ENCONTRO NO AEROPORTO PARA FALARMOS DE PAULO FREIRE
Foi um encontro prá lá de saboroso. Eu e Ana Bia sentadinhos numa sala de alimentação no aeroporto de Guarulhos, aguardando nosso vôo pra João Pessoa. Evidentemente, fazia uso de uma camiseta, a com a inscrição, "EU PAULO TU FREIRE ELE NÃO", de forma proposital. Diante do momento atual vivido pelo país, provocar é preciso.
Na chegada, andando pelos corredores,um chapeludo me olha acintosamente. Com certeza, está rejeitando o escrito. Esfrego em sua cara os dizeres e ele se incomoda. Não me diz nada, mas pelo visto entendeu a mensagem e mesmo nunca ter lido nada e pouco saber de Paulo Freire, o abomine e rejeite. Muitos o fazem desta forma e jeito, induzidos pelo modal ultradireitista a dominar mentes bolsonaristas. Pelo seu olhar e o jeito como me perseguiu, chapelão de abas largas, algo como a dizer, suas referências, ser do agro ou adorar este modal de procedimentos. Pela quantidade de gente à nossa volta, ele passa batido e tem que engolir sua rejeição e me aceitar, eu e minha camiseta.
Na sequência, sentado tomando o café da manhã, um senhor me olhava e num dado momento, não se aguenta, levanta da mesa, se dirige até a nossa, se interpõe no meio onde estávamos sentados e nos diz: "Posso lhe falar umas palavrinhas sobre Paulo Freire?". Foi uma espécie de cartão de visitas, apresentação mais que saborosa, para terminarmos com chave de ouro o café.
Ele se apresenta, é carioca - assim como Ana -, morador da Tijuca e conta algo a envolver o educador, quando este saiu do país, em seu exílio nada voluntário, primeiro se instalando no Chile, por lá atuando e depois, com o golpe militar de 1973, se vai para a África. Diz do muito feito por ele no quesito Educação e assim, este o elo para ficarmos ali numa prolongada conversa.
Usar uma camiseta com dizeres destes é exatamente com essa intenção. Numas serve para que incautos não se aproximem e noutras, como no ocorrido, serve e meuito para conversações intermináveis, dentre estes tantos, hoje buscando uma saída para este País. Saímos de lá, de barriga devidamente cheia, caminhando para o vôo e ganhando na saída uma piscadela do carioca, que muito me estimula para fazer daquele dia o maravilhamento que foi na sequência. Ao final, resultado mais que obtido, tento ler no vôo, mas após 4 horas de Expresso de Prata até Sampa, pouco vi ou li. Dormi e só acordei com o comandante anunciando estarmos bem próximos do paraíso, ou seja, a saída do tempo chuvo paulista e adentrando o "sol pra cada um", como me disse um na recepção, quando ainda lia um poema de Chico César, anunciando ter aportado na Paraíba e aqui reproduzido para deleite de nós todos.
Peço um Uber para minha incursão turística no final de mais dia, passado boa parte dentro da UFPB - Universidade Federal da Paraíba e quando me sobra um tempo, após breve pesquisa uma descoberta das mais comemoradas. Bem no centro da cidade, o que é aqui denominado como um dos, ou o maior sebo de livros brasileiros, pelo menos em seu espaço físico, O Sebo Cultural. Chega o Uber, nele um motorista novo, aprentando menos de 30 anos e querendo conversar. HAvia pego um livro para uma breve leitura, quando tento terminar a leitura de um livro, sempre interrompido. Descubro que, em viagens, a coisa mais difícil de acontecer é você conseguir ler a contento, pois os motivos outros para te distrair são de elevada consideração.A segunda descoberta foi quando me pede para dar uma breve parada, num local meio ermo, alguma mata. "Posso parar um segundinho, preciso urinar. Rodo há mais de quatro horas e não aguento mais", me diz. Volta e confabulamos conversação, primeiro sobre isso dos apertos e de como os resolvemos. Depois, nem me lembro como, adentramos isso do turismo em sua cidade. Foi quando se mostrou preocupado e me fez um relato, em forma de conpêndio ao formato acadêmico, com forte argumentação e sustância, toda com bastante documentação, ou seja, citações variadas. "Meu caro, eu gosto muito de turistas, mas de uns tempos para cá, a coisa tem aumentado e muito. Já está extrapolando os níveis suportáveis. Primeiro a pessoa vem para cá, desfruta de uns dias, gosta do que vê, fica encantado e depois, quando volta, fica matutanto um jeito de voltar em definitivo. Vende algum imóvel num grande centro sulista e com o dinheiro compra aqui uns três imóveis. Daí, um dele ocupa e ou outros colocar para alugar neste Airbnb.", começa sua argumentação.
Dou corda e ele continua: "Veja nessa avenida onde rodamos o carro. João Pessoa é uma das cidades mais arborizadas que conheço. Essa brisa este vento não é proveniente só do mar e sim pelo muito verde que aqui temos. Isso está começando a ser perder. Olhe para os lados e veja a quantidade de novos imóveis, todos invadindo áreas antes com muito verde. E aqui na avenida, este canteiro central, a dividindo, já começam a pensar e aumentar o fluxo de veículos e isso só vai ser possível com o fim do canteiro, tudo para dar lugar para mais pistas de veículos. Tudo isso só aumenta a poulição e diminui o verde. Não concorda comigo?". Tenho que concordar.
Como sua fala tem bastante consistência, o intigo a prosseguir: "O turismo é suport´pavel para a cidade. Nos faz bem e traz muita renda. Não tem como ficar indiferente, mas junto destes novos moradores, como em tudo na vida, tem de tudo. Tem gente muito boa e gente muito má. Não tenho nenhuma admiração por especuladores. O sujeito que vem pra morar, vivendo de sua renda consolidada num outro lugar é uma coisa, mas o que para contribuir para alterar nossa vida, este é danoso para todos nós, os que aqui nascemos, fomos criados e vivemos. João Pessoa não é e continua não sendo uma cidade violenta, mas já dá para sentir a enorme mudança em curso. Penso muito nisso e me preocupo, pois isso, se continuar do jeito que está, no ritmo acelerado em que se encontra, teremos uma resposta da natureza pra cima de nós e num curto estaço de tempo. Algo da tranquilidade já está se esvaindo com os dedos. Olhe para nossa orla e veja o número grande de novas construções. Isso se estende por boa parte da cidade. Em tudo isso tem sempre os dois lados da questão, o lado bom, vendo tanta gente empregada, mas por outro penso no que virá quando tudo isso já estiver concluído e a cidade transformada. João Pessoa nunca mais será a mesma. Não concorda?".
Pensamos juntos e segundo sua perspectiva, o progresso traz exatamente isso, a transformação de um lugar. Ouço lá de onde venho, gente me dizendo a todo instante das maravilhas daqui de onde me encontro neste momento. Cada qual tem um local para me apontar como o preferido, o que não posso deixar de visitar. Anotei alguns e cá estou, vivenciando isso tudo de perto e quando no confronto com um morador local, algo mais para pensar e ocorrendo não só aqui, mas por tantos outros lugares. Trazemos conosco algo de bom, mas junto chega o algo ruim, a estragar e alterar tudo o ocorrendo até então. Um bom debate. Ele me deixa na porta do sebo, desço, nos despedimos e me diz, para meu contentamento: "Já levei turistas pra tudo quanto é lugar, mas como o senhor, pedindo para que o deixe na porta de uma livraria, o primeiro".
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