terça-feira, 14 de agosto de 2018

O PRIMEIRO A RIR DAS ÚLTIMAS (59)


UM HERÓI DA RESISTÊNCIA ATRÁS DE ONDE JÁ ESTEVE O LUSO BRASILEIRO – PELO VISTO INCOMODANDO ALGUNS
“Estava dando uns bordejos pela aí”, como na famosa música do Gonzaguinha, na saída de umas comprinhas de última hora no Confiança Max, o maior da rede, localizado ali no coração na Zona Sul bauruense, na Getúlio Vargas, quando algo me chamou muito a atenção. Ao devolver o carrinho de compras em seu lugar de origem, eis que presencio assim do nada um diálogo pra lá de surreal:

- Esse predinho enfeia demais nossa região. É o câncer do local, se pudesse colocaria abaixo agora mesmo e no lugar ergueria algo novo, com esse novo conceito arquitetônico bem mais adequado para o local.

Direcionei meu radar sensitivo para ambos, virei a antena, fiz que me ocupava com um embaraço com os carrinhos, peguei o celular e comecei a discar até que um deles desbaratou a charada:

- Ele é velho demais, não se pinta nem mais seu lado externo e por dentro deve ser um pardieiro. Já passou da hora de vir abaixo.

Pronto, de cara saquei, falavam do pequeno prédio de três pavimentos, talvez o mais antigo do local, ali levantado quando aquela região não era nem sombra do que é hoje e sim, um simples bairro crescendo e ocupando novos espaços, os Altos da Cidade. É aquele localizado bem atrás do antigo clube Luso Brasileiro, na esquina da Rua Gustavo Maciel com a rua que sai da Getúlio, somente uma quadra e morrendo na Gustavo, a Rafaelle Mercadante. Duas quadras de onde me encontrava na entrada do supermercado, local onde se deu o bisbilhotamento de conversa alheia..

Fiz como fazem aquelas velhas bichas bem emplumadas, batendo com o pé no chão (seria eu uma delas?) bem forte, me dirigi a eles quando da passagem pelos dois e desferi num tom para ser muito bem ouvido:

- Pois eu acho o predinho um luxo, aliás, a coqueluche, a empada do bolo dessa região. Derrubar que nada, devemos é preservar. Ele não destoa dos demais, ele é o diferencial, representa o vivenciado antes por essas plagas.

E sai sem olhar para trás, batendo novamente os pés fortemente no chão, apressadamente batendo em retirada, pois não conhecia os gajos e estava em minoria. Briga não posso comprar, pois a diabetes me deixa debilitado e com um soco sou levado a nocaute. Correr, muito menos, estava quase na hora do jantar e sem reforço alimentar, energias em decréscimo, prefiro fugir de embates mais embrutecidos ou mesmo, desnecessários. Ou seja, desferi o petardo e fugi da raia. Devem ter se assustado, pois sei, fui intrometido e não os conhecia. Olhei bem para ambos, ambos com mais idade que a minha e pela vestimenta, além de moradores da região, aparentavam condições financeiras em melhor estado que a minha.

Passada a refrega, comento o caso ao meu modo e jeito. Aquele predinho sempre me chamou demais a atenção. Nunca adentrei em nenhum dos seus apartamentos. Não sei a condição em que se encontram, aliás pouco sei deles. Não tive o prazer de conhecer ninguém que lá morou, mas toda vez que passo por ali, meu pescoço se vira para eles, olho e me bate uma nostalgia dessas difíceis de passar. Imagino como devem ser por dentro, antigos, com alguma deterioração, mas dignos. Pelas frestas das janelas observo, por fora pão bolorento, por dentro, bela viola, invertendo o ditado popular. Devem ser os aluguéis mais baratos na região e atraem gente querendo morar por aqueles lados, talvez até pela proximidade com seus trabalhos e pelo custo baixo. Isso imagino, na verdade gosto deles. Só isso.

Os dois o denominavam também como “velhos caixotões”, uma comparação bem próxima de denomina-los como caixões de defunto. Abomináveis comparações. Como ele existem outros na cidade e localizados na mesma região, mas todos tiveram maiores cuidados com a aparência. Esse, talvez o mais deteriorado, nem por isso, deve ser derrubado. Comparo com o exemplo do clube Luso, derrubado com toda pompa, para ali ser levantado um conjunto comercial que iria revolucionar a região. Pelo que imagino já se passaram mais de cinco anos e nada, tudo só um terrão e crescendo mato. Portanto, deixem o belo predinho quieto, ele cumpre uma bela missão, não é nem de longe um “câncer”, como vi os dois marmanjos afirmando na triste e pérfida comparação.

Não sei e nem tenho mais o que dizer dele. Hoje volto lá só para tirar umas fotos. Sim, está um tanto descuidado, mas é soberbo, imponente e representa uma época, construções que foram feitas como moradia para abrigar famílias num custo mais em conta, sem luxo e com espaço contido. Não sei dos motivos de me meter nessas questões. Não tenho um gato para puxar pelo rabo (tenho um cão, o Charles), não quero nem saber de questiúnculas imobiliárias (o metro quadrado por ali deve ser os olhos da cara) e sei que, mais dia menos dia, essa ideia de colocar tudo que é velho abaixo e no lugar algo condizente com a modernidade (sic) e em seu lugar acaba vingando a ideia dos dois, ainda mais naquela região da cidade, o reduto dos que desfilaram de verde-amarelo pela sua avenida principal clamando contra a corrupção e hoje, quando essa está imensamente maior, se calam e se fecham em copas. Por enquanto, o bonitinho (como lhe chamarei daqui por diante) resiste bravamente no meio do pedantismo reinante e do perfume importado (seria pirateado?) inalado na Zona Sul. Ele pode ser um calo no sapato para muitos, mas para outros tantos (eu um deles), é um xodó.

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