QUANDO UM GOVERNANTE TENTA LUDIBRIAR A BOA FÉ DA POPULAÇÃO, OU MELHOR, NÃO SEJA OTÁRIO – TUDO DENTRO DO MEU SEXTO LIVRO LIDO NESTE MÊSDesde quando tomei conhecimento na quarta passada, 24/12, de matéria no Jornal Cidade, denunciando algo ainda em investigação, porém dissecado pelo jornalista André Fleury Moraes, de licitação/chamamento público com sérias suspeitas de favorecimento para agentes com ligação com a alcaide municipal Suéllen Rosim, envolvendo altos valores pagos mensalmente, devendo ser motivo da suspensão do pagamento e consequente investigação pelo Ministério Público, isso não me sai da cabeça. Enfim, por que algo assim ainda ocorre?
Pensando nisso, lembrei-me de imediato de um livrinho curto, escrito mais de 30 anos atrás e versando sobre o relacionamento da atividade jornalística com algo similar. Trata-se do “As Armadilhas do Poder – Bastidores da Imprensa”, escrito pelo jornalista GILBERTO DIMENSTEIN, Summus Editorial SP, 1990, 160 páginas. Pego para a releitura e o devoro em dois dias. No prefácio, Arnaldo Jabour já dá o tom: “Se alguma função maior tem o jornalismo no Brasil de hoje é acabar com a ‘vida de otário’ que todos levamos, essa vida de otário dos leitores de jornal, de todos que acompanhamos de boca aberta o balé de impossibilidades da vida política nacional”.
Com a releitura, grifei algumas frases, dando sentido para o que Dimenstein e Jabour destacaram e aqui compartilho, com o intuito de favorecer a abertura dos olhos de tudo e todos, para o que está acontecendo diariamente por todos os lugares da vida política nacional. Vejam:
- A informação é uma arma na guerra da sobrevivência política. Quem sabe mais pode mais. Ou perde menos. (...) O sonho dos homens que mexem com o poder é serem considerados impecáveis e infalíveis diante da opinião pública. Não apenas por vaidade, mas pela necessidade de sobrevivência – sem um mínimo de apoio ninguém se sustenta em seu cargo.
- Nada mais frequente do que governantes pedirem a “cabeça” de repórteres, irritados com essa ou aquela notícia. (...) E o relacionamento entre imprensa e poder exige mecanismos mais sutis para controlar o ímpeto investigativo.
- Favores e informação são, de fato, instrumentos para tentar neutralizar o jornalismo independente. (...) Um político não tende a dar informação a um jornalista que divulga críticas sobre suas decisões – ele é até capaz de passar a dar notícia apenas na tentativa de ganhar sua complacência. Isso é o que se chama de “fontismo”: relacionamento promíscuo entre o repórter e a fonte.
- ...falta de cautela e pressa temperadas com pitadas de arrogância, são o caminho mais rápido para se escrever bobagens. (...) O jornalista que perdeu a curiosidade, e não tem a humildade de se admitir capaz de levar uma rasteira do imprevisível, é uma presa fácil na guerra da informação. (...) A história é repleta de exemplos de deturpações. Os jornais e, por consequência, os leitores, acabam sendo as maiores vítimas.
- Importante não é saber se a notícia está certa ou não – mas descobrir quem e por que tinha interesse naquela informação. Aí é possível encontrar uma valiosa verdade, capaz de desvendar algum plano.
- A briga e desentendimento entre governantes é uma ótima chance para o jornalista obter preciosas e verdadeiras informações sobre os bastidores do governo. Quanto mais brigas, mais informações e vazamentos. (...) Os período de recesso, carentes de notícia, são propícios para as chamadas “cascatas”, especulações travestidas de informações.
- A condição de vítima é apreciada pelos políticos brasileiros por render simpatias populares. (...) Inventar inimigos é um conhecido truque para angariar apoio popular. (...) Nunca se deve confirmar antecipadamente medidas drásticas.
- A informação é uma das formas de ostentar posição privilegiada. Presume-se que quanto mais poder alguém desfruta, mais informações tem. (...) O poder é capaz de tirar as pessoas da realidade.
- Os observadores mais atentos e experientes da engenharia do poder não têm o hábito de acreditar em amizades desinteressadas. E sabem que o limite entre a vida privada e a pública não resiste, muitas vezes a uma concorrência ou a um empréstimo subsidiado – ou, quem sabe, a uma mulher bonita. (...) São conhecidas dezenas e mais dezenas de modalidades de como usar os recursos públicos para enriquecimento ilícito – entre elas, a venda de informação. (...) Não faltam concorrências fraudadas e distribuição de propinas para a compra de produtos ou escolha de fornecedores pelo governo.
- A comprovação dos desvios de recursos e corrupção é dos trabalhos jornalísticos mais delicados. (...) As falcatruas são, em geral, sofisticadas e seus mentores não costumam deixar rastros. (...) Quem pagou a propina não confessa, pois também estaria incorrendo em crime. (...) Os picaretas costumam ser muito convincentes e fluentes.
- Quem acompanha os bastidores do poder sabe que as empreiteiras fazem acertos antecipados, fraudando concorrências. Reúnem-se as empresas e distribuem as obras públicas que vão realizar pelo País – a partir daí, estabelecem os preços que vão apresentar nas licitações. Tarefa árdua provar esse acerto, proibido por lei. Mas a imprensa tem conseguido superar as dificuldades. (...) Nas reportagens de corrupção, a melhor saída é municiar-se de documentos – eles não precisam ser publicados, mas serão o escudo do repórter em caso de investidas dos envolvidos em irregularidades.
- A tarefa do jornalista é distinguir entre as versões e os fatos reais, separar denúncias de calúnias, notícias de invencionices. (...) Alguém que passa informações, resguardando-se no off para evitar constrangimentos e punições, supõe que o jornalista saberá manter segredo. Do contrário, vai preferir o silêncio ou outro repórter para liberar inconfidências. (...) ...a fonte está protegida pelo anonimato e a culpa pelo erro cai nas costas do repórter e do jornal. O repórter torna-se um joguete das intrigas.
- Há abundantes exemplos de homens públicos que escorregam nas palavras e depois ficam irritados com a imprensa. (...) Homens públicos acusados de falcatruas ou incompetências raramente admitem as falhas e, na maioria das vezes, culpam uma suposta conspiração de inimigos ou má-fé da imprensa. (...) A universal arte de ludibriar, que acompanha pela história da humanidade o jogo político, tornou-se no Brasil mais sofisticada, aumentando as armadilhas da imprensa. (...) Aqueles que ocupam cargos executivos é comum a divulgação de mirabolantes projetos sem a especificação dos custos ou com as despesas subestimadas.
- Ao final de qualquer mandato é possível, porém, constatar facilmente que muitas promessas ficaram apenas no papel ou nos discursos de palanque. Outras foram executadas, mas não atingiram seus objetivos plenamente. Há ainda aquelas que foram mal realizadas por descaso ou incompetência. A propaganda oficial visa mostrar apenas as excelências, escondendo os fracassos. Daí a constatação óbvia de que o jornalismo independente significa permanente incômodo, sempre enfrentando atritos com quem manipula a informação, esteja este manipulador no governo ou na oposição. QUANDO O PODER E A IMPRENSA SE DÃO MUITO BEM, O LEITOR SE DÁ MAL.
O que Dimenstein apresenta no livro não é nenhuma receita pronta de atuação jornalística, mas “simplesmente o relato baseado no fragmento de uma experiência individual, capaz de introduzir o interessado em jornalismo nos labirintos do relacionamento entre a imprensa e poder”. E como sabemos, tanta coisa continua acontecendo tão perto da gente, sem que ao menos consigamos entender o que se passa de fato. Estar atentos, de olhos bem abertos é bom sinal para não ser enganado, ludibriado, pois trapaceiros estão por todos os lados.
Obs final: Cliquem em cima das fotos com as frases dos outros livros lidos por mim e tudo ficará ampliado e mais legível.