"O coronel FORTUNATO CÂMARA DE OLIVEIRA tem uma fé-de-ofício, onde constam 56 missões de combate, inclusive a destruição de um avião nazista, no solo", relata Hélio e dá voz para o coronel: "Cadete da Escola Militar de Realengo, em 1935, por ser antifascista, Exército dominado, na sua cúpula, por chefes mentalidade fascista, passei a ser visado e perseguido durante toda minha carreira, até o seu final dramático com o advento de abril de 1964. Mantive-me coerente com meus princípios e jamais abdiquei de minha postura democrática. Respondi a vários IPM, fui preso inúmeras vezes, sempre por acusações infundadas e imprecisas. Eu era um democrata, um antifascista e um nacionalista convicto e desembaraçado, assumindo sempre atitudes coerentes com meus ponros de vista".
Escrevo dele, pois ao tomar conhecimento de sua história, nela percebo algo concreto, disso hoje pouco provável, a existência de militares combatendo o fascismo ganhando corpo e forma, principalmente golpista dentro da corporação. Nem sempre foi assim. Na continuidade de seu relato: "Assim é que me ofereci voluntário para ir a guerra contra o nazi-fascismo. Comandei uma das quatro esquadrilhas de aviões de caça na campanha da Itália. Tive a honra de ser o autor do desenho símbolo, o celebrado 'Senta a Pua', adotado permanentemente pela FAB. (...) Ao voltar da Itália, o nacionalismo tomava corpo e avultava, dentre nossos problemas mais candentes, o do petróleo. (...) Lançaram mão de todas as iniquidades, vilanias e invencionices para formular acusações infundadas aos nacionalistas. (...) O que aconteceu comigo, pessoalmente, foi uma condenação, dois anos de prisão. (...) Não havia acusação de comunista, mas o julgamento, desde o início, foi articulado como se fossemos comunistas, mesmo nenhum de meus atos fosse caractsrizado como subversão da ordem e incitamento à indisciplina. (...) Nossos depoimentos foram gravados por oficiais do Exército americano".
Conta mais: "Após cumprir a pena, nunca mais a FAB me deu o direito legal de exercer qualquer função dentro da corporação. De 1957 até 1964 permaneci na situação de adido. Foram submetidos a total marginalização todos os militares que lutaram pelo monopólio estatal de petróleo. (...) O desfecho fatal de minha carreira viria no dia 1° de abril de 1964, ato Institucional n° 1. Hoje (em 1988) estamos empenhados na luta pelo complemento da anistia, aplicada a nós de modo restrito e injusto".
Edna Cunha Lima é uma das filhas do coronel Fortunato da FAB. Hoje mora no Recife PE, num amplo apartamento no bairro de Casa Forte, aposentada, viúva, uma das mais conceituafas designers do país, vive rodeada por livros e em alguns deles, trechos resgatando a história de seu pai. Umas das passagens mais tristes é a de quando vieram prender seu pai. "O levaram, num forte aparato, cercando todo o quarteirão, mas por três dias pudemos visitá-lo. Depois, desapareceram com ele. Dois meses sem nenhuma notícia, até que um conhecido o reconheceu num navio, ancorado. Tratava-se de um navio prisão. Um amigo militar foi até lá e só conseguiu trazer suas roupas para lavar, mas tínhamos ali a certeza dele estar vivo. Essa a forma encontrada pelos militares, desaparecendo com quem pensava diferente no meio da tropa, fingindo não existir nenhuma resistência dentro das Forças Armadas".
Ela não gosta muito de relembrar essa triste história, principalmente a de como foi difícil a família sobreviver a isso tudo. Alguma reparação, somente algumas décadas depois. A resistência ocorreu assim mesmo, hoje motivo de enorme orgulho para todos. Depois dos últimos acontecimentos golpistas no Brasil e tendo os militares como seus artífices e protagonistas, muita semelhança no modus operandi do ocorrido também com Rubens Paiva, relatado no filme de Walter Salles Jr e mais preocupante quando se vê, o ocorrido com o ex-comandante do Exército, o general Marco Antonio Freire Gomes, que por ter rejeitado a tentativa de golpe, passou amargar rejeição no meio militar. Será possível tudo voltar a se repetir, primeiro com propositura de assassinato de opositores e depois, perseguição atroz aos militares pensando diferente da linha conservadora e golpista?
OBS.: Quando me perguntam dos motivos de termos ido, eu e Ana Bia, para um Congresso Acadêmico em João Pessoa PB, mas ter decidido escapulir justamente no final de seman, quando poderíamos curtir uma boa praia, preferindo percorrer um trecho rodoviário até Recife PE, respondo da forma mais simples possível: Fomos visitar Edna Cunha Lima e nada mais. Só isso já é o bastante. Dona de um biblioteca ímpar, única, ocupando boa parte de seu apartamento, creio termos desfrutado ali do melhor do Recife. Uma conversa que se estendeu para o longo da noite e a possibilidade de desfrutar dessa biblioteca. Não tivemos - e nem queríamos - tempo para mais nada. Quando ela começou a nos contar algo da história de seu pai (1916/2004), todo o processo de perseguição a que foi submetido, justamente por ser militar antifascista e na sequência, por querer que o Brasil criasse a Petrobrás. Por causa disto foi taxado de "perigoso comunista" e desde então, padeceu o "pão que o diabo amassou", mas resistiu bravamente, como ilustrador, só recuperando tudo o que lhe foi subtraido, com uma anistia e recuperação de direitos, muito tempo depois de sua morte. Outro dia me disseram ainda existirem militares de nossas Forças Armadas verdadeiramente nacionalistas. Acredito, porém, os vejo contidos, pois pelo simples fato de assim se mostrarem, sofreriam o mesmo que o bravo coronel Fortunato. Uma bela história, tão merecedora de muitos livros e filmes, como os de Eunice e Rubens Paiva, escritos pelo seu filho Marcelo Rubens Paiva, filmados pelo Walter Salles Jr.
Militar verdadeiramente nacionalista, eis aqui um destes. |
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