim plantar , produzir o que quiser ! Esse negocio de invadir terras dos outros não acho certo, não concordo não .
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Professora Silvana · 9 amigos em comum
Oi Paula. Talvez você não saiba, mas os terrenos das casas onde você e todos nós moramos na região de Bauru pertenciam aos quilombos. Foram eles que tiveram suas terras invadidas
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Marcelo Ryal Dias perfeito ... foram retirados de suas terras a força e existem DOCUMENTOS que estas terras foram ROUBADAS então o ladrão é quem as tem nos dias de hj.
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Henrique Perazzi de Aquino A desinformação toma conta e mesmo sem ter o informação correta criminaliza-se os que lutam pelas suas justas terras. Uma completa inversão de valores nesse país, onde o pobre defendo o interesse do rico. O que essa senhora PAula Paula Ribeiro escreve é o que pensa um significativo grupo de brasileiros, que usados pela mídia, só acreditam no que nela veem e depois repetem as barbaridades sem se ater a verdade dos fatos. Falta informação correta para todos poderem ter um discernimento do que de fato ocorre.
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Daniel Pestana Mota Antes, os ignorantes (aqueles que tem senso raso da realidade) permaneciam quietos, talvez até mesmo por coerência ou senso de ridículo. Hoje, no entanto, todo este pudor se foi; a facilidade com que as pessoas transmitem suas mensagens, sem sequer precisar olhar nos olhos, tem transformado o exército de ignorantes em militantes medíocres. Esta Paula é vítima da miséria que caracteriza nossa educação (certamente frequentou escolas no período pós-ditadura militar), e a supormos que não quis superar tal obstáculo, engrossou as fileiras dos que tem pouco ou quase nenhum capital cognitivo. Uma pena, aliás sempre uma pena quando um ser humano desperdiça, despreza, a potencialidade que traz, inata, de pensar por si e coerentemente com a verdade que a história guarda, quase sempre trancafiada.
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Celso Luiz Entao Paula Ribeiro, é interessante saber que pessoas com um intelecto igual ao seu pense de tal forma, vc com certeza é uma das pessoas se deixam levar pela midia facista ........mas pedimos a Deus que perdoe suas palavras, pois vc nao sabe o que fala ! #Fica a Dica#
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