terça-feira, 25 de agosto de 2015

DICAS (139)


SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NO PROCESSO ELEITORAL ARGENTINO E BRASILEIRO – E NA DIUTURNA VIDA POLÍTICA

Voltei da Argentina faz duas semanas e por lá permaneci outras duas. O país vive um clima eleitoral muito parecido com o ocorrido no Brasil. Comento algo do que por lá presenciei. Sai de lá no sábado, 07/8 e no domingo, 8/8 aconteceu mais uma rodada de eleições distritais por lá. Uma semana antes algo muito parecido com o que vejo aqui, lá até pior. Um candidato a Governador, aliado do grupo político da presidenta é atacado via jornal Clarín, de forma vil, irresponsável e tudo com um só intuito, fazer com que perdesse a eleição. Ele, ministro de Estado foi acusado cinco dias antes do pleito de envolvimento com um réu confesso, condenado a prisão perpétua por tráfico e muitas mortes. Uma denúncia surge do nada, evidentemente inventada sugerindo que o candidato teria vínculos com o tal criminoso. Uma entrevista foi montada dentro da casa de uma parlamentar de oposição para legitimar o ato, mas foi descoberta por causa exatamente disso, do cenário não desmontado. Reconheceram na montagem da fraude a casa da parlamentar Elisa Carrió, de uma frente de esquerda. E o intento não foi alcançado.

Nada foi desmentido até o dia do pleito e o Clarín, dia após dia dizendo que aquilo precisava ser apurado. Veio a eleição e o candidato da presidenta vence, apesar da força midiática contrária, vergando o poder do mentiroso jornal, passando para outro turno, o “la vuelta” como eles dizem. Sabem qual a diferença com o Brasil? Foi algo que achei de um precisão cirúrgica, a presidente Cristina ocupou a TV e rádio em cadeia nacional e denunciou o embuste. Aqui, quando acontece o mesmo, Dilma se aquieta e se encolhe. Lá, o respaldo popular torna a situação deles diferente da nossa. Se aqui, a resposta das ruas é lenta, lá é um tanto imediata, daí, os tais “donos do poder” fazerem e acontecerem, mas ainda comedidos em fazer o mesmo que fizeram com Dilma no país. O poder das ruas ainda segura o avanço do que pior existe também por lá. O aflorar deles é contido pelo vínculo que o kirchnerismo possui com as massas, principalmente a oriunda da periferia e das forças peronistas, nunca desbaratadas.

Naquela semana, um famoso jornalista, que um dia foi de esquerda, fundou o Página 12, Jorge Lanata, chamado de O Gordo, bandeado hoje para o lado da oposição, já sem credibilidade pelas invencionices que faz para se manter em evidências criticando a presidenta e sua turma, agora aliado aos interesses do Clarín, inclusive como funcionário. Também na véspera da mesma eleição ele inventa que tentaram invadir o prédio onde mora, com bombas e tudo o mais, por causa de suas críticas ao governo. Queria criar um fato político e dele extrair benefícios, não só para ele, como para o grupo político opositor, dizendo que esses seriam capazes de tudo para não mais sair do poder, até de mata-lo. Por sorte o cinismo do embuste foi desmontado, mas tudo acaba ficando por isso mesmo. Do mesmo jeito que criaram o fato, quando não dá certo, esquecem dele e é como se no dia seguinte nem tivesse ocorrido. Essa história me lembrou muito a da bolinha de papel na cabeça do então candidato Serra, como se fosse um brutal atentado contra a vida do opositor. Alguns tentam de tudo, sacanas ao máximo.

Essa a primeira diferença. Outra vi também no resultado do mesmo pleito. O kirchnerismo sobrevive, confirmam as eleições primárias realizadas conjuntamente naquele dia. O fim do poderio dessa família no poder por lá desde 2003 é anunciado desde então, mas resiste, balança, mas não cai. A disputa presidencial por lá estará concentrada em duas grandes forças políticas, a dos Kirchner, centrada na figura de Daniel Scioli, que obteve 38,4% dos votos válidos nesse primeiro teste, frente a Maurício Macri, junto de uma frente amplíssima de oposição somando 24,3% dos votos no domingo. Essa primária é vista por eles como uma sondagem, uma pesquisa e foram às urnas aproximadamente três quartos do eleitorado. Impossível, mesmo sem nenhum Kirchner concorrendo ao cargo máximo alguém afirmar que eles perderam muita força.

Scioli é o atual governador de Buenos Aires e Macri o prefeito. Um de um lado, outro doutro. Scioli é filho de uma família dona de rede de loja de eletrodomésticos no país, ele um desportista que perdeu um dos braços numa competição de motonáutica. De ídolo esportivo a governador e agora, mesmo não sendo o preferido da presidente, acabou sendo galgado ao posto de candidato. O filho dela, muito novo, foi eleito como deputado pelo seu patagônico estado natal. Do outro lado, Macri, famoso por ter sido presidente do Boca Juniors, o time de futebol mais popular no país, sempre foi oposição aos Kirchner e representa a direita mais dura, neoliberal e populista até a medula. Ambos o são, mas com Macri a possibilidade de privatização de tudo, como fará o PSDB se um dia assumir o poder por aqui.

A semelhança que vejo tanto lá como cá foi a mesma do último pleito aqui, o que reelegeu Dilma. Vi boa parte de muitos que antes votaram em Cristina desiludidos com os atuais rumos do país, mas encontram-se numa encruzilhada, quando terão que optar entre cortejar o retrocesso, que será evidente com Macri, ou torcer o nariz e dar apoio crítico à continuidade com Scioli. Não foi exatamente o que foi feito aqui no Brasil? Evidente se a coisa está ruim e um horror com Dilma, até as pedras do reino mineral sabem que estaria muito pior nas mãos de, por exemplo, gente como Aécio. Descalabro mais do que total.

O problema de Dilma e de Scioli, se vencer o pleito final marcado para outubro será governar o país nesse clima de crise mundial, quando as forças internas contrárias instigam pela mídia que a crise é local. Distorcem para uso em benefício próprio, como se tudo fosse culpa só e tão somente de quem está no poder. Produzem um processo de destruição um tanto mentiroso, sendo o que sabem fazer no momento, ou seja, tudo e mais um pouco para tentar a todo custo eleger um candidato mais confiável para seus negócios. Outra diferença entre Dilma e Cristina e outro ponto para a argentina. Semana passada, num grande ato na Casa Rosada anunciou medidas de proteção para um monte de empresas estatais, principalmente a petrolífera, dificultando ao máximo sua privatização em caso de mudança de governo e o novo mandatário já querer se desfazer do patrimônio do país assim de cara. Tudo terá que receber aprovação do Congresso em maioria quase absoluta. Dilma não só não fez isso, como ainda privatizou de forma velada algumas de nossas instituições estatais.

Quando vejo Dilma indo buscar apoio das ruas, dos movimentos sociais, isso não me espanta. O que me espanta é querer fazê-lo só agora e ainda de forma insipiente. Todos eles, desde sindicatos ao MST estavam prontos desde muito tempo para compor uma barreira contra o retrocesso e foram deixados de lado. Na Argentina isso nunca ocorreu. Noutro exemplo, lá ela praticamente expulsou do país a ALL – América Latina Logística que sugavas e dilapidava patrimônio estatal em benefício próprio. Aqui, a tal da ALL continua fazendo das suas sem que nada de duro ocorra contra eles, jogando várias pás de cal no nosso leito férreo. Pelo que percebi por lá, acredito que Cristina consiga fazer seu sucessor, mas não vai ser fácil Scioli governar, porém, com menos problemas que os de Dilma por aqui. Lá, eles, a mídia, querem fazer o mesmo que aqui, mas tem uma baita massa popular no meio disso tudo. E isso os segura, mais do que aqui.

Um dia, acredito, possamos deixar de votar no dito menos pior. Tanto no caso argentino, como no brasileiro, algo muito parecido nesse sentido. Se um dos lados se mostra ruim, o outro, deixa evidente ser muito pior. Também no meio disso tudo, o povo, o eleitorado. É o que entendi do que presenciei.

OBS FINAL: Todas as fotos aqui publicadas como ilustração desse texto foram tiradas por mim (e por próximos a mim) quando da visita feita ao “Centro Cultural Kirchner”, um local muito amplo, antigo prédio do “Palacio de Correos y Telégrafos”, na rua Defensa, quase ao lado da famosa casa de eventos Luna Park. Depois de mais de 14 anos de intensa reforma, iniciada por ideia do ex-presidente Kirchner e concluído por sua esposa, Cristina, acabou por receber o nome do primeiro, com a única justificativa de tudo ter nascido por sua inspiração, idealização, esforço, movimentação, gerência e acompanhamento. Sim, tudo se deu mesmo dessa forma e sem querer me ater se o nome foi escolhido acertadamente ou não por Cristina, o que vi por lá me encantou. Um conjunto arquitetônico imenso, com atividades múltiplas e acontecendo simultaneamente, tudo sendo oferecido à população de forma gratuita. Constatem pelas poucas fotos aqui publicadas ou navegando no site deles, esse com todos os detalhes do magnífico resgate cultural e patrimonial: http://www.culturalkirchner.gob.ar/

2 comentários:

Anônimo disse...

Henrique vc acredita que a crise no Brasil e Argentina é por causa da China?? Repare que para esses governos a culpa é sempre dos outros, não existe auto-crítica, tudo está bem, está encaminhado, está uma beleza.
Enquanto vocês permanecem nessas ilusões rasas, o governo está fazendo tudo o que os ditos "inimigos do governo" pedem. Quanto mais sangrar o governo, mais rápido este faz os desejos coloniais.
Uma vez o SubComandante Marcos disse que não era ele e nem a EZLN que deveriam ser defendidos e sim o povo.
A questão é, defender o povo, a nação ou estes governos??
Ah, e só um ponto sobre Cristina e Dilma, as duas são uma no discurso e outra na prática, mas há uma diferença, a Dilma não ama dinheiro, não enriqueceu com oportunismos na máquina pública, pelo menos isso, já a Cristina não dá para dizer o mesmo, sempre gostou e mordeu muita coisa pública, quando o Meném privatizou a Argentina, a família Kchinner estava lá e ganharam com ativos.
Esqueça quem será eleito aqui ou lá, a briga tem que ser levar as pessoas para o embate das ideias e assim estas exigirem certas mudanças.
Veja o quanto se fica amenizando estes governos e debates reducionistas, agora, qual o debate econômico, educacional, tributário e etc que faremos??

Camarada Insurgente Marcos

Mafuá do HPA disse...

MARCOS
Tudo bem. A análise não é defesa, mera observação. E só.
HENRIQUE - DIRETO DO MAFUÁ