quarta-feira, 25 de novembro de 2015
DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (85)
UNESP BAURU UNIDA CONTRA O RACISMO – INÉDITA CONGREGAÇÃO ABERTA DEMARCA POSICIONAMENTO Três coisas movimentam Bauru nessa tarde de terça, 24/11. A primeira é a forte chuvarada a estraçalhar com uma cidade pouco preparada para intempéries. Depois, a alegria de ver a terceira escola estadual sendo ocupada na cidade, numa reação mais do que necessária contra a brutal e esdruxula remodelação da Educação estadual proposta pelo governador Alckmin. E por fim, ocorreu hoje a apresentação dos trabalhos apurados pela Comissão Preliminar de Natureza Investigativa da UNESP Bauru, em razão dos fatos e atos racistas praticados no seu Campus contra o professor Juarez Xavier. Na Reunião Aberta (uma inédita e valorosa iniciativa) , das 14 às 15h, na sala dos Órgãos Colegiados, presidida pelo diretor da FAAC, o professor Nilson Ghirardello apresentou o documento com os resultados finais lidos pela presidente da comissão, a professora Maria Cristina Gobbi. Um resultado dos mais importantes na luta contra toda e qualquer ato discriminatório que porventura possa ocorrer novamente nesta universidade pública.
Diante de uma plateia atenta, aliada à presença de vários órgãos da imprensa local, o repúdio foi divulgado na forma de um incisivo documento, tendo como pontos mais importantes o fato de suas decisões terem sido tomadas e recomendadas como premissas básicas para todo o campus universitário. Ficou claro terem sido buscados os mecanismos para elucidar os autores das inscrições racistas em alguns de seus banheiros. Segundo o documento, todos os envolvidos foram amplamente ouvidos e várias medidas estão sendo tomadas para coibir a repetição de atos da mesma natureza. ”O fato ocorrido dentro de um ambiente educacional, espaço para desenvolvimento e ação totalmente oposta ao ocorrido, mostra que se faz necessário uma ação imediata. (...) Veemência e indignação diante dos fatos, além da inquietação com as inserções feitas, causando indignação, revolta e tristeza. (...) Dois crimes, a saber, o de injuria racial e de racismo. E dez recomendações básicas aos envolvidos (...) Não logramos êxito na identificação dos autores, dessa forma pedimos o Arquivamento do processo”, foram algumas das palavras lidas pela professora Gobbi.
Todas as cinco pessoas formando a mesa fizeram uso da palavra. Quem primeiro falou foi Nilson Ghirardello, diretor da FAAC: “Casos como esses acontecem não porque somos omissos, mas exatamente porque somos ativos no combate a esse tipo de ação. Não é pela falta de atitudes positivas, mas exatamente porque elas existem e são atuantes”. Na sequência o Assessor Jurídico da Unesp, Luiz Fernando complementou na mesma linha: “A universidade não teve forças suficientes para identificar os autores, mas devemos desculpas ao senhor, professor Juarez. Tenha a grandeza de aceita-la e tenha certeza, a situação aqui não se encerra. Muito obrigado e desculpas”. O representante da OAB local, advogado Eduardo Borgo ressaltou: “Essa uma páginas das mais tristes e a OAB como sempre se coloca ao lado do agredido. Esse é o nosso papel, o de estar sempre a frente e representando pessoas que tem e também as que não tem voz contra crimes de injuria e racismo. O ocorrido servirá e muito no combate contra novas investidas de atos racistas e de discriminação”.
Uma fala das mais inflamadas foi a do professor aposentado, diretor do Observatório de Direitos Humanos da Unesp Bauru, Clodoaldo Meneghello, feito de forma calma, porém dura e com um algo a mais sobre procedimentos que se repetem dentro do campus universitário. “Essa uma questão mais acadêmica do que ética. Ao falar do jornalismo, do cientista, do engenheiro, penso no comprometimento da profissão dentro das injustiças do país. Não devo discutir só da pessoa ser ética, mas do professor, do profissional representando sua categoria o ser. Se vocês lerem o que é contido oficialmente nas letras do que é cantado pelos alunos da Atlética em suas festas, ali algo a ser repudiado. Algo do esvaziamento do compromisso ético político das instituições públicas no país. O que está escrito nos banheiros eu vejo desde muito tempo, desde pequeno, mas temos que, agora deixar claro nossa indignação. Uma universidade deve remar contra o individualismo, o consumismo e o neoliberalismo em curso”, disse o professor.
Na sequência quem fez uso da palavra foi o representante na Comissão dos Técnicos Administrativos da Universidade e toca num outro ponto nevrálgico: “O que mais marcou na apuração foi o depoimento das senhorinhas da limpeza. Elas, a princípio acharam que aquilo era para elas. Disseram-nos, ‘limpamos diariamente tudo o que fazem e recebemos isso em troca, recebemos isso como resposta’. É muito ampla a discriminação ocorrida dentro da universidade, o que me faz perguntar: que tipo de ser humano estamos formando dentro da universidade? Se faz necessário cada vez uma maior atenção para o lado humano nas questões”.
Por fim foi dada a palavra para o professor Juarez, sobre como entendeu os resultados apresentados de forma pública e aberta. “A Congregação Aberta deixa claro o compromisso da universidade democrática e progressista. A Comissão foi extremamente zelosa, respeitosa e técnica, entendendo de forma primorosa o que estava em questão. Dois trabalhos devem ser destacados. Foi uma nova oportunidade para a Unesp e com as recomendações postas em prática, a demonstração que a intolerância não será permitida. A posição está clara, esse tipo de ação não será tolerada. O ocorrido mexeu com a própria universidade e daí as muitas ações sistemáticas em conjunto. Algo já estava ocorrendo. Vi isso nas últimas três edições da nossa revista, a Unesp Ciência e em todas algo sobre a questão. Ou seja, uma boa oportunidade para promover mudanças na universidade, daí nada melhor do que encaminhar o aqui decidido para as suas instâncias superiores. Importante a universidade como instituição se posicionar com respeito ao tema. Também importante um contato com o Ministério Público, uma provocação para assegurar os direitos consagrados em nossa Constituição. Se algo assim é intolerável na sociedade, dentro da universidade a sua proporção é ainda maior, daí a necessidade da continuidade desse debate continuar ocorrendo aqui dentro. Envolver toda a comunidade unespiana, um pacto no combate às micro violências repetidas dentro da universidade. Não tolerar nenhum tipo de tolerância”, foram suas palavras.
Dessa forma, a Unesp Bauru faz história, marca posição e demarca território. De forma pública, explícita e ampliada, em uma só voz, algo contundente contra qualquer tipo de ato racista ou similar. Um ponto mais do que positivo numa questão onde alguns setores da sociedade ainda se mostram complacentes, muito tolerantes com algo que não é novo, mas está a se aproveitar do momento e colocando a pontinha do rabo de fora, com um algo aqui e outro ali. Pelo visto, uma coisa ficou claro no que foi dito por todos seus membros e referendando pelos presentes: na Unesp Bauru isso não terá vez, voz, espaço e muito menos guarida.
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