domingo, 2 de agosto de 2015
RELATOS PORTENHOS (19)
DESVENDANDO BA
1.) UMA PALAVRA ENTALADA NA GARGANTA
Algo que estranho muito por aqui são algumas palavras utilizadas pelos argentinos para designar as coisas, objetos e situações. Algumas me acostumo com ironia: carniceria é açougue, peluqueria é o barbeiro, panaderia é padaria, inodoro é o vaso sanitário, embarazada é a grávida e assim por diante. Um a me revirar as entranhas toda vez que me deparo, esse ainda não me acostumei é o tal MUCAMA para designar as funcionárias da faxina e limpeza dos hotéis. Sempre entendi esse nome como algo ligado à escravatura. Sei que elas continuam exercendo um trabalho duro, bem serviçal, mas a designação é muito levada ao pé da letra, como quase tudo por aqui. Essa uma dela, me dói aos ouvidos, mas se for levar realmente no significado do que representam ainda nesses dias, o termo talvez tenha uma significação bem próxima do exercício real dessa profissão. Mas não me acostumo de jeito nenhum.
2.) O NOROESTE E O SIMILAR AQUI NA CAPITAL HERMANA
Ontem o centenário time de minha aldeia aplicou uma sonora goleada em seu oponente, 8 x 0 e faz com que renovemos as esperanças de vê-lo novamente altaneiro. Não fui ao campo por estar aqui em terras hermanas. Observando os times de futebol daqui escolhi um para torcer e o fiz por algumas razões. O FERROCARRIL OESTE está na segunda divisão do campeonato argentino após anos no primeiro. Caiu a coisa de uns dez e não mais consegue voltar. Está tentando e faz um bom campeonato esse ano. Jogou ontem a tarde e perdi a rara oportunidade de vê-lo em campo. Outros laços que me unem a ele são os trilhos. O Ferro, assim como o Noroeste são times com ligação umbilical à ferrovia, ferroviários e trilhos urbanos. As cores não batem, um verde, outro vermelho, mas no mais muita coisa parecida. E mais, estive no estádio do Ferro em 2008, quando vim para cá junto do amigo Marcos Paulo e produzi um texto depois publicado na Carta Capital sobre um comício de Hugo Chavez na cidade, em contraponto a outro, de George Busch, então presidente norte americano em Montevideu. Chavez lotou o estádio do Ferro e eu estava lá, momentos inesquecíveis. Agora o Ferro e o Noroeste voltam a se cruzar no meu coração.
3.) O REGISTRO DE UM TEMPO QUE QUASE NINGUÉM QUER DE VOLTA
Algo que me vejo fazendo a cada volta aqui é buscar as inscrições remetendo aos tempos duros da ditadura militar, em algo que os argentinos conseguiram expelir pra fora e nós brasileiros ainda não. Em cada calçada onde ocorreu uma prisão irregular, cada fachada onde morava alguém que foi detido e desaparecido eles colocaram uma placa explicando quem ali morava. Não consigo passar por um lugar desses sem registrar. Essa uma boa forma de manter a memória sempre viva, atenta e num alerta máximo para que fatos iguais aqueles não mais se repitam. Daí quando nos deparamos com Marchas com Deus (até o papa pede o contrário) e Marchas com todos de verde amarelo sempre na Getúlio Vargas em Bauru, com gente tentando reviver volta de regime militar, me vejo a pensar que essa gente, no mínimo não sabe o que faz.
4.) O COLORIDO NAS CALÇADAS E MEUS PÉS
Duas coisas me chamam muito a atenção nas calçadas, dentre tantas outras a me mover por aqui. Cito essas para fomentar algo vindo de dentro, pessoal de cada individuo. Na primeira, acho lindo essas pequenas mercearias, quitandas que expõe na calçada as coloridas frutas e legumes. É, para mim, como se fosse um objeto de exposição, me quedo diante delas e fico curtindo aquela montagem, cores sobrepostas como se tivessem sido ali juntadas especialmente para o olhar de quem passa pelas ruas. E não é isso mesmo? São sempre comércios pequenos e na parada em alguns deles, percebi que na maioria existe uma divisão comercial. O comércio propriamente em si comandado por um argentino e o de frutas e verduras por um estrangeiro. Vi muitas peruanas se ocupando disso por aqui, numa subdivisão do minúsculo empreendimento. Na outra, algo bem meu, pessoal. Sou um adorador e usuário de alpargatas e por aqui as vejo com maior intensidade que no Brasil. A Paez, a maior delas, mas outras de menor monta vicejam pelas pequenas lojas. Me vejo babando diante de cada nova vitrine onde estão expostas alpargatas e isso atrasa minha caminhada e sempre sou puxado para continuar a andança. Impossível ir-me daqui sem levar algumas na bagagem. São pisantes macios, flexíveis e meus velhos pés já se acostumaram com sua malemolente modelagem. A rua me arrebata.
5.) DESVIRGINADO DE BOMBONERA - 4 X 3 O RESULTADO
O Boca Juniors perdeu para o Union de São José. Uma bela partida, com o goleiro do Boca sendo expulso no primeiro tempo e o time daí um pouco desencontrado. Estádio lotado, 45 mil pessoas, todas vestindo azul e amarelo, uma só torcida no campo, multidão nas ruas e uma torcida que não parou de cantar um só instante. Nos coros teve até o Yllariê da Xuxa, sempre com a palavra Boca no meio. Carlito Tevez fez um gol, mas esteve um tanto sem destaque no jogo. Bonito espetáculo, lindo estádio, inclinado e alto, desses que voce parece estar dentro do campo. Fiquei na sua parte mais alta e de lá uma visão inusitada de uma partida de futebol. Uma escada ingreme para se chegar ao topo, voltas e voltas e quando se sai ao ar livre, um susto e aquela impressão de estar na beirada de um prédio de dez andares. Nos momentos de frenesi, todos pulando e o concreto literalmente treme. Um belo de um espetáculo e uma organização que, sabe conduzir o que venha a ser um espetáculo de futebol, pois os jogos do Boca por aqui vivem todos lotados e nem que se queira se acham ingressos para comprar. Uma cota para os torcedores fixa, desses que já pagam para o campeonato todo, lotando tudo. O turista que quer até acha, mas paga os tubos e compra da mão desses torcedores ou dos dados de cortesia, como os nossos, que ouvi valerem no câmbio da hora algo em torno de 150 dólares para cima. O envolvimento desses torcedores com seu time é algo inexplicável e único, o bairro ferve horas antes e as imediações do estádio são todas cercadas, só circulando moradores e quem tem ingresso. O bairro do La Boca é o popular, lugar do povão que ferve o seu espaço no estádio e nas ruas, ao lado o bairro de Barracos, esse de classe média, no meio dividindo e separando a ambos o estádio. Algo mais só amanhã, estou moído e querendo desmaiar já. É o que faço, deitando com aquela cantoria ainda na cachola...
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