terça-feira, 27 de março de 2018
RETRATOS DE BAURU (211)
EMPREGOS INFORMAIS
1.) DAN CORREA, CANTANDO E VENDENDO CARVÃO* * Volto hoje à carga com os personagens Lado B, pretendendo chegar em breve no milésimo e tentando manter uma média de 3 a 5 novos por semana (toc toc toc). Vamos que vamos...
Este relato é uma das demonstrações de como as pessoas se viram hoje para ir se safando e continuar conseguindo algum para sua sobrevivência. Que a tal da crise pegou a todos de calças curtas, todos desprovidos de empregos como dantes, isso já não é mais novidade para ninguém. Carteira assinada é raridade e a economia informal é o que mais viceja pelos quatro cantos da cidade, essas formas inusitadas de ganhar algum. Cada um busca a sua com muita dignidade e na criatividade vai se safando. Sair pelas ruas é ir se deparando com uma história, um novo relato a cada virada de esquina.
DAN CORREA é um eterno garotão, cara e jeito de quem não quer crescer, tocar a vida ao seu jeito, cantante até não mais poder, sonho acalentado desde sempre e hoje deixado de lado, mas não esquecido. Desde o falecimento da mãe, a atriz teatral Madê Côrrea, na qualidade de filho único, foi primeiro viver em Agudos junto dos tios e hoje retorna à Bauru e ali ao lado da casa de sua mãe, permanece na esquina das ruas Quinze de Novembro e Gustavo Maciel, sentado o dia todo ao lado de muitos sacos de carvão e com a venda deles toca sua vida. O tio tem um negócio de carvoaria em Agudos, fornece a matéria prima e Dan revende, quase sempre acompanhado de seu inseparável violão, cantando e tentando se distrair e também atrair novos clientes, além de passar o tempo. Já se tornou popular figura no pedaço, papo agradável para quem passa pelo local, muitos além de parar para conversar, até pedem música. Como as vendas não estão lá essas coisas, além da permanência na esquina, aos sábados desce para o Calçadão da Batista e com a guitarra e seu chapéu de cowboy estendido à frente e virado para cima, arrebanha mais alguns e fortalece o orçamento. Dia após dia, lá está Dan, sentado ali na esquina, olhos perdidos no horizonte, como a crer que algo ainda possa ocorrer, transformando sua vida. Talvez alguém que o ouça cantar e se encante com sua voz e repertório. Persistente e sem nenhuma outra opção à vista, continua sua sina, sem esmorecer e assim toca sua vida.
2.) JURANDIR ELIAS VIVE DA VENDA DE HÍPER SAÚDE DEFRONTE BANCO Eu ainda tenho conta no Banco do Brasil, aquele que um dia já foi Nossa Caixa, o banco do estado de SP, depois vendido para todo o sempre para outra instituição pelo propulsor do “estado mínimo”, esse que nos governa até hoje, Geraldo “Santo” Alckmin. Dentre as agências deste banco, a de minha preferência é pela defronte a praça Rui Barbosa e lá, na imensa maioria das vezes dou de cara com alguém ardorosamente trabalhando ali na porta da movimentada instituição bancária. Como o conheço de longa data, obrigatoriamente uma paradinha para algo além do mero cumprimento. Seria falta de educação de minha parte passar sem a reverência e uma conversa, nem que seja rápida e rasteira. Não fujo disto e hoje conto algo mais dele.
JURANDIR ELIAS é os 63 anos mais um dos tantos desempregados desta cidade e tendo que se virar para continuar conseguindo algum. Solteiro e morador na vila Falcão, após intensa e infrutífera procura, acabou por descobrir algo que o satisfaça temporariamente: tornou-se mais um dos tantos vendedores das cartelas do bingo do Híper Saúde. Seu local de trabalho é uma mureta defronte o banco e ali, além de descansar os cotovelos (não pode sentar), envergando um jaleco da empresa, oferece para quem entra e sai as tais cartelas. Com a comissão dessas vendas tira seu sustento. Não é desses a oferecer o produto de forma constrangedora, atravessando a frente do provável cliente, mas mantendo a cordialidade, conversa pra lá de amigável com todos. Dá até dicas de orientação sobre lugares na redondeza, ajuda aposentados a atravessar a rua e tudo o mais. Permanece por ali duante o expediente bancário e já se transformou em mais um personagem da referida praça, tal a simpatia e a maneira cordial no trato para com os à sua volta. Trabalhou por 15 anos na Walpe Construtora e ao sair, virou a cidade do avesso, nada encontrando de trabalho com carteira assinada. Por força maior (necessidade mesmo), descobriu o bico e esse acabou se transformando no ganha pão atual. Jurandir não é desses de mal com a vida, entende esse seu momento como temporário e não esmorece na busca por algo com salário fixo. Do alto de um vigor mais do que aparente, segue tentando e crê que falando ou escrevendo dele, talvez até possa surgir uma nova possibilidade.
3.) OTÁVIO VENDE SORVETES NAS RUAS SEM REGISTRO EM CARTEIRA HÁ 35 ANOS As histórias se repetem em muitos pontos e ir conhecendo uma a uma é como você ir montando um imenso mosaico, um desses quebra cabeças de 5000 peças. O cenário da legislação trabalhista e seus desvios é algo pra endoidecer gente sã. Muitos acham que isso do declínio da carteira assinada para o trabalhador brasileiro é coisa recente, mas ledo engano. A coisa vem de longe e em cada nova história, uma forma de driblar, contornar, se esquivar e deixar o trabalhador ao léu. Não culpo somente os pequenos comerciantes que, sem condições de efetuar o registro de todos sob suas asas, mas muito mais de quem sabe da situação e pouco faz, no caso os órgãos competentes ligados ao Ministério do Trabalho (e enfim, o que poderia ser de fato feito diante de tanta injustiça para o lado mais fraco?). Vejam essa bela história de vida.
OCTÁVIO GONÇALO RUIZ, 62 anos, morador do Jardim Coral, perto da empresa Sato Verduras, lá pelos lados da avenida Nações Norte (antes morava na Nova Esperança) é sorveteiro. Trabalha pelas ruas de Bauru já há 35 anos e orgulhosamente diz ter conseguido educar todos seus filhos com o dinheiro advindo da venda dos picolés pelas ruas. Só na sua atual fornecedora, a Sorveteria Nossa Senhora Aparecida, na praça Washington Luiz, trabalham juntos há exatos 25 anos, um fornecendo o sorvete e o carrinho e seu Octávio na lida diária. Criou uma rotina de trabalho, saindo todo dia para a labuta diária depois do meio-dia, rodando seu setor até acabar a mercadoria. Roda muito e onde chega todos os conhecem pelo barulho da buzina, ouvida de longe. Não tem descanso, 30 dias por mês seguindo a mesma rotina e sempre atuou no sistema meio a meio com as sorveterias (todas atuam do mesmo jeito e maneira), sem nenhum tipo de vínculo empregatício. Não reclama da vida, pois antes diz ter sido pedreiro, com carteira assinada na Prefeitura de Bauru, mas seu ganho não cobria seus gastos. Optou pelas ruas, a liberdade de rodar, livre, solto e hoje, vendendo sua carga completa consegue juntar no final do dia algo em torno de uns R$ 70 reais, essa sua média/dia. Não se vê fazendo outra coisa na vida, sabe tudo do ofício e das ruas da cidade, esbanjando simpatia por onde passe. Perguntado, se mostrou e confirmou ser feliz no que faz e como faz.
4.) RAY SOARES VIVE DE SUA CANTORIA E DOS ACORDES DO SEU VIOLÃO Imaginem a cena. Você andando pela feira dominical da rua Gustavo Maciel aqui em Bauru, a mais movimentada da cidade, considerada quando se junta com a Feira do Rolo como o espaço de maior concentração popular da cidade, ajuntamento espontâneo de todos os bairros daqui e da região, daí diante daquela imensidade de sons, cada um diferente do outro, compondo uma espécie de sinfonia, algo se destaca e te faz ir de encontro a ele. E lá num fundinho, num cantinho mais que especial algo com um som pra lá de contagiante, que te faz não só parar tudo e ficar ali assuntando do que se trata. A história do gerador desse som eu conto a seguir.
RAY SOARES é um sujeito corpulento, queimado de sol, olhos claros, voz vibrante e empolgante, 48 anos, casado e cantador. Mora lá na Pousada da Esperança II e de uns cinco anos pra cá, quando rarearam as possibilidades de continuar conseguindo empregos fixos, resolveu de uma vez por todas tentar a vida fazendo o que gosta, cantar moda de viola, mas não esse sertanejo moderno, dito universitário e sim, o sertanejo raiz, coisa da antiga, dos tempos dos seus pais e avós. Há havia trabalhado como vigilante noturno, pintor industrial, soldador, prensador até perder o último emprego e como mesmo diz, “na idade que tenho, cada vez mais difícil encontrar emprego, peguei a viola e sai cantando”. E deu certo, hoje ele vive com o que consegue em eventos variados, desde festas caseiras, apresentações em bares e restaurantes, cavalgadas e aniversários. O repertório é variado, mas sempre no estilo seguindo seus ídolos, as duplas Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Pedro Bento e Zé da Estrada. Diz não conseguir muito, mas o suficiente para tocar a vida, pois como apregoa ao fechar nova cantoria, “sou o mais barateiro que conheço”. Ray aceita qualquer parada, desde que leve algum e deixe as pessoas felizes. Para quem se interessar por sertanejo, cantado com alguém paramentado como um típico homem do campo, eis seu fone para contato: (14) 997188481. Aqui o link que gravei dele domingo passado na feira, lá no Bar do Barba, esquina da Gustavo com Julio Prestes: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/2049953621701303/.
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