AMIGOS DO PEITO (162)

SER MAFUENTO NÃO É ASSIM DE TODO RUIM

O telefone toca logo pela manhã e do outro lado, pessoa das mais conhecidas de uma comunidade da periferia bauruense.

- Bom dia, Henrique. Preciso de um favor seu, só seu. Leio o que escreve aqui pela internet, nos conhecemos já faz um certo tempo e te considero a pessoa mais indicada para me ajudar. Eu estou querendo aprender de política. As pessoas vem falar coisas comigo que eu não consigo debater. Tenho ouvido tudo calada. Eu preciso, eu quero aprender de política. Estou te pedindo se pode dar aulas para mim, pelo menos uma vez por semana. Tenho algum tempo livre e poderia também me repassar alguns livros, eu iria ler, vou anotar todas as dúvidas e conversamos juntos me explicando. Eu quero, preciso entender mais das coisas, pois não consigo chegar ao fim da linha, da conversa. Eu quero entender o que de fato acontece com esse país, essa cidade, enfim, preciso de mais, compreender mais. Posso contar contigo.

Lisonjeado, sou pego de surpresa. Refeito do susto, vindo de quem veio, respiro fundo e respondo:

- Claro, darei o melhor de mim. Entendo perfeitamente sua angústia e onde quer chegar. Estamos rodeados de lobos em pele de cordeiro, esses chegam devagarinho, falam empoados, bonitinho e nos engambelam, levam no bico. Compramos gato por lebre e na maioria das vezes estão a nos passar um lado como bom, sendo que na verdade, estão cravando a faca em nossas costas, nossos interesses. Conte comigo.

- Eu sei que você não é Bolsonaro, vejo isso nos seus escritos, eu também não sou, não sou nem de esquerda e nem de direita. Quero ir além disso. Tem muita gente enganando descaradamente a gente, chegam por aqui de tudo quanto é jeito, pedem votos, apoio, tapinhas nas costas. Eu não quero ser sem educação com ninguém, mas quero entender, saber separar o joio do trigo. Vou continuar ouvindo a todos, mas quero saber separar aquele que de fato age desinteressadamente e aquele sacana, que quer tirar proveito, inclusive do fato de pouco saber. Quero entender o que a televisão diz, se está sendo honesta conosco, se não mente. Cansei de ser enganada, quero ver como posso melhorar. Com as aulas, você me daria um norte, um caminho, algo onde possa me escorar melhor para não só entender, como responder à altura. Já vivi o bastante para, depois de tanto tempo, continuar sem ter o conhecimento que mereço. Pensei muito e ao ler seus escritos, cheguei na conclusão, o Henrique pode me ajudar. Que bom que aceitou. Se puder, começamos já, essa semana mesmo.

Marcamos algo inicial, um bate papo pessoal e desta forma e jeito reiniciarei aulas particulares, ou seja, não serei professor de nada e sim, aprenderemos juntos. Essa pessoa vivencia algo que não vivencio, está encrustada no meio de uma comunidade de grande valia, tem valores pelos quais segue, traz consigo bagagem conquistada ao longo de sua existência, a influência dos seus e quer abrir os olhos, enxergar além do que já consegue. Sua atitude, a de procurar justamente a mim, este mafuento escrevinhador é algo a me fazer tocar, mais e mais o barco adiante, sem esmorecer, pois algo de bom deve estar embutido no que tenho feito, a ponto de atrair tão gratificante interesse, vindo de tão significativa pessoa. Darei o melhor de mim, encontraremos tempo, conversaremos muito. Sei que, no frigir dos ovos, receberei mais ensinamentos do que os que repassarei e isso é sempre mais que ótimo, dar e receber, agregar e ajudar na construção. Olho para tudo o que já escrevi por aqui e nesses pequenos detalhes, muito significantes, vejo que nada é infrutífero. Tudo vale a pena. O reconhecimento chega de uma forma ou de outra. Ganhei o dia.

O AMIGO ENROLADO E NAS CORDAS - AGIOTAS NO SEU ENCALÇO

Sabe a situação do boxe (saudoso boxe, pois hoje prevalece essa nhaca de socar o cara até vê-lo quase morto), quando o oponente está nas cordas, acuado e sem saída, busca apoio nos limites do ringue e ali tenta buscar forças para prosseguir a contenda? Muitos estão assim, pela hora da morte, com o descalabro desses tempos de eterna crise pros lados do povo trabalhador. Com um presidente anunciando em alto e bom som "não gostar de pobre", tudo o mais é consequência. Conto uma.

Baita amigo, desde tempos de antanho, hoje com um ponto comercial com algum movimento em área nobre da cidade, tocou seu negócio sem envolvimentos outros até quando pode. Num certo momento, não mais conseguindo pelas vias normais e já tendo tentado de tudo, para não fechar seu estabelecimento, adentra algo dos mais perigosos, contrai empréstimos com agiotas colombianos (nem sabia da existência de algo assim na cidade), pífio contrato, praticamente de boca. Como sempre, antes de emprestar bela viola, depois, outra história. Eles existem, estão aí, emprestam e depois cobram o que acham devido, juros mais que estratosféricos, impagáveis e se multiplicando dia após dia.

Se o negócio comercial do dileto amigo já estava pela hora da morte, com movimento, mas não conseguindo saldar seus compromissos, agora se multiplicaram. Mal consegue pagar os juros e aumentou a dívida, contraindo novos empréstimos. Verdadeiro mato sem cachorro. Liga e pede uma luz, algo que possa ser feito, alguém para o socorrer, tirá-lo da enrascada. O máximo que posso fazer é ouvir. A cobrança é acintosa, ficam dentro do seu estabelecimento e tudo o que entra é recolhido. Já não sabe direito quanto deve, em algo que só aumenta. O que vai pagando amortiza, mas nunca estanca a sangria. Não tem como investir, capitalizar e mal consegue pagar seus funcionários e renovar estoque, pois tudo o mais é consumido pelo moto contínuo em que se meteu.

Triste desabafo de algo a ocorrer cidade afora e envolvendo vários comerciantes. A história se repete, mudando somente o endereço. A justificativa para a cobrança é sempre a mesma, "não te forçamos a nada, você que nos procurou, agora pague". Com a corda no pescoço, continua com seu estabelecimento aberto, movimento bom, mas sem saber como sair do buraco onde se meteu. O montante a ser pago é alto e hoje já deve ser outro, acrescido os juros cobrados não se sabe em que porcentagem, mas sim, em que meios. O ajudo conversando, porém o que precisa é de outra ajuda, financeira e essa, infelizmente não posso lhe dar. Sofro junto com ele e com a divulgação, explicito algo que vim a tomar conhecimento, muitos estão padecendo do mesmo envolvimento. Triste momento.